A relação entre o réu e a mulher de 76 anos durou sete anos e começou
com aulas de informática em casa
"Os autos deste processo retratam bem a realidade hodierna em nossa
sociedade, qual seja: quando um homem de 76 anos resolve se envolver com uma
moça 50 anos mais nova a sociedade 'reclama', mas não a acusa de estelionato.
(...) O homem aparece aos olhos de todos como o 'garanhão', o 'macho', o
'provedor', o 'coroa que pega a garotinha', mas todos se calam e respeitam o
homem idoso. (...) Já a mulher enfrenta o preconceito machista de uma sociedade
que não admite que ela possa, por livre escolha e espontânea vontade, se
relacionar com um homem mais jovem."
Essas foram as considerações iniciais utilizadas pelo desembargador
Paulo Rangel para absolver um
homem que se relacionou durante sete anos com mulher mais velha da acusação de
estelionato. Segundo o magistrado, a opção da viúva por manter o envolvimento
com o rapaz "foi fruto de sua sabedoria, de sua experiência
e de sua maturidade, bem como, do seu livre arbítrio". "Em outras palavras: ela estava feliz fazendo o que tinha vontade."
Rangel ainda se posicionou contrariamente aos fundamentos da sentença condenatória,
que, segundo o magistrado, fez com a senhora "pior do que o apelante fez,
segundo a denúncia: a coloca em uma posição de inferioridade e de total
demência por ter tido eventual relacionamento" com um homem
mais novo.
"Confesso de público, que nunca vi uma mulher ser tratada dessa
forma num processo criminal. É uma pena e lamentável que a senhora H. M. não
esteja mais entre nós, mas também ainda bem que ela não está aqui para ler essa
sentença e saber que tudo que fez, nos últimos anos da sua vida por livre e
espontânea vontade, é considerado como crime por parte do homem que ela
escolheu."
A 3ª câmara Criminal do TJ/RJ acompanhou à
unanimidade o relator.
Início
da relação
A relação teve início quando a viúva já tinha 76
anos e o réu ministrava aulas de informