sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Oi pagará multa de 7 milhões por propaganda enganosa



A multa foi imposta por decisão administrativa da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Contagem. A Oi ajuizou ação pedindo a anulação da penalidade. O Estado de Minas Gerais, por meio da Advocacia-Geral, contestou o pedido e defendeu a manutenção da multa determinada pelo MP de Minas Gerais.

A 7ª Vara da Fazenda Estadual condenou a Telemar Norte Leste S.A. (Oi) a pagar multa no valor de R$7.259.609,43, devido à veiculação de propaganda enganosa, o que, segundo a sentença, violou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O valor recolhido será destinado ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor e aplicado em ações de defesa dos consumidores em Minas Gerais.

Publicidade enganosa 

A empresa de telefonia foi multada pela deficiência de informação na publicidade e em contratos do plano Oi conta total 1, que garantia, em sua propaganda, acesso à internet para seus usuários de forma ilimitada. Segundo apurou a promotoria de Justiça, o comunicado de que o benefício do plano era apenas para quem utilizasse provedores previamente cadastrados somente constava em rodapé de página, escrito com letras minúsculas, o que induziu milhares de consumidores ao erro.

Segundo o Procon-MG a prática é responsável por milhares de ações judiciais em Minas, a ponto de o Poder Judiciário estadual haver criado um juizado específico somente para esse tipo de reclamação na capital.
(Fonte: Estado de Minas, 29/11/201).

Comentário do Blog: vamos corrigir o nome dos bois. Diz a matéria que a prática da propaganda enganosa citada é causadora de milhares de ações judicias a ponto do judiciário mineiro criar um juizado cível especial para atender as vítimas, digo, os consumidores. 

Um braço do Estado não fiscaliza direito as operadoras de telefonia, que fazem e acontecem (fazem cair a ligação para faturar mais, inclusive). Para resolver o problema alastrado outro braço do Estado cria um juizado só para a telefonia. 

E funciona onde foi um dia a graduação da Faculdade de Direito da UFMG, no prédio da avenida Álvares Cabral. Dá desgosto ver, um monte de cochinhos (quem trabalhou em grandes escritórios sabe o que é; um móvel em mdf, papelão prensado com lâmina de fórmica, para acomodar em espaço mínimo um monte de gente), em cubículos, são as salas de conciliação. A visão de cima da escada impressiona. 

A justiça de massa, monte de consumidores, montes de advogados, montes de conciliadores. E vamos conciliar! Uma justiça só para a telefonia brasileira. Impressionante.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Fux canta e toca na posse de Joaquim


No dia 22/11/2012 tomou posse na presidência do STF, o ministro Joaquim Barbosa. Àqueles que como nós, não compareceram à posse, fica o registro oficial dos canais televisivos. Para assistir trechos da posse, clique abaixo.




A festa e o show




Sim, o ministro Luiz Fux tocou e cantou na festa de posse do amigo Joaquim Barbosa, a convite e declarou, citando o discurso do amigo: "os juízes são homens simples, do povo." 

Também nós e toda a renca de pós-positivistas (veja o que algumas aulas de pós-graduação podem fazer com uma pessoa) concordamos com o ministro.

Vamos divulgar aos quatro ventos a nova visão de juiz professada lá dos píncaros do planalto central em noite de gala.

O fenômeno

Quanto à parte sociológica, até o fechamento desta edição não havia consenso, nestes casos, como sempre, prevalece o entendimento da chefe, e ai de quem ousar reclamar. Assim, anotamos um fenômeno que vem se repetindo, aqui e ali, magistrados que tocam e dão show. Na Comarca de Montes Claros recentemente, neste mês de novembro, ocorreu um show de magistrado, com reclame no jornal. Creio que na foto havia também uma guitarra. Lado outro, o desembargador Antônio Álvares lavra com orgulho uma viola.

Há notícias que a participação musical do ministro foi antecedida por reflexões compartilhadas entre os pares. Fica bem? Pelo visto decidiram o empossado e o cantante que tudo bem, no problem. E você, preclaro leitor deste Blog, o que pensa como jurisdicionado?

São demais os perigos dessa vida


Recebemos hoje telefonema de leitor, exasperado quase pela ausência daquelas mensagens com as quais amolo diuturnamente os mais chegados. O que houve? - quis logo saber. Mas foram apenas três dias, disfarço. Digo ou não a verdade verdadeira ao nosso ardoroso leitor? É que, infelizmente, ainda não desenvolvemos o dom da ubiquidade. Como dizem na minha terra: “não chega pra quem quer”. Assim, temos que nos economizar, “tô me guardando pra quando o Carnaval chegar” (Chico, sempre, Buarque). 

Enquanto descansamos carregamos pedras, de fato não houve descanso após a campanha e a eleição, o que foi realmente uma pena. Sem o necessário descanso já partimos para campear correspondente em Sete Lagoas, finalizar petição, juntar documentos e cumprir alguns prazos quase estourando. Viagens e campanhas são terríveis em matéria de desestruturar sua rotina. Se é que você, advogado, tenha alguma, aliás, aquela mínima rotina de profissional liberal. O imponderável sempre bate à porta.

