terça-feira, 28 de novembro de 2023

Palavras ao vento


Foto Lula Marques, Agência Brasil

Tea for two[1]

Ainda sob impacto da flagrante ausência de notório saber jurídico do mais novo indicado ao STF, o ministro da Justiça, falemos do café pequeno, questões práticas da advocacia.

Um adendo final, o desânimo diante da sabatina procedida pelo Senado Federal, sabidamente "para inglês ver", um chá das cinco para desgosto de cidadãos e contribuintes enquanto o clima é de alegria, alegria[2].

Do lado de cá da ponte lidamos com a diferença de entendimento do que seja prejuízo e urgente entre desembargador relator e advogada.

O novo Código de Processo Civil inaugurou procedimento recursal intimando o advogado a manifestar-se sobre questões prejudiciais levantadas pelo relator ou pela outra parte.

Como se avisasse: vou indeferir, o que tem a dizer? 

Até o momento só tive sucesso numa apelação (curiosamente as partes foram trocadas, nós os apelantes viramos apelados e terceiros tornaram-se apelantes e os apelados sequer constaram, acontece), após a manifestação, o relator suspendeu o feito até o julgamento de ação de nulidade.

Mas no caso do agravo de instrumento em questão, a manifestação e a juntada de acórdãos do STJ e STF favoráveis ao prejuízo e à urgência da parte, adiantaram rigorosamente nada, e repetiram-se as razões do relator para rechaçar o recurso como incabível fora das hipóteses do artigo 1.015 do CPC.

Acórdãos ótimos, os juntados. Enfim, temos ainda o agravo interno. 

Neste mesmo recurso recebi intimação para juntar o comprovante de pagamento das custas recursais e a guia ou comprovar a justiça gratuita. Quid?

O cliente havia pago a guia  em menos de 40 segundos e enviado em pdf.

Respondi prontamente que constituíam os documentos 3 e 4 juntados com a inicial do recurso, logo após as procurações. Mas retirei a última parte, pareceu um tanto acintoso o detalhe da localização.

A manifestação foi treslida, a questão do prejuízo e da urgência, economia processual, etc.

Nenhuma linha da argumentação constou da decisão que veio em bloco, uniforme.

É como se a decisão dissesse em linguagem coloquial: Qual o quê..., isto realmente não existe; que há de mal em chegar à sentença, depois apelação e no tribunal anular-se a sentença para voltar à fase de instrução? 

Tempo? 

Ativo em alta hoje. Dizem até mais valioso que dinheiro. Não há pressa, só advogados e partes têm pressa, me parece. 

Prova imprescindível?

Reclame na apelação.

Tempo razoável de duração de um processo, economia processual.

Palavras, apenas, apenas

Palavras, pequenas

Palavras[3]

 



[1] Tea for Two, Irving Caesar / Vincent Youmans, 1924

[2] Alegria, alegria, Caetano Emmanuel Viana Teles Veloso, 1968

[3] Palavras ao Vento, Antônio Carlos de Morais Pires/Marisa de Azevedo Monte, 1999.

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Juiz dá voz de prisão à mãe da vítima

12ª Vara Criminal de Cuiabá/MT -  Audiência - Depoimento da mãe da vítima

Promotora: Primeiro, eu lamento profundamente sua perda. Tá? Com relação ao assassinato do C. O. B., o J. R. G. L., ele está sendo processado por ter matado o seu filho no dia 10 de setembro de 2016. Valendo-se de uma arma de fogo mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. O que a senhora sabe deste fato, dona Sílvia?

Mãe da vítima: O que eu sei... na época eu tava trabalhando e, eu conheci ele. Não lembro dele agora, vi ele aqui agora

Promotora: Ele quem?

Mãe da vítima: Esse homem (e aponta para trás sem se virar). 

Promotora: A sra está constrangida de prestar o depoimento na frente dele?

Mãe da vítima: Não. 

Promotora: Prefere que ele se retire?

Mãe da vítima:  Não. Por mim pode ficar aqui, pra mim não é ninguém.

Juiz: É... com seu respeito, se a senhora quer respeito tem que dar respeito.

Promotora: Excelência, é uma vítima enlutada (alerta a promotora).

Juiz: Sim, aqui é o devido processo legal, néé... Está sendo processado, tem a promotora, tem o juiz, tem o advogado que não é excluído da...

