quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Guarda compartilhada, comentário ao artigo 1.583 do Código Civil

Marco Túlio de Carvalho Rocha*










CAPÍTULO XI
DA PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS1

Art. 1.583. A guarda será unilateral2 ou compartilhada.3 (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).4
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) 5
I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
III - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)6
§ 4º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)7

Direito anterior: Art. 325 do Código Civil de 1916; art. 9º da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio). Na redação original do Código Civil, o dispositivo consagrava o direito de os pais decidirem sobre a guarda dos filhos quando a separação ou o divórcio fossem consensuais; a Lei n. 11.698/2008 alterou o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo dar preferência à adoção da guarda compartilhada.
Referências normativas: Maior interesse da criança: art. 227 da Constituição da República; parentalidade responsável: art. 227, § 7º, da Constituição da República; igualdade entre homens e mulheres: art. 5º, inciso I da Constituição da República; igualdade dos cônjuges: art. 226, § 5º da Constituição da República; poder familiar após o divórcio: art. 1.579 do Código Civil; poder familiar independente do estado civil dos pais: art. 1.634 do Código Civil; poder familiar após novas núpcias: art. 1.636 do Código Civil; direito de visitas: art. 1.589 do Código Civil; direito de ter o filho em sua companhia: art. 1.632 do Código Civil; arts. 33 a 35 da Lei n. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente); alienação parental: Lei n. 12.318/10; ação de exigir contas: arts. 550 a 553 do Código de Processo Civil.
1. Da proteção da pessoa dos filhos. O título do capítulo é uma reminiscência do que dispunha o Código Civil de 1916 a respeito da guarda dos filhos em decorrência do desquite (separação judicial). Uma vez que a situação dos filhos em relação aos pais não mais depende do estado civil destes, correto seria que todas as disposições sobre guarda fossem reunidas no capítulo relativo ao poder familiar (arts. 1.630 a 1.638), pois a guarda dos filhos dele decorre.
2. Espécies de guarda. Guarda é a função, isto é, um conjunto de direitos e de deveres, que a lei atribui a uma pessoa capaz para zelar pelos interesses de um incapaz. A guarda dos filhos pelos pais decorre do poder familiar.
Todas as possíveis combinações do exercício da guarda de filhos relativamente aos pais ou a alguém que os substitua foram classificadas pelo artigo 1.583 do Código Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.698/2008, em duas espécies: a guarda unilateral e a compartilhada. A guarda compartilhada, em contraposição à unilateral, deveria ser a que tem por titular mais de uma pessoa. O § 2º ressalvou, no entanto, que nessa espécie de guarda os guardiães não vivem sob o mesmo teto. Desse modo, extraem-se a partir deste dispositivo não duas, mas três espécies de guarda, conforme a situação jurídica de seus titulares:
a) Unilateral (guarda dividida, sole custody): guarda exercida por apenas um dos pais ou por terceiro que os substitua (§ 1º);
b) Compartilhada (joint custody): guarda atribuída simultaneamente a mais de uma pessoa, que habitem em locais distintos (§ 1º, in fine);
c) Conjunta: guarda exercida por pais que coabitam (art. 1.634, inciso II, Código Civil).
Assim, segundo a classificação legal adotada pelo Código Civil, é espécie de guarda compartilhada a guarda alternada (divided custody), isto é, a atribuída a pessoas domiciliadas em locais distintos, e que têm o filho menor, separadamente, por períodos iguais alternados.
No common law, há dois tipos de guarda compartilhada:
a) Legal ou jurídica;
b) Física.
A guarda compartilhada jurídica atribui a ambos os pais separados a responsabilidade pelos direitos e deveres decorrentes do poder familiar. A manutenção dos direitos e deveres decorrentes do poder familiar em caso de divórcio (art. 1.579 do Código Civil) ou de novas núpcias do titular do poder familiar (art. 1.636 do Código Civil) é da tradição do direito brasileiro. Vale dizer, no Brasil, os direitos e deveres inerentes ao poder familiar decorrem deste e pouco são tocados com a alteração da guarda. Com a vênia dos autores de uma das melhores monografias sobre o tema (MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada: física e jurídica. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 173 e ss.), que sustentam posição contrária, ao instituir a guarda compartilhada, a Lei n. 11.698/2008 não criou a guarda compartilhada jurídica, pois o compartilhamento da responsabilidade parental sempre existiu na ordem jurídica pátria.
A guarda compartilhada física, diferentemente, é a delineada pela divisão equilibrada do tempo de convívio dos pais com os filhos, conforme prescreve o § 2º do art. 1.583 do Código Civil. Foi ela o objeto de ambas as leis especiais que alteraram o dispositivo ora comentado.
3. Desenvolvimento histórico da guarda compartilhada. Na Inglaterra, até o século XIX, o pai tinha direito de propriedade sobre os filhos menores. A Revolução Industrial provocou profundas alterações no modo de organização das famílias: o distanciamento entre os locais de trabalho e de residência; a especialização das funções familiares; o reconhecimento do papel da mulher na sociedade e de sua importância no desenvolvimento da criança. Tais fatores levaram os tribunais ingleses a consagrar o princípio do best interest of child e a dar preferência às mães na atribuição da guarda dos filhos menores em caso de separação (FOLBERG, Jay, Custody & shared parenting, 2. ed. New York: The Guilford Press, 1991, p. 4).