Digo ao querido leitor que redigi sobre o pós-positivismo até às duas da manhã na véspera da eleição? Digo não, pode ficar com peninha “di mim” (contratura altamente sofisticada percebida nos Gerais), aprendam, caros leitores, nada de rir ou debochar dos catrumanos. Dizem os franceses que as contraturas na linguagem indicam alto grau de civilização.

E a posse do Joaquim, não vai falar? Claro que vamos. E os “finalmente” das penas do mensalão? Oportunamente, preclaro leitor.

Respingos da eleição ou the day after

São demais os perigos dessa vida (Vinícius de Moraes), ou “quem tá na chuva é pra se molhar”. Se esse Blog não fosse chique demais poderíamos confidenciar aos distintos leitores os pormenores de fato advindo da nossa, digamos, atuação na boca de urna. Fato que desperta altas reflexões sociológicas sobre a situação da mulher na política, na advocacia, em público, enfim, everywhere.

Nada é perdido, digo sempre, tudo se aproveita e se aprende. O fato: leitor mais afoito confundiu-se no cipoal de suas emoções e tascou comentário de corar os mais pudicos em plena página de artigos jurídicos, logo após o “Requiem aos embargos infringentes”. Perguntamos imediatamente à nossa editora em chefe: pode um negócio desses?

Resposta do Blog: Devagar com o andor. Não pode, viu? Vamos conter esses arroubos, este não é o locus pra isso. Via imprópria, excesso de meios, tá indeferido. Exclui, exclui. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Rituais de campanha, a boca de urna

Dia de eleição. Êba! O corpo a corpo


Vamos ao encontro do eleitorado com toda a animação. Quando digo que advogado adora política não falto com a verdade. Vejam a disposição dos decanos, de bengalas, amparados, mas firmes na disposição de participar do pleito. Encontrei dois revoltosos nesse mar de gente, que esbravejavam contra a eleição, contra a situação e contra a oposição, decerto são anarquistas. “Não compactuo com essa farsa”, disparou Dr. Helvécio brandindo a elegante bengala e amparado pelo filho. Disse outro bastante irado: “não voto em nenhum dos dois”, “quero só saber quanta dinheirama cada um gastou”, etc.

O choro é livre, vamos respeitar a opinião dos colegas, mas o voto é obrigatório. Isso sim, voto obrigatório, é um verdadeiro absurdo, que deveria ser abolido da eleição da entidade e do Brasil. Sem dúvida iria determinar o desaparecimento conjunto das mocinhas de umbigo de fora rebolando ao lado de banners da situação e do apitaço ensurdecedor promovido pelas colegas das mocinhas. Tais manifestações popularescas depõem contra a classe. Nossa enviada anotou: marketing old fashioned, populista e machista, em suma: bastante jeca.

Não é segredo que nossa editora estava em campanha, assim desdobrou-se na boca de urna e na reportagem do evento. Indicada pelo candidato da oposição para a direção do DAAC – Departamento de Assistência ao Advogado da Capital, prontamente adicionou o fato ao seu speech (discurso) rápido com os colegas a caminho da urna e às palavras de ordem proclamadas no maior entusiasmo. Que aqui ninguém brinca em serviço.

Caríssimos eleitores, digo, leitores deste Blog, eleição é bom demais! Divertimos à grande enquanto capitaneávamos o voto dos indecisos. E aquela emulação cordial com os colegas opositores? Foi um sábado ótimo. Precisamos repetir logo.

A essas horas nossos informadíssimos leitores já saberão que não perderão a editora para o DAAC da capital. Superado o resultado e o day-after, (que ninguém é de ferro e temos já muitos janeiros nos delicados mas valentes ombros), continuamos a caminhada certos que the best is yet to come (o melhor está por vir) e logo, logo, vem outra eleição. Paciência. Nada melhor que um dia depois do outro.

Confiram o esforço de reportagem: encontro com queridos mestres; a advogada mais elegante que subiu o corredor polonês de abraços e santinhos; o advogado mais idoso que veio votar; a batucada ótima (parabéns, Dr. José Roberto, uma revelação na percussão); pena que não filmamos o embate de sempre: a funcionária da Comissão de Eleição mandando parar com o batuque e famoso e aguerrido advogado teimando: “Toca, vamos tocar!” Sinceridade? É animado demais!
Registre-se que deixaram tocar jingle sambado (leia-se em ritmo de samba) da situação em carro de som. Não vimos a Comissão reclamar deste fato. Teve também: confraternização de colegas em lados opostos. Fazer o que, não é mesmo? Gosto não se discute, ainda mais em política. Teve o tipo folclórico, o mascote, o filho de militante fantasiado de super-herói. As advogadas capricharam na beca e no make-up (maquiagem para os neófitos), para encantar os mesários e fiscais. E conseguiram. 

Um pouco de sociologia: constatei as pontas da pirâmide social: advogado que tem helicóptero; outro que tem escritório em quatro estados da federação; advogado que mal paga as contas; outro que mal paga a anuidade da OAB. Continua caríssima, hein?