Promotora: (Tentando acalmar a situação). Excelência, eu posso continuar a minha pergunta Excelência?

Juiz: (inaudível) respeito. Eu só peço então tem o juiz presidente do feito. eu peço a senhora que por mais que seje doloroso a senhora mantenha a serenidade ou inteligência, é, é, sobre esta circunstância é do réu acusado infelizmente de fato uma perda para a senhora.. Eu acho, tem ...

Mãe da vítima: Senhor, com o respeito da palavra, eu sou uma pessoa inteligente. O fato deu falar que ele não é ninguém, para mim não é ninguém. Isso aí não vai tirar o que eu vou falar aqui, nem vai tirar o que eu penso dele e que ele pensa a meu respeito. Eu não tô nem aí. Eu tô aqui para falar sobre o que aconteceu.

Promotora: Senhora, então, por favor, dona Sílvia, o momento da senhora. A senhora pode esclarecer como que o acusado matou seu filho. Eu não tô ouvindo. Alguém tá falando?

Juiz: Sim, eu estou falando

Promotora:Ah, desculpa. Dr., por que tá baixo.o som do senhor para mim.

Juiz: É...A senhora não tá faltando com o respeito (inaudível).

Mãe da vítima: Desculpa.

Juiz:tá certo... quando falo de inteligência emocional tem que ter, tem que ter, se não tiver vai ser difícil

Mãe da vítima:Se for isso...

Promotora:Não, não, Excelência, eu gostaria que a vítima pudesse manifestar. A vítima e seus familiares têm direito à informação. Ele tem direito a ser ouvido. Ele tem direito a ser acolhido pela Justiça. É só isso. Deixa ela falar. Eu só gostaria que ela falasse. O que que aconteceu.

Juiz: O que não pode é querer desafiar, Dra.

Promotora: Meu Deus, Dr.! Eu não acredito no que está acontecendo nesta audiência... A mãe da vítima tá manifestando, é muito difícil controlar o sentimento...

Juiz: Por que toda hora tem que falar?  (Tom de voz alterado)  Engoliu um rádio, uma radiola, Dra? De novo, Dra?

Promotora: Doutor...

Promotora: Eu não tô ouvindo o que o senhor tá falando. Eu já falei para o senhor...

Juiz: Não para de falar! (exaltado). Pare de falar, por favor!

Promotora: O microfone está baixo, não estou ouvindo.

Juiz: Está encerrada a audiência!

A mãe da vítima visivelmente perturbada levanta-se rapidamente e bate a mão na mesa.

Mãe da vítima: Da justiça divina não escapa! (para o réu).

Juiz: A senhora está presa! Senhora tá presa!

Promotora: Não, Dr. !!!

Sala das Audiências, 29 de setembro de 2023.

Desfecho: A mãe da vítima foi contida por dois homens e levada à Delegacia.

Noticiam os veículos que o juiz afirmou haver dado voz de prisão pelo fato da mãe da vítima haver danificado um patrimônio público (bebedouro) com um copo (de papel).

Inacreditável, mas verídico. Vídeo em alta na web.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Desembargador do TJMG é indicado para vaga de ministro do STJ


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou, nesta quarta-feira (6), os desembargadores José Afrânio Vilela, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), e Teodoro Silva Santos, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), para as duas vagas de ministro em aberto no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os escolhidos serão agora submetidos a sabatina no Senado Federal e, se aprovados em plenário, serão nomeados pelo chefe do Executivo e empossados em sessão solene do tribunal.



José Afrânio Vilela tem formação em direito pela Universidade Federal de Uberlândia e pós-graduação em gestão judiciária pela Universidade de Brasília. Tomou posse como juiz em 1989 e ocupa o cargo de desembargador do TJMG desde 2005. Atuou como vice-presidente do tribunal mineiro no biênio 2018/2020.


José Afrânio Vilela e Teodoro Silva Santos foram escolhidos em uma lista de quatro nomes formada pelo Pleno do STJ no dia 23 de agosto. As vagas no tribunal decorrem da aposentadoria do ministro Jorge Mussi e do falecimento do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Pode citação pelo WhatsApp?

 


A lei processual não prevê a utilização de aplicativo de mensagens como meio de citação; ocorre que havendo ciência inequívoca da ação judicial a citação será válida.

