quarta-feira, 26 de abril de 2017

Dia de Tiradentes "in loco"

Nada melhor que vivenciar o dia de Tiradentes in loco e ganhar aula de história grátis por força das coincidências. Explico, no exato momento em que nosso grupo entrou na primeira sala de exposição do magnífico, magnífico, repito, prédio do Museu da Inconfidência, antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica,  um guia de uma agência de turismo iniciava a explanação aos seus excursionistas.

Não era qualquer guia, era um excelente guia, falava bem, dominava o assunto e a sua plateia, além dos agregados que não mais o largaram.

Que aula de história e cultura, e no dia de Tiradentes, e em Ouro Preto. Perfeito. Com um toque peculiar, o nosso adotado guia era negro e falava com desenvoltura e de modo sofisticado sobre a história de seus ancestrais. 

Era impossível ouvi-lo expressar-se tão bem de modo culto e não pensar na superação de uma raça que teve que suplantar o tormento da escravidão e suas consequências que se arrastam até hoje.

O ponto alto foi a declamação do dispositivo da sentença que determinou o enforcamento de Tiradentes, justamente ao lado do sétimo e último volume dos Autos da Devassa, aberto na página da sentença, exposto numa redoma de vidro. Escutamos em silêncio, chocados com os requintes de crueldade desta sentença de morte.

Que sua habitação seja arrasada
que sua cabeça seja exposta nos arredores, especialmente em Cebolas
de morte natural (sem sangramento)

A declamação foi a preparação perfeita para passarmos à sala seguinte, a câmara mortuária dos inconfidentes. Para o mártir Tiradentes um mausoléu à frente e ao centro, simbólico, eis que seus restos mortais não foram recolhidos depois de espalhados como mandou a sentença.

Sobre a tumba rosas vermelhas e brancas, frescas. Acima dela uma gigantesca bandeira de Minas Gerais com os versos de Virgílio, libertas quae sera tamen, liberdade ainda que tardia, a mesma bandeira da Inconfidência.

Entre os pertences destes homens, o relógio de bolso, a caderneta, o instrumento que Tiradentes manejava com precisão para arrancar dentes, a batina e paramentos do Padre Manuel Rodrigues da Costa, surrada, as vigas de uma forca, possivelmente a do Alferes.

O lado B da História

O guia não se prendeu à história oficial e contou de interesses contrariados da elite local, de proprietários e servidores públicos prejudicados pelo rompimento político da rainha de Portugal, D. Maria I, a Pia com o Marquês de Pombal.

Com o fim da era pombalina a situação de Minas se agrava, pois, ao lado das dívidas, havia desde 1785 a proibição de qualquer manufatura no Brasil, decretada por Da. Maria I, rainha de Portugal.  (http://www.projetomemoria.art.br/CastroAlves/memorias/memorias_passagem_inconfidencia.html).

Interesses contrariados amalgamados com os ideais libertários trazidos pela gente estudada na Europa e que voltava à colônia, daí que ...

Denunciado o movimento por Joaquim Silvério dos Reis ao governador Visconde Barbacena, os inconfidentes ilustrados e servidores do Reino receberam a clemência da Rainha e tiveram a pena de morte comutada para penas digamos alternativas, degredo na África, exílio em Portugal, clérigos recolhidos a conventos na metrópole e o Alferes Tiradentes preso no Rio de Janeiro amargou três anos de processo e prisão e foi enforcado.

A corda arrebentou do lado mais fraco e para o menos expressivo do grupo, como soe acontecer. 

"(...) Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu (...)". http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/a-sentenca-de-tiradentes/106
Do lado de fora do Museu naquela tarde funcionários terceirizados desmontavam o palco da entrega recente da Medalha da Inconfidência. A comenda máxima do governo mineiro que tem sido distribuída a rodo, a torto e a direito, para a esquerda e para a direita a, digamos, expoentes da nossa sociedade que nem sempre estão alinhados com os ideais republicanos defendidos pela Inconfidência.

Deixei o Museu imersa em mineiridade e história. História viva que se desenrola na praça e no planalto central. Reconectada aos ideais republicanos e libertários, relembrada do sofrimento e sangue para construir aquele magnífico prédio, o quanto evoluímos como povo, e o quanto ainda penamos atrasados.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Dois mundos


Uma sessão de mediação 

Mais uma mediação finalizada hoje e a constatação que sim, a técnica funciona, as partes saem transformadas e os mediadores também. Vi hoje no olhar dos mediandos que se despedem calma e confiança. Saem mais fortes e tranquilos.

Como não se entusiasmar com uma ferramenta dessas? 

Nesta mais recente mediação participaram advogadas, que esclareceram as partes quanto às questões jurídicas, no caso, do direito de família, e assim deram segurança para que as partes construíssem o próprio acordo.

Nessa escuta ativa dos motivos de cada pessoa envolvida no conflito, da sua história de vida, fica cada vez mais claro que, como dizia Alcione Araújo, o falecido escritor mineiro, cada um é um abismo.

E que choques, os conflitos, são naturais, não devem ser vistos como ruins mas como oportunidade de transformação. Conforme se sabe, o conflito não se resolve, se transforma.

Pois, saíram hoje as partes sorridentes e agradecidas.


Uma audiência litigiosa


Diante do juiz na audiência nesta semana as partes que viveram intimamente estavam sentados frente a frente, uma olhava diretamente, talvez procurando uma resposta, um aceno. O outro fitava um ponto perdido na divisória sem encarar ninguém.

Nem todos estão prontos para a mediação, mas é sempre bom adentrar neste espaço que, ainda que não se consume o acordo, restabelece de algum modo a comunicação entre as partes.

Que dizer de jovens advogados adeptos de práticas antiquadas como a famosa litigiosidade excessiva? Que tomam as dores do cliente e investem contra o colega na mesa de audiência? 

Além de imersos na litigiosidade excessiva estavam os moços enquadrados demais na forma pela forma. Nesses momentos de acalorada discussão o novo Código de Processo Civil foi invocado de todas as formas, por gregos e troianos. 

Mas a Constituição Federal está aí para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório. Daí a juntada pouco ortodoxa de documento crucial após a propositura da ação. Este foi o motivo da discussão acalorada e do jus esperneandi dos advogados da parte que vinha nadando de braçada no processo. Pode ou não pode, eis a questão.

Debateu-se longamente na oportunidade o alcance do parágrafo único do artigo 435 do CPC:

Art. 435.  É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único.  Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5o.

O juiz teve a pachorra de sacar seu exemplar do código e ler o parágrafo único para os advogados que não se conformavam com a juntada do documento. e seguiu-se mais discussão.

Nem sempre o processo segue o espelho fiel da sequência determinada pelas regras processuais. Pode, imperfeitamente, se desenrolar fora do figurino como acontece na vida real, mas nem por isso contrariando as normas.

Se mesmo na vigência do antigo código já havia uma flexibilidade na juntada de documentos, respeitando-se sempre o direito da outra parte manifestar-se, que dirá na vigência do novo CPC que ampliou a possibilidade de juntada de documentos, e o fez expressamente por meio do parágrafo único do art. 435. 

Em favor dos advogados é preciso dizer que mesmo após a áspera discussão em audiência despediram-se respeitosamente no corredor, as senhoras com beijos em ambas as faces e votos de felicidades.

Ode à alegria

Ainda o tema. Desde as mais recentes indicações e posses deslustrosas para o mais alto cargo do judiciário brasileiro tenho evitado qualquer...