O negócio é o seguinte: essa história de imprensa imparcial já caiu por terra há muito. Como está tudo às claras  nestes tempos de pós-positivismo, vamos dar aquela flexibilizada e conferir a visão particular da nossa enviada ao evento, in loco, satisfeita e a cores. Confiram:

Valladão, candidato da oposição

Marcos Afonso, ex-presidente da OABMG
Professor Marcos Afonso de Souza

Aquele abraço


Aristoteles Atheniense, o mais animado militante

O cabo eleitoral mais atento no Face, Hércules Guerra, contemporâneo da vetusta Casa de Afonso Pena

O Mascote
Gustavo Wikrota

O famoso Augusto Bala-Doce

O style de Juliana Gontijo
A coluna social compareceu, Mário Fontana

Luciana Atheniense, almoço de militância 
Culpa do fotógrafo, gentil mas amador

Dr. Edinho Gouthier, eu te perdôo
A elegante advogada mineira
Coragem na tribuna, Dr. João Baptista de Oliveira Sobrinho



Chegou o Vice-Prefeito, Délio Malheiros
Professora Elena

Filho de militante a caráter para ajudar o pai

O mais arrojado
O notável Professor Arthur Diniz
Maria Mazzarelo, Comissão de Eleição, Dr. Jorge Lasmar, Flávia Lasmar









Olha o Zé Roberto, aí, gente!

   

A militância deixa o palco da eleição

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Rituais de campanha, a confraternização

Esquentando os tamborins e renovando a chama, hora de confraternizar e manter os laços estreitos. A turma está animada. A seguir o who's who da campanha, mas sem nomes, por favor. Nunca vi tantos advogados que não conheço, é impressionante como tem advogado nesta cidade! Antes que comecemos a refletir se há trabalho para essa gente toda, vamos conferir as faces risonhas dos bravos que depois de mourejar e fazer passeata foram confraternizar até altas horas. São animados ou não? Segue a nossa reportagem fotográfica.




Rituais de campanha eleitoral, a passeata

O inconsciente coletivo dos advogados foi acionado hoje, embora muitos nem saibam do que se trata. Jung não é figurinha carimbada no fórum.
"O inconsciente coletivo é um conceito básico da teoria desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. A teoria estabelece que existe uma linguagem comum aos seres humanos de todos os tempos e lugares do mundo, constituído por símbolos primitivos com os quais se expressa um conteúdo da psique que está além da razão." Lo inconsciente colectivo es un concepto básico de la teoría desarrollada por el psiquiatra suizo Carl Gustav Jung. La teoría de Jung establece que existe unlenguaje común a los seres humanos de todos los tiempos y lugares del mundo, constituido por símbolos primitivos con los que se expresa un contenido de lapsique que está más allá de la razón. (Wikipedia)
 Vejam que beleza esse trecho do fabuloso suíço:
"A vida tem se mostrado para mim sempre como uma planta que vive da sua raiz. Sua vida própria não é perceptível, se esconde na raiz. O que é visível sobre a terra dura só um verão. Logo murcha. É um fenômeno efêmero. Se se medita sobre o infinito vir a ser e o perecer da vida e das culturas se tem a impressão que nada é absoluto; mas não perdi nunca o sentimento de algo que vive e permanece abaixo do eterno mudar. O que se vê é a flor e esta morre. A raiz permanece." C.G. Jung. Sonhos, memórias e reflexões. La vida se me ha aparecido siempre como una planta que vive de su rizoma. Su vida propia no es perceptible, se esconde en el rizoma. Lo que es visible sobre la tierra dura sólo un verano. Luego se marchita. Es un fenómeno efímero. Si se medita el infinito devenir y perecer de la vida y de las culturas se recibe la impresión de la nada absoluta; pero yo no he perdido nunca el sentimiento de algo que vive y permanece bajo el eterno cambio. Lo que se ve es la flor, y ésta perece. El rizoma permanece. C. G. Jung. Recuerdos sueños, pensamientos.1
Olhem, essa caminhada deve ser coisa muito antiga, devia já acontecer quando o fórum era num prédio no centro da cidade, devia acontecer um Vila Rica, em Lisboa. Deve mesmo remontar a Santo Ivo. E antes dele, no fórum romano.

Hoje, no Fórum Lafayette em Belo Horizonte, houve a ritual procissão de advogados pelos três andares do fórum. Fenômeno interessante este. Será que médicos fazem o mesmo em andares de hospitais quando há eleição no CRM? Informações para este Blog, por favor. Podemos estar no começo de uma tese de filosofia do direito. Ou contabilistas, engenheiros, professores nos seus respectivos quadrados?

No caminho tenta-se a conversão dos incréus e indecisos. E aplica-se um botton (adesivo circular) no peito dos mais cordatos e dos convertidos. Hora de ouvir os insatisfeitos. Sem dúvida, é o momento da classe olhando para si mesma. Hora de diagnóstico e definição de rumos. Momento propício para um novo olhar sobre o advogado e sua entidade de classe, que, além de agrupar os advogados tem função fundamental na democracia brasileira. Não é pouca coisa. Como já passaram os anos de chumbo, a Ordem dos Advogados pode, merece e precisa de um check-up.

A seguir fotos da procissão, digo da caminhada ritualística pelos corredores do fórum, que começa no saguão principal, segue pelas varas de família, contorna o quadrado que é o edifício do fórum, passa pela Sala dos Advogados, volta ao saguão e começa a subir os andares. De volta ao saguão, às escadarias, foto do grupo, já bastante animado, palmas. A foto também pode anteceder a caminhada. Depende do animador da passeata, geralmente um advogado(a) mais saidinho que vai , dando ordens à turma. Terminada, cada um para seu canto, fila do protocolo, fila do banco para pagar guia, (os menos bafejados pela fortuna, os mais bafejados têm estagiários para tal), cartórios, audiências, escritório, a lanchonete mais próxima, etc. 

