sábado, 11 de agosto de 2012

Meu caro presidente

Li hoje de manhã o artigo no Estado de Minas com o título Conquistas dos Advogados. Sim, o presidente deve mesmo falar aos advogados no nosso dia (para dizer como estão as coisas, tipo um balanço) e à sociedade (para frisar a importância inegável da profissão).

Logo no início me assustei com os números, 700 mil no país (já ouvi 800 mil), em Minas 80 mil militantes, 125 mil inscritos. Fui ficando preocupada. Quando li "um verdadeiro exército a serviço do direito e da justiça, em que todos os profissionais prestaram de pé e com o braço estendido um compromisso..." surgiu imediatamente na minha mente a imagem do Führer e do exército alemão de braço estendido gritando "Heil, Hitler".

Perdoe-me, mas exército é a imagem que menos se aplica aos advogados, não há classe mais indisciplinada,  digo, independente e libertária. E o exército, além disso, impõe uma obediência cega, e obedecer não é mesmo com os advogados. Somente à lei mas atentos às interpretações e eventuais brechas, é preciso assumir.

É, o número é assustador. É advogado demais. Haja cliente.

O tom do artigo, data venia, é ufanista, dá até vontade de ser advogado. E vai na contra mão do que escrevi neste Blog pelo dia do advogado, em contraponto, cito: a classe está empobrecida e aviltada. De onde tirei isso? Dos corredores e dos balcões do fórum, do contato diário com os colegas.

Gostei e comungo com a "eliminando qualquer idéia (sic) de autotutela" e aqui a revisão do EM cochilou, atenção Revisor, reveja o acordo ortográfico, também eu não concordo, mas o jornal tem obrigação de escrever direito. No caderno de Cultura não sairia isso, o João Paulo Cunha não deixaria.

Voltando: gostei  e comungo do "auxilia humildes e poderosos", esse é um traço marcante e verdadeiro da nossa profissão, o que faz sua grandeza, a convivência direta com os extremos da sociedade, o grande e o pequeno, o pobre e o rico.

Agora dizer que "as pedras do caminho serão facilmente removidas" é ilusão. Que "a arrogância e o desrespeito de algumas autoridades não calarão a voz forte ou farão estremecer nossas vocações". Pode não calar, somos, sobretudo, teimosos, digo, persistentes. Mas estremecer, isso estremece. Mas continuamos, porque somos antes de tudo, uns fortes, a despeito de tudo. (Valeu, Euclides da Cunha).

Dizer que a nossa tabela tem sido seguida e respeitada por advogados e jurisdicionados? Onde? 

E faltou exemplificar, "o CNJ deu ganho de causa a diversas ações movidas pelas Secionais da OAB  espalhadas pelo país." Quais foram mesmo? É como batemos na parte contrária nas petições: alegar sem provar é quase não alegar. (Obrigada Dr. Jorge Moisés, pelas lições de processo). Era a hora de nos informar sobre essas importantes vitórias, adoraria saber, o momento não seria mais oportuno que o Dia do Advogado.

É verdade que o STF reconheceu a constitucionalidade do exame de ordem. Ufa. Mas há projeto de lei para extingui-lo. A notícia está no blog e na imprensa especializada nesta semana passada.

Quanto a dizer que somos o combustível que faz funcionar a justiça, a imagem também me assustou, esse é o problema de utilizar metáforas, desperta as associações mais primárias na mente do povo. Li um pouco de Silveira Bueno, há capítulo engraçadíssimo sobre a adequação das imagens ao discurso. Imaginei advogados sendo moídos pelas engrenagens da Justiça. E olhe que procede! Não teria tido ideias (veja Revisor do EM, depois falam de Minas e a gente não gosta), se ficássemos apenas na chama, na faísca, na provocação (no sentido jurídico, leia-se bem) do Poder Judiciário.

A citação de Ruy sobre a justiça tardia como fecho foi adequada, é preocupante e vivemos diuturnamente com ela, é mesmo um elemento indesejado do nosso trabalho. E fiquei aqui pensando, como é mesmo que os advogados "pugnarão por uma justiça célere"? Creio que metade dos que leram não conhecem o termo; estarei sendo pessimista? Afinal, "somos o país dos bacharéis", segundo também o próprio Ruy. (Obrigada, Virgílio Bomba, pela citação erudita em sustentação proferida perante o Conselho Secional da OAB/MG nos idos de antigamente,  aliás, outro dia mesmo, em algum lugar da década de 80).

Volto: como é mesmo que os advogados pugnarão pela celeridade da justiça? É como a história "quem amarrará o guizo no gato?" Ô pergunta difícil! Isso é questão quase científica de organização e métodos e não só, é questão política. Esferas altas de poder e cancros profundos da nossa sociedade. Cidadania incipiente na nossa história de país ainda jovem. Quem somos nós, advogados para resolver, pugnar pela celeridade, só nos  pedir, requerer, solicitar (dia de pessimismo), mas amanhã há de ser outro dia. 

Anyway,  ainda bem que o Presidente está otimista.

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