sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Ontem no Tribunal

Venha caro Leitor, vamos adentrar à Sala das Sessões do TJMG lá na unidade Raja Gabaglia. Já passamos pelo mármoreo piso e sacamos nosso salvo-conduto na catraca, o crachá. Estamos, portanto, livres da má vontade dos porteiros de terno que nos olham como se fóssemos ninguém (afinal, não somos os senhores desembargadores). Seguimos tranquilos rumo à catraca sem o adesivo de "visitante" na lapela e lá vem eles, donos da bola nos interpelar. Antes que abram a boca a cobrar o adesivo, sacamos da bolsa nosso crachá e quase o brandimos no ar, mais ou menos como: Que visitante, que nada. Também laboro aqui. Deixa o Cortella, o filósofo, te pegar uma hora para explicar um pouco sobre essa distinção de quem é quem. Tudo bem, os rapazes cumprem ordens, mas atenção RH, estão destreinados. Cortesia é imperativo.  E só ensinar umas frases-padrão e estará tudo certo, interpretaremos como pura cortesia e respeito aos advogados.

Hoje a sessão será florida, já divisamos na sala dois príncipes do foro. Sabemos que não se bicam e guardam distância um do outro. A memória dos advogados é movida por associações, basta colocar os olhos em algum magistrado e lembramos: ah, ele deu aquela sentença naquele processo tal quando era titular da vara tal. É inevitável. Este aqui foi uma liminar de medicamentos, esqueci o medicamento e o autor, mas lembro da liminar. Aquele concedeu-me honorários irrisórios. Aquela prolatou aquela fabulosa sentença na qual advoguei em causa própria. Aquele eu conheci no interior de Minas num rincão numa causa de inventário, etc. etc.

Feito o reconhecimento do território e as associações de praxe, vamos ouvir os príncipes do foro que nos antecedem na tribuna. Sempre aprendemos e admiramos a naturalidade, o domínio da matéria, o conhecimento da causa. Reparamos também na reação dos magistrados às perorações e ao orador. Já foi dito da reserva que têm os magistrados diante de medalhões. Alguns se mantém impassíveis, outros continuam a folhear votos, agora, monitores de computador, outros que nem sabem que estão sendo observados deixam o corpo falar e cruzam os braços, atitude de recusa e fechamento. Ambos os príncipes foram ouvidos, pelo menos pelos relatores, pois, após a oração, pediram vista.

Um desembargador saudou a ex-estagiária de vara cível, agora advogada, após a sustentação oral, lembrando que aprendeu com ela a vencer sua resistência ao então novel Código de Defesa do Consumidor. Digno de registro.

Feita nossa oração, antes registro que o Sr. Presidente da Câmara pediu brevidade a todos oradores diante do tamanho da pauta. Não devia e nem precisava. Advogados praticantes sabem que devem falar pouco e bem, ir à questão central logo. Além do mais, o processo em questão durou três anos, t-r-ê-s  a-n-o-s, até chegar aqui. Se demorou, e há aqueles que demoram 8, 10, 13 anos, como pedir brevidade à parte justamente no momento crucial em que vamos participar (coisas de pós-graduação) da decisão?  Nada disso. Temos direito a todo o tempo disponível e andamos muito exigentes, estamos como Clarice, exigimos atenção. Nós, não, o direito da parte.

"Escrevo com amor e atenção e ternura e dor e pesquisa, e queria de volta, no mínimo, uma atenção completa". (Clarice Lispector, Clarice na Cabeceira - jornalismo, p. 174, Ed. Rocco, 2012).

3 comentários:

  1. Saulo Correia (saulomcorreia@hotmail.com)9 de agosto de 2013 às 22:07

    Tenho a impressão de que um dos maiores vilões da celeridade processual é o famoso (in)"conclusos". Depois de uma eternidade, o esperado "cite-se" ou "peço pauta".

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  2. Momento ápice do texto:
    "Como pedir brevidade à parte justamente no momento crucial em que vamos participar da decisão?"
    Ficamos anos a fio expondo as razões, os acertos e desacertos para termos que escutar um pedido de "brevidade" em pleno momento em que nos é dada a palavra. Tal fato já me ocorreu e como resposta:
    - Excelência, pela ordem, falarei o que julgar necessário.
    E assim o fiz até o fim!

    Abraço Dra. Valéria, parabéns pelo blog que está cada vez melhor!

    Bruno Cézar Gomes Fonseca - advogado

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  3. Bravos leitores, grata pelos pertinentes comentários. Parabéns a você, bravo Bruno, assim é que se advoga!

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