Soube hoje de advogado muito chique que não vai ao fórum, só assina cheques e contratos no ar condicionado, ele próprio me disse isso muito satisfeito. Mas estava também na passeata. Daí vocês vejam a importância do ritual, até quem não gasta a sola do sapato naqueles corredores comparece. É um evento digno de nota, e diga-se de passagem, super animado. Confiram e não percam a próxima.








quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Fala o criminalista


O Blog tem reiteradas vezes estranhado as posições adotadas por criminalistas na defesa de seus midiáticos clientes, bem como recentes discursos ministeriais inflamados. Às vezes, o Blog torna-se um espaço democrático, é o caso de hoje. Assim, antes de descer a lenha, abrimos espaço para pensamentos divergentes. Isso aqui é ou não é uma democracia? Aproveitem, porque isso não acontece todo dia. Com a palavra, um advogado criminalista.


Leonardo Isaac Yarochewsky, doutor em Ciências Penais pela UFMG; professor de Direito Penal da PUC-Minas, advogado criminalista.



Monstruosa opção


Leonardo Isaac Yarochewsky


“Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonham os nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, só o ex-condenado tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de condenados". 1

Sem dúvida, a privação da liberdade é a consequência mais visível da pena de prisão. Contudo, outros sofrimentos, algumas vezes obscuros, infligem ao preso um sofrimento até maior. A falta de privacidade, privação de ar, de sol, de luz, de espaço em celas superlotadas2, os castigos físicos (torturas), a falta de higiene, alimentação nem sempre saudável, doenças inimagináveis3, violência e atentados sexuais cometidos ora pelo próprio companheiro de infortúnio, ora pelos próprios carcereiros ou agentes penitenciários, a humilhação imposta, inclusive aos familiares dos presos, o uso de drogas como meio de “fuga” etc4.

Ao chegar a uma das penitenciárias do Estado, geralmente de grande porte e superlotadas, o condenado perde, além da liberdade, o seu nome que é substituído por um número de matrícula, muitas vezes perde sua roupa e recebe um uniforme, quando não perdem todos os seus pertences pessoais para outros presos ou até mesmo para os guardas do presídio, enfim, perde o condenado à prisão toda a sua identidade, sua honra, sua moral...

É uma ingenuidade, uma ilusão acreditar que aquele que sobreviveu, porque muitos morrem na própria prisão, a tudo isso, estará “ressocializado” podendo ser “reintegrado” a sociedade. Aquele que cumpriu pena privativa de liberdade estará fadado à marginalidade, estará estigmatizado pelos anos que lhe resta de vida.5

Quanto mais duradoura for à pena privativa de liberdade maior serão suas contradições e mais distante estará o preso de uma adaptação à vida fora da prisão6. Por mais incrível que possa parecer, aquele que ficou preso durante anos acaba se incorporando a “sociedade prisional”, isto porque dentro das prisões existem outros costumes, outra linguagem, outros “códigos”, outras “leis” passam a vigorar, as quais são impostas pelo perverso sistema penitenciário. Aquele que ousar afrontar as normas estabelecidas pelo sistema certamente será punido, muitas das vezes, com a pena capital.7

Com o decorrer dos anos ocorre o fenômeno da “prisionização”8, ou seja, à assimilação dos padrões vigorantes na penitenciária, estabelecidos, precipuamente, pelos internos mais endurecidos, mais persistentes e menos propenso a melhoras. Adaptar-se à cadeia, destarte, significa, em regra, adquirir as qualificações e atitudes do criminoso habitual. Na prisão, pois, o interno mais desenvolverá a tendência criminosa que trouxe de fora do que anulará ou suavizará.9

Na prisão, ao contrário do que alguns insistem em afirmar, “os homens são despersonalizados e dessocializados”.10

Referindo-se ao processo de prisionização Petry Veronese11 afirma que:

O aprisionamento, ao invés de possibilitar o retorno deste indivíduo, praticamente torna esse objetivo inviável, sobretudo se considerarmos que as instituições de custódia acabam por ser as efetivadoras do fenômeno da prisionização, ou seja, desencadeiam um processo de aculturação, o qual consiste na assimilação pelo detento dos valores e métodos criminais dos demais reclusos...

Na maioria das vezes, quando afirmamos que “o preso está apto para o convívio social” ou que “o preso está regenerado” estamos ocultando o que de fato ocorreu com aqueles que passaram alguns anos encarcerados. Na verdade o que ocorre é uma pseudo “regeneração”, pois aquele homem ou mulher que passou por uma prisão já não é mais aquele homem ou aquela mulher.12 O “regenerado”, o “reintegrado”, o “reeducado”, o “reabilitado” e o “apto” para o convívio social, foram na realidade “domesticados” pelo sistema penal.