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

STJ AFASTA INTERESSE DA ANS EM AÇÃO ENTRE OBSTETRAS E UNIMED


Processo civil


A Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais – SOGIMIG ajuizou ação contra a Unimed- Belo Horizonte Cooperativa de Trabalho Médico Ltda., objetivando a declaração de ilegalidade de ato normativo da cooperativa bem como da legalidade da cobrança de honorários médicos pelos cooperados da Unimed-BH, em caráter particular, de suas associadas, no caso específico de atendimento obstétrico hospitalar fora do plantão.

A sentença

A Juíza de Direito da 21ª Vara Cível de Belo Horizonte, Dra. Aída Oliveira Ribeiro, julgou procedente o pedido, “para o fim de declarar a legalidade da cobrança pelos médicos cooperados da UNIMED-BH, de honorários em caráter particular, das pacientes associadas dessa Cooperativa, pelo atendimento obstétrico hospitalar fora do plantão, desde que previamente acordado com a gestante e não receba o profissional da Cooperativa pelo mesmo procedimento”.

O ingresso da ANS

Após a apelação da Unimed- Belo Horizonte Cooperativa de Trabalho Médico Ltda., sobreveio petição da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR-ANS, manifestando seu interesse em ingressar no processo, fato que motivou decisão da Desembargadora Selma Marques do TJMG, a declinar da competência para a Justiça Federal, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O acórdão do TRF

Em seguida, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, reconhecendo o interesse jurídico da ANS e, consequentemente a competência absoluta da Justiça Federal, deu provimento à apelação da UNIMED-BH para anular a sentença, bem como os demais atos decisórios da ação e determinar a remessa dos autos a uma das varas da Seção Judiciária de Minas Gerais.

O recurso especial

A SOGIMIG – ASSOCIAÇÃO DE GINECOLOGISTAS E OBSTETRAS DE MINAS GERAIS interpôs recurso especial com fundamento nas alíneas “a” e “c” do artigo da Constituição Federal que prevê o recurso, ou seja, alegou violação a artigo de lei federal bem como divergência jurisprudencial.

A recorrente sustentou a ilegitimidade da Agência Nacional de Saúde Suplementar para ingressar no pólo passivo do feito, o qual discute a cobrança de honorários médicos, eis que o ato proibitivo motivador da ação não partiu da ANS, mas da UNIMED; e além disso, a discussão judicial envolve apenas o direito privado dos associados. Requereu o reconhecimento da ilegitimidade passiva da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e a declaração de incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar a ação, anulando-se, por consequência o acórdão do TRF da 4ª Região e determinando a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais para julgar a apelação da UNIMED-BH.

A questão do recurso é definir se o ingresso da ANS desloca a competência para a Justiça Federal e, também se há interesse jurídico da ANS na ação.

A decisão do STJ

Ilegitimidade da ANS e competência da Justiça Comum

Em decisão monocrática o Ministro Lázaro Ramos, Desembargador convocado do TRF 5ª Região, entendeu que “na seara de contratos de plano de saúde firmados livremente entre cidadãos e pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviço médico-hospitalar, a relação jurídica é exclusivamente privada, ausente o interesse federal, sendo da Justiça Estadual a competência para processar e julgar a causa em exame”.

Ao afastar o interesse federal na questão debatida o Ministro concluiu não se justificar a presença da ANS no polo passivo da demanda, citando precedentes da Turma com o entendimento que “a ANS tem legitimidade para figurar em demanda apenas quando a sua atuação como reguladora, normatizadora ou fiscalizadora dos planos de saúde privados estiver em discussão;”.

Assim, o Ministro deu provimento ao especial para a) reconhecer a ilegitimidade passiva da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS e b) declarar a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar a ação e, em consequência, anular o acórdão recorrido, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para julgamento da apelação interposta pela UNIMED-BH.




quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Três palavras

Meus bravos, recebi há pouco uma doce notícia de Brasília/DF, são três palavras que soam como música para o ouvido de advogados militantes, recurso especial provido. Momento especial, não há como negar, seja pelo tempo de tramitação do recurso, exatos oito anos, (sim, é verdade, esse absurdo existe no Brasil). Durante sete anos o processo mofou, digo, permaneceu no gabinete do Relator, e não foi por falta de despacho com o ministro, ou petições reclamando da demora no andamento. Eis que o ministro foi nomeado para um cargo tal e pelos novos e muitos afazeres foi designado novo relator, um desembargador convocado que mostrou a que veio. Excelente providência, embora tardia.

Ainda no quesito momento especial, seja pela matéria eminentemente processual, competência funcional, seja pela refinada satisfação de  participar de algum modo da cassação de um acórdão do TRF, como diz o reclame de um cartão de crédito, isso não tem preço.

Passados oito anos foi preciso buscar a pasta, já no volume 4, para relembrar qual foi exatamente o pedido do especial. E rever os quatro acórdãos paradigmas garimpados em longa pesquisa e o artigo de lei federal violado. É uma volta no tempo. 

É impressionante a demora no julgamento de recurso pela instância superior, oito anos, não custa repetir. E o processo não acaba aqui, a causa voltará para Justiça Estadual, a segunda instância começará agora e daqui oito anos, decerto, chegará de novo ao STJ, quiçá ao STF, na apreciação do mérito.

Na sexta-feira será publicada a decisão, que irá para uma moldura, dentre vários motivos, de tão aguardada.

Persistência contra jurisprudência majoritária

E nquanto a nossa mais alta corte de justiça, digo, um dos seus integrantes, é tema no Congresso americano lida-se por aqui com as esferas h...