quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Dia da onça beber água

Enquanto em Brasília Ayres se emocionava na despedida da mais alta corte do país e Tóffoli discursava contra a pena de prisão para os crimes financeiros e assemelhados, aqui no norte de Minas estávamos ocupados em audiência de mote por assim dizer, bem rural. Ação de despejo e rescisão de contrato, tudo pelo Estatuto da Terra. De um lado, fazendeira, do outro carvoeiro, tudo bem regulado pelo IEF - Instituto Estadual de Florestas.

Este processo já deu com os costados no Tribunal de Justiça que mandou voltar à comarca de origem para produzir prova testemunhal. E aqui estamos. A amenidade da audiência preliminar no mês passado foi superada. Hoje era dia da onça beber água, e ela bebeu. A audiência foi tensa. Todos mais contidos, dos advogados ao juiz. O juiz indeferindo perguntas: "Reformule".

Tenho opinião, modesta, sobre o assunto. Por mim, deixa a pessoa falar o que souber. O tecnicismo travestido de "objetividade", de molde "a impedir que a testemunha seja induzida", empobrece o processo. A pessoa estava lá, participou de certo modo dos fatos, viveu aquilo, tem conhecimento. Deixa falar. O juiz há de filtrar no seu convencimento o que importa ao deslinde da causa. Vou puxar Brasília, não tem jeito, está muito na moda jurídica agora, "o conjunto da obra" muito citado pelos ministros, especialmente pelo Barbosa. Afinal um fato está inserido num contexto. Vamos levar o contexto para os autos. Nada de sectarismo quanto aos fatos.

"Reformule". Advogado algum gosta de ouvir isso. "Seja objetivo". Ora, justamente pelo fato de estarmos sendo bem objetivos é que o juiz manda reformular. É ilusão, penso com minhas contas do colar de pérolas (ainda, fake, mas havemos de chegar lá, ou não). Terei que convocar Brasília, novamente: a verdade num processo é uma quimera (Marco Aurélio Mello,  poetando como Ayres). É ilusão a tentativa de higienizar o depoimento com o nome de objetividade, quando se trata de advogados.

Perguntas puras fará o juiz. Então, façamo-las, nobres magistrados, esgotemos as questões. Já vi um juiz e uma juíza fazerem isso. Bravissimos (atenção, revisora, sem acento porque em italiano, capisce? Tirei o chapéu para eles. Ficaram de parabéns.

No mais, deixem os intérpretes parciais da lei (os advogados) perguntarem segundo a sua objetividade peculiar. Não querem burlar a lei nem a verdade, só comprovar sua tese. A verdade objetiva não será ferida, tenho certeza disso, porque afinal, é mesmo uma quimera, disse-o Marco Aurélio.

Em seguida, aconteceu o contrário, após o juiz ditar à jovem escrevente o testemunho, a advogada disse ao juiz: "Excia, não foi isso que ele disse". A tensão elevou-se novamente. O juiz reformulou. Nova intervenção: "Não foi isso que ele disse". Alguma calma foi perdida neste momento.

Superado mais este momento, mais adiante, a autora queixa-se à advogada: "ele (o réu) está me encarando." Aqui no norte, no dicionário catrumano encarar significa olhar desafiadoramente, despudoradamente, sem parar, peitar. A advogada pediu ao juiz presidente da audiência para intervir. Será que é melhor que eles saiam? perguntou o juiz. Sei não, disse a advogada. Pode ser pior. Fiquem, o réu sente-se virado para o juiz. Pronto.

Em fevereiro haverá mais testemunhas, esperamos que até lá atinjamos a objetividade almejada pelos magistrados. Ou não.

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