Reportando-se aos “recursos para o bom adestramento” Foucault afirma que:

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. (...) A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício...13

Para tentarmos entender o que ocorre no cárcere é necessário ouvir o que tem a dizer aqueles que tiveram o infortúnio de padecer por esta que, sem dúvida, é uma das mais terríveis experiências pela qual pode um ser humano passar em sua vida. Neste sentido, preciosas são as palavras de Dostoievski14 em sua obra autobiográfica “Recordação da Casa dos Mortos”, onde o escritor russo descreve o período de 4 anos em que esteve preso em um presídio na Sibéria, quando diz que:

Já disse que durante os meus anos de presídio jamais constatei entre os meus companheiros o menor remorso, o menor rebate de consciência; no seu foro íntimo, a maioria deles considerava que agiria bem. Isso é um fato. Evidentemente, a vaidade, os maus exemplos, as bravatas, o respeito humano, devem, nesse caso, ser levados em consideração. Mas, por outro lado, quem se pode gabar de haver sondado essas almas decaídas, de ter descoberto no seu mistério o que fica escondido ao universo inteiro? De qualquer forma, porém, no decorrer de tantos anos, eu deveria ter surpreendido em alguns daqueles corações um indicio qualquer de sofrimento, de desespero. E, positivamente, nada descobri. É claro que não se devem fazer julgamentos de acordo com ideias preconcebidas e decerto a filosofia do crime é mais completa do que se imagina. O presídio, os trabalhos forçados, não melhoram o criminoso; apenas o castigam, e garantem a sociedade contra os atentados que ele ainda poderia cometer. O presídio, os trabalhos forçados, desenvolvem no criminoso apenas o ódio, a sede dos prazeres proibidos, e uma terrível indiferença espiritual. Por outro lado, estou convencido de que o famoso sistema celular consegue atingir apenas um resultado enganador aparente. Suga a seiva vital do individuo, enerva-lhe a alma, enfraquece-o, assusta-o, e depois nos apresenta como um modelo de regeneração, de arrependimento, o que é apenas uma múmia ressequida e meio louca.

Diante deste sistema penal perverso, degradante, desumano, torpe e cruel, soma-se a hipocrisia do Estado em ocultar os verdadeiros fins da pena, é necessário buscarmos alternativas que, embora longe de solucionar os problemas, possam, ao menos, amenizá-los. Mas, para isso, urge que admitamos o fracasso da pena de prisão15 e a falácia do atual sistema. É preciso reconhecer que este sistema tem produzido mais criminoso além de se constituir, nunca é demais dizer, um verdadeiro incremento da reincidência.

Assim como hoje se reconhece as atrocidades das penas medievais, tais como: morte na roda, na guilhotina, no fogo, verdadeiro suplício do corpo e da alma, no futuro será constato a crueldade das penas privativas de liberdade que serão estudadas como parte de uma história sombria e degradante.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Plano de saúde pagará mais de 55 mil por danos


A Unimed Belo Horizonte deverá pagar a um casal mais de R$ 55 mil por danos materiais e morais por ter negado atendimento de urgência a um dos cônjuges, sob a alegação de que o usuário do plano de saúde estava fora da área de cobertura e não se tratava de emergência. A decisão, por unanimidade, é da 12ª Câmara Cível do TJMG, que confirmou sentença proferida pela comarca de Belo Horizonte. O aposentado M.A.D.S. foi diagnosticado com linfoma e precisava realizar exames, em caráter de urgência, mas os procedimentos não estavam disponíveis em hospitais da rede credenciada Unimed-BH, plano de saúde do qual era usuário. M., então, submeteu-se aos exames em hospitais na cidade de São Paulo. Ao pedir ao plano de saúde o reembolso dos valores pagos pelos procedimentos, teve o pedido negado, por isso ele e a esposa decidiram entrar na Justiça contra a Unimed-BH. Em Primeira Instância, o plano de saúde foi condenado a reembolsar ao casal a quantia de R$ 35.590.14, pelos gastos médicos, além de R$ 10 mil a cada um, por danos morais, mas decidiu recorrer. Alegou que agiu no exercício regular de seu direito, por não estarem os procedimentos requeridos pelo paciente incluídos no rol dos listados pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Ressaltou, ainda, o fato de o usuário do plano ter feito tratamento em hospitais não credenciados à rede Unimed-BH. O plano de saúde afirmou, ainda, que o casal, ao se conveniar à cooperativa, optou por restringir o atendimento, o tratamento e os médicos à rede credenciada da Unimed-BH e que não ficou provado que os procedimentos eram de urgência. Pediu que, caso condenado a arcar com os danos materiais, eles fossem fixados conforme a tabela praticada pela Unimed-BH junto a seus prestadores. Quanto aos danos morais, alegou que agiu de maneira lícita, por isso não teria o dever de indenizar o casal. (Processo: 1.0024.09.737073-8/001)

Namorados, acautelai-vos



"O trem tá feio e evém por aí" .

É só o que posso dizer depois da sessão de julgamento hoje no TJMG. Já adivinharam que levei tinta. É a história da zona gris (cinza) cada vez mais gris entre namoro e união estável. Cuidado, é só o que posso dizer, as nuances se confundem e depois o judiciário poderá dar a César o que não é de César. Fica sendo, ok?

At last but not the least (o último, mas não menos importante), veio o voto do revisor que havia pedido vista e mantido a vista por duas sessões.