Este foi o entendimento da Terceira Turma do STJ ao anular uma citação realizada pelo WhatsApp. Isto porque a ré não sabia ler nem escrever. Ademais o mandado de citação foi enviado para o celular da filha da ré, em uma ação de destituição do poder familiar na qual a citanda ficou revel.

A relatora Ministra Nancy Andrighi entendeu que a citação pelo WhatsApp possui vício de forma diante da ausência de regulação legal, sendo passível de anulação.

Ocorre que havendo a ciência inequívoca, ou seja, atingindo o ato seu fim de cientificar o réu do conteúdo de despacho judicial estará superado o vício de forma e será considerada válida a citação.

No caso em julgamento foi constatado evidente prejuízo para a ré, pois, sem saber ler e escrever estava impossibilitada de compreender o teor do mandado de citação e da contrafé (cópia da petição inicial), tornando-se revel no processo.

Conforme determina o artigo 247, II do Código de Processo Civil a citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto quando o citando for incapaz.

Admitida, pois, a citação pelo WhatsApp aos letrados.

Pode citação pelo WhatsApp? Se houver ciência inequívoca da ação judicial, sim, segundo a Terceira Turma do STJ.

 

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: Assessoria de Imprensa do STJ

 

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

150 anos - sete tribunais e uma sessão solene

Ontem, 6 de agosto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fez 150 anos.

No dia 6 de agosto de 1873 com  publicação do decreto imperial de Dom Pedro II foi criado o Tribunal da Relação de Minas, com sede em Ouro Preto, capital da Província.

O Decreto Nº 2.342, DE 6 DE AGOSTO DE 1873 além do Tribunal da Relação de Minas Gerais criou mais 6 tribunais, de São Paulo, Goiás, Mato Grosso Ceará, Pará e Rio Grande do Sul.

Hoje 7/8/23 houve sessão solene do Pleno do TJMG para comemorar a data histórica à altura.C om a presença do governador e demais autoridades dos poderes, instituições e armas do estado. 

Há dias o site do TJ informava a presença dos Dragões da Inconfidência e do Quarteto de Cordas da Orquestra do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

A sessão cívica solene foi longa. Longos discursos, à exceção do Governador Romeu Zema que não levou discurso escrito. E foi breve.

Há tempo para tudo segundo o texto milenar, citou o orador, decano do Tribunal.

Eclesiastes. Evitou o termo bíblico, concluí. Comemorar, reunir em exaltação de algo.  Consultarei minhas notas, citações de Camões. Se tão sublime preço cabe em verso, Os Lusíadas, Camões. 

A projeção ou protagonismo de cada poder nos últimos três séculos. Século dezenove, legislativo; vinte, executivo e vinte e um, o século do poder judiciário. 

Ninguém no Brasil duvidará disto. Tal e qual, dizemos nós. Mas diferentemente do senso de nosotros, o orador atribuía tal projeção à evolução do direito das mulheres, da infância, e etc..

Fechou com Camões, sobre a alta honra do encargo: se a tanto me ajudar engenho e arte, id ibidem.

O chefe do Ministério Público citou Adélia Prado, me atravessa um rio profundo. 

Os versos textuais da autora de Divinópolis:

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo.

Terá sido mero acaso diante da composição da mesa de honra? 

O governador do estado não citou literariamente nenhum autor, mas citou nominalmente os presidentes anteriores do tribunal com os quais afirmou haver aprendido muito. Enalteceu o TJMG. E foi breve, frise-se.

O Presidente do Tribunal citou Guimarães Rosa, para falar de Minas, aurífera, ferrífera ..., misteriosa porção do Brasil.

Misteriosa porção do Brasil. De fato. Pesquisei os sites dos demais tribunais criados pelo Decreto Imperial e que completam 150 anos. 

Ao que consta (nada), só em Minas houve sessão solene. Com guarda de honra e música clássica. E citações literárias de autores mineiros e do poeta maior português.

No site do TJSP, é bem verdade, consta o documento digital coletivo dos 7 tribunais pela efeméride.

Sessão solene só aqui. Tradicionalistas. Com homenagem aos estados irmãos pelo decreto imperial.

Este foi o ponto comovente da sessão: os mais antigos funcionários do tribunal adentraram portando as bandeiras dos estados do Ceará, Pará, Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul para entronizá-las, sendo aplaudidos de pé por autoridades, desembargadores e demais presentes.