Sinceridade? Aquilo, sim, é que voto. Os demais que me perdoem, ou não. Ando cismada. O fato é que entendeu que o imóvel foi adquirido com esforço próprio e exclusivo da namorada e os demais julgadores entenderam que o convivente tem direito à metade do bem adquirido com a rescisão do contrato de trabalho quando da aposentadoria da idosa namorada.

É namoro ou amizade? Vamos perguntar para os universitários. Ninguém sabe mais.

Conto o milagre, mas não conto o santo. Para mim é uma tranqüilidade ter esse determinado desembargador numa turma julgadora de processo de cliente meu. Quando o entendimento dele é contrário, respeito. Esse respeito e confiança repousam (vejam que chique), na capacidade demonstrada reiteradas vezes de julgar bem um processo. O cuidado, a olhos vistos, com o qual analisa o processo. Sim, ele lê o processo. Analisa as provas com cuidado. Uau! E os votos são bem fundamentados. Pronto, nada mais é preciso para um bom julgador. Um vero juiz. Um alívio para os advogados e partes.

Dirão os mais otimistas: ótimo, agora cabem embargos infringentes. Por pouco tempo. Aproveitem, porque o salvador recurso vai acabar com a chegada do novo Código de Processo Civil.

Aos descrentes: sustentação oral, eu faço, um dia você vai precisar dela.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

As fraldas e os governos devem ser trocados com freqüência. E pelas mesmas razões


Eça de Queirós
O impagável Eça está invocado na reta final da campanha. A frase é dele e foi lembrada, (crédito dado) por emérito leitor deste Blog e convém ser repetida. Oxigene-se, então, o poder. Para quem ainda não sabe estamos em campanha para as secionais da OAB. Aí, já viu. Advogado costuma adorar política.

Leitora muito chique deste Blog, (chique em último grau, está visto), que habita o Planalto Central e circula pela Esplanada dos Ministérios, não, não é a Dilma, ainda. Pois, a nossa leitora conta que diverte-se à grande com este modesto Blog. Chega a rir mas informa que seus colegas de trabalho não entendem lhufas do que se escreve aqui. E, além de nada entender, não acham graça. Este fato despertou o interesse da nossa diretora de marketing, sempre pronta a intervir e cooptar novos adeptos, digo, leitores,  especialmente no Planalto Central.

Pensou-se na criação do Manual de Redação do Blog, (se até a Folha de SP tem, por que não podemos?), para simplificar bastante o uso da língua pátria e achatar, digo, amenizar os assuntos. Para que falar tanto do STF, do novo direito civil, do trabalho danado que dá a advocacia, da crise disso e daquilo? Ponderava a nossa vibrante diretora de marketing. Foi voz vencida. Preferiu-se permanecer com o seleto e distinto público que nos honra.

Poucos e bons. Nem tão pouco assim, dizem as estatísticas do Blogger, se é que o Grande Irmão não está tentando nos iludir. OK, vai o serviço: livro, 1984, do escritor George Orwell narra que no futuro (já chegou) não haverá vida privada, todos serão observados por câmeras todo o tempo. Temos a tese que o grande irmão é esse rapaz que inventou o Facebook e que só usa camisa de malha cinza.

Começamos e terminamos com um escritor. Não há dúvida que são visionários. Ouvi dizer que é a arte que muda o mundo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

DESMITIFICANDO AS RELAÇÕES DE FAMÍLIA NO NOVO DIREITO CIVIL - ARTIGO




Lucas Abreu Barroso é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás; autor/coordenador de diversos livros e revistas na área jurídica, de artigos jurídicos publicados em revistas nacionais e estrangeiras; professor universitário, de pós-graduação lato sensu e em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas.


DESMITIFICANDO AS RELAÇÕES DE FAMÍLIA NO NOVO DIREITO CIVIL[1]


Lucas Abreu Barroso

1 O livro e o homenageado
Esta publicação é um protesto de respeito, mais que merecido, ao brilhante, dedicado e amigo professor Paulo Luiz Netto Lôbo. O homenageado constitui-se, sem dúvida, em uma reserva moral do direito brasileiro. Não apenas pelo conteúdo de suas lições da civilística, mas, também, por suas ações e condutas na vida prática das relações institucionais e judiciais.
Contudo, no instante mesmo em que nos sentimos imensamente honrados pelo convite recebido para integrar o corpo de autores deste livro, sobreveio a proporcional responsabilidade pela escolha do tema e o enfoque a ser dado em sua abordagem. Resolvemos, então, comentar os fundamentos teóricos de um caso concreto paradigmático, na perspectiva do novo direito civil.
O decisum escolhido para tanto, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (vide Anexo), versa sobre a necessidade de se invalidar uma adoção constituída muitos anos atrás. Isso porque, a ocorrência de um importante fato superveniente passou a reclamar pela integral observância de princípios constitucionais e legais inarredáveis, especialmente, a dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança e do adolescente, a solidariedade familiar, a afetividade e a função social da família.

2 A interpretação jurídica e as leis civis
O sistema jurídico não é pronto e acabado. Quantas injustiças ocorreriam, se o fosse. Enquadrar as incontáveis possibilidades econômico-sociais em normas preestabelecidas é querer recortar o indivíduo do tamanho do direito, sendo preferível flexibilizar o direito de acordo com a atuação humana no contexto da comunidade política. Esse o sentido do direito hoje.
Marçal nos sugere repensar os conteúdos conceituais do direito a partir de uma nova discursividade racional, afastada daquela de natureza lógico-formal. Por isso mesmo, para além dos elementos considerados jurídicos, propõe ao jurista o relevante papel de compreender todos aqueles demais elementos que integram a realidade sobre a qual o direito atuará.[2]
Com efeito, o pluralismo metodológico nos constrange a conjugar as diversas dimensões normativas. Cabe-nos ultrapassar a validade (dimensão jurídica), perpassando pela eficácia (dimensão sociológica) e atingindo a legitimidade (dimensão filosófica).[3] Daí a idéia de sistema aberto, móvel, porque inconcluso, capaz de absorver as demandas concretas da realidade pública e privada.[4]
Talvez seja chegado o momento de se questionar a própria utilidade da noção de sistema na ciência do direito. De toda forma, almeja-se por enquanto ao menos por uma novel metodologia de realização do direito, tendo em vista a crise que o modelo vigente enfrenta diante dos problemas da sociedade contemporânea, tempos de incerteza e insegurança para as relações jurídicas.[5]
O processo de interpretação jurídica superou o clássico paradigma da aplicação, centrado na norma, no sistema e na subsunção, em proveito do paradigma judicativo-decisório, envolvendo o caso, os princípios e a razão prática.[6] A articulação das razões conceitual e prática reclama por habilidade no uso inferencial de cada conceito, o que sugere conhecer (capacidade de distinguir) suas implicações, fundamentos e invalidades.[7]
Para Castanheira Neves experimentamos uma radical transição metodológica entre a interpretação da lei e a realização do direito, porquanto a realização do direito não se identifica e não se esgota na interpretação da lei, também não sendo de se perceber a realização do direito em função da interpretação da lei, o que significa dizer que a definição de interpretação jurídica igualmente se altera da interpretação da lei para a interpretação do direito.[8]
Amaral preleciona que o paradigma da construção jurisprudencial, ou judicativo-decisório, não apenas demonstra a passagem do normativismo ao jurisprudencialismo no direito brasileiro, como principalmente ressalta a influência da interpretação nos meandros do pensamento jurídico na pós-modernidade, agora tida como uma operação intelectual única e integral, visando à concreta solução do problema.[9]
Foi em busca de cuidar dos reclamos e necessidades reprimidos no bojo das codificações civis que o século XX assistiu ao fenômeno da descodificação, tendência que parece reverter-se nos últimos tempos, com o surgimento de novos códigos em diversas regiões geográficas. Díez-Picazo, em eminente artigo sobre o tema, afirma haver indícios da sobrevivência da codificação enquanto técnica jurídica, com o que concordamos.[10]
O código civil seria, portanto, um repositório dos princípios e regras que exprimem os valores fundamentais destinados a legitimar a ordem jurídica privada.[11] Porém, sem esgotar a matéria, que está esparsa na legislação especial que se situa fora dos limites da codificação civil, consubstanciando uma especialização científica, o que pressupõe fissuras no seu corpo unitário, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente.[12]
A “era dos estatutos” desafia o civilista por suas peculiaridades técnicas.[13] Os denominados microssistemas jurídicos, nos quais o intérprete pode descobrir uma lógica autônoma, estão estruturados sobre princípios informadores próprios.[14] Enfim, recodificar significa tão somente conservar para o código a função de preparar um núcleo de princípios e de categorias regulatórias.[15]
Certamente imbricado com a normatividade constitucional, haja vista a unidade hermenêutica que nesta época constituem, refletindo no processo de constitucionalização do direito civil, isto é, na interpretação da legislação civil conforme a constituição. Muito perto, mas que com ele não se confunde, se situa o fenômeno da publicização, nada mais que a redução da autonomia privada pela intervenção estatal, coadunando com os propósitos do pós-positivismo jurídico.[16]
Daí a razão porque não assentimos à concepção napoleônica, repetida por Reale, da codificação civil enquanto “a constituição do homem comum”.[17] Por conseguinte, podendo esta ser entendida como a lei básica, mas não global, do novo direito civil brasileiro.[18] Um fato, porém, é de indiscutível constatação e relevância: o produto da inter-relação entre a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 é a pessoa humana (como valor) e sua dignidade (como princípio).[19]