Como escreveu Guimarães Rosa: 

Minas, Minas Gerais, inconfidente, brasileira, paulista, emboaba, lírica e sábia, lendária, épica, ..., árcade, ..., arcaica, mítica, enigmática, ... municipalíssima, paroquial, ..., humanista, política, sigilosa, ..., legalista, legal, governista, revoltosa, ...  (Texto publicado na revista “O Cruzeiro”, em 25 de agosto de 1957).



Encerramento Trenzinho Caipira Heitor Villa-Lobos

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Advogados já foram melhor tratados





Advogados já foram melhor tratados. Foi o que me ocorreu ao entrar no edifício que abriga e abrigará durante muito tempo as varas de sucessão da Capital. Não é pelo fato do prédio ser antigo; não. Nem pela fresta da porta do elevador mostrando os andares, luz e sombra, luz e sombra; de maneira alguma. O lay out sombrio do saguão? As cadeiras de plástico enfileiradas? A presença ostensiva de policiais? Não, e não.

Volto ao assunto das barreiras. A primeira de guardas, mas não policiais. Policiais militares há também, demonstrando que funcionam ali varas criminais. É comum advogados e servidores com presos algemados no elevador. Voltando às barreiras. Revista de bolsa é possível. A senhora é advogada? Intimamente me pergunto, quem em sã consciência viria bater aqui, disposto a romper um par de obstáculos físicos e humanos, de casaco de tweed, nesta quinta-feira nublada senão no exercício do dever profissional? Respondo educadamente que sim. Sou intimada a dizer aonde vou. Digo.

Passada a primeira barreira encontra-se a segunda, um balcão com três funcionárias. Carteira da OAB, exigem. Aonde vai? (De novo?). 

Superados os obstáculos podemos adentrar ao elevador com a assustadora fresta na porta automática de luz e sombra.

Já na secretaria comentei com a advogada companheira da prova de barreiras que advogados já foram melhor tratados. No momento atual são revistados, vigiados, intimados a declarar aonde vão.

Dito e feito. Minutos depois nova demonstração dentro da secretaria da vara. O funcionário do balcão com alguma má-vontade foi ao computador consultar o processo e me disse lá do computador que a questão era complexa (um pedido de alvará), e que devo, se quiser, peticionar de novo. 

Pela terceira vez? pergunto. Não é possível. 

Me interrompeu para perguntar algo rude com a condescendência de quem fala a um ignorante do serviço ou a um subalterno: eu estou explicando, a senhora pode ouvir?

Alto lá. De pronto retorqui: E o senhor pode tratar a advogada com gentileza?

Negou a grosseria. Mantive. Educado é o que ele não foi. O caldo engrossou. O que fazer nestas horas? Chama-se o escrivão. No caso, funcionário em substituição, o escrivão estava de férias, alçado à função por competência e serenidade. Não precisei chamar, o próprio funcionário passou imediatamente a questão.

Ótimo. Pudemos então falar a mesma língua e no mesmo tom adequado ao ambiente forense. E devido aos advogados. Aliás a qualquer jurisdicionado. A qualquer um do povo, todos nós.

A vara está sem juiz titular. Há juiz itinerante que vem despachar e também atender outras varas. É a segunda vez que venho resolver a mesma questão. Já conversei com a assessoria da outra vez e levei as duas petições impressas para facilitar. Parece que não adiantou muito. Parece que as petições não têm sido lidas. 

E as partes, no caso, herdeiros, leigos, a imaginar que algo muito grave deve estar acontecendo neste processo, pois, não anda por mais que se peticione.

Conheço um advogado que costuma levar o cliente quando vai à secretaria para que ele se dê conta de como funciona ou não a serventia. E que há coisas muito além do que pode o advogado.

Serei o assunto do cafezinho de amanhã, com amargas queixas do funcionário reiterando que não foi, de forma alguma, ríspido com a advogada.

Seguinte: advogados já foram melhor tratados. Isto foi em um outro país. Uma outra época que, infelizmente não conheci.

Li e guardei de um livro de Rudolph Von Ihering que o primeiro dever do advogado é com ele mesmo.

Algo me diz que agora andará a bom termo.

Do contrário estarei pela enésima vez a dar com os costados na serventia.

Palavras ao vento

Foto Lula Marques, Agência Brasil Tea for two [1] Ainda sob impacto da flagrante ausência de notório saber jurídico do mais novo indicado ao...