3 Em busca da normatividade (“a norma da norma”) do caso concreto
A Constituição de 1988, no art. 1º, inciso III, ao consagrar a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental, estruturante do Estado Democrático de Direito que instituiu, preceitua uma cláusula geral de tutela e promoção da personalidade.[20] Tepedino ensina que tal norma, além de estabelecer parâmetros para o legislador ordinário e para a atuação dos poderes públicos, também condiciona a atividade privada.[21]
Isso significa dizer que todas as relações jurídicas de direito civil devem estar adequadas à moldura constitucional da dignidade da pessoa humana, porquanto incidente sobre todas as situações subjetivas, previstas ou não no ordenamento jurídico, que tenham a personalidade como ponto referencial objetivo, em outros termos, a pessoa humana como sujeito e objeto de relações extrapatrimoniais.[22]
Não poderia ser diferente com o direito de família. Entre seus muitos princípios, correntes na doutrina civil atualizada, destacam-se, para o caso em análise, a dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança e do adolescente, a solidariedade familiar, a afetividade e a função social da família.[23] Cabe aqui perfilar, ainda que de passagem, cada um deles.
A dignidade da pessoa humana tem como corolário imediato no direito civil a sua personalização, isto é, a pessoa humana como valor maior deste ramo jurídico, em detrimento do patrimônio. Na esfera da família isso conduz ao papel instrumental que esta tem a realizar na consecução do livre e pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros, em especial no que concerne aos filhos.[24]
O melhor interesse da criança e do adolescente vem previsto no caput do art. 227 da Constituição, em que consta o dever da família de assegurar-lhes os direitos ali previstos. Posteriormente regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), tal princípio aparece com especial destaque no art. 4º, cujo parágrafo único explicita a compreensão da absoluta prioridade conferida aos direitos de crianças e adolescentes.[25]
A solidariedade familiar é uma projeção do objetivo fundamental de solidariedade social (art. 3º, I, da Constituição) para as relações de família, revelando-se constitucionalmente por meio da proteção à família (art. 226), à criança e ao adolescente (art. 227) e ao idoso (art. 230), o que impõe um convívio pautado no afeto e responsabilidade (no plano fático), bem como pela definição de novos direitos e deveres (no plano jurídico), para a entidade familiar e seus membros.[26]
A afetividade enquanto princípio jurídico decorre da conversão do afeto no principal alicerce das relações de família, pois a denominada família-função somente consegue justificar a permanência da entidade familiar se nele apoiada.[27] Este princípio logrou primazia sobre os aspectos de caráter patrimonial e biológico que envolviam o modelo anterior de família, redefinindo os contornos de diversos dos seus institutos jurídicos, como a paternidade, a adoção etc.[28]
A função social da família responde ao processo de funcionalização dos institutos jurídicos de direito privado, podendo ser vislumbrada na previsão do caput do art. 226 da Constituição, ao proclamar a família como base da sociedade, importando compreender que esta representa atualmente um locus privilegiado de busca da realização pessoal e da felicidade de cada um de seus integrantes.[29]
O debate em torno da felicidade é um dos temas centrais do cotidiano social. O modo de vida da sociedade de hiperconsumo nos possibilita a acumulação de incontáveis signos de prazer. Porém, os gozos materiais não estão habilitados a prover a satisfação existencial da pessoa humana, que não cessa sua contagem de frustrações, carências e decepções, particularmente em sua vida afetiva e familiar.[30]
A fronteira da transmodernidade tem demonstrado que uma de suas características é a desreferencialização do sujeito. A humanidade perde suas crenças e ideologias, refletindo, no espaço social, na gradual destruição dos valores fundamentais que serviam de referenciais comunitários, como a família. Uma ética econômica surge para substituí-los, trazendo consigo novas situações sociais subjetivas, que constituem retrocessos diante das conquistas democráticas.[31]
A individualização confronta a cidadania, causando-lhe sérias deteriorações. O indivíduo é o maior inimigo do cidadão. Esta tendência possibilita uma liberdade sem precedentes, mas igualmente a tarefa de enfrentar suas conseqüências. Há uma inversão do público pelo privado, fazendo do compartilhamento de intimidades uma idéia de participação na comunidade (frágil, ansiosa e solitária).[32]
Toda a abordagem doutrinária acima elaborada aponta para uma necessária valorização da família como prius social. A família enquanto sinônimo de comunicação, consciência e objetivos comuns. Enfim, onde a pessoa humana possa adquirir segurança para a formação de sua própria identidade, não importando o seu modelo de relacionamento, desde que o vínculo estabelecido esteja fundado no afeto, na solidariedade e na troca desinteressada.[33]
Mas a família também é ambiente de direitos, um espaço para alocuções normativas, encerrando na perspectiva projetos e discursos a fórmula direito – família – sociedade. Sua posição constitucional dentro da ordem social deixa evidente o intuito do legislador de construção de uma vida decente, centrada na figura do sujeito-cidadão.[34] Não é outra a conclusão que se pode extrair da sujeição da família ao princípio da socialidade na codificação civil em vigor, visando a superação do individualismo em proveito dos interesses sociais.[35]
O acórdão em comento deixa transparecer toda a arquitetura jurídica do novo direito civil de família estruturado consoante os ditames do Estado Democrático de Direito, da mesma forma que relativamente ao tema da interpretação jurídica. Nessa esteira, o Código Civil de 2002 recepcionou um sistema jurídico aberto, condizente com a renovação metodológica do direito, firmado em uma complexa estrutura principiológica, inaugurada com a Constituição de 1988.[36]
Destarte, a interpretação jurídica está voltada para a efetiva resolução do caso decidendo, abandonando como seu objeto o modelo tradicional de aplicação do texto da norma jurídica para conferir absoluta preferência à normatividade que esta mesma norma denota e proporciona. A norma jurídica tanto pode expressar um texto (dimensão fenomenológica e cultural), quanto uma normatividade (dimensão intencional e jurídica), sendo certo que a interpretação jurídica não visa a sua enunciação, mas, sobretudo, “a norma da norma”, ou seja, o seu conteúdo normativo-jurídico ou especificamente jurídico.[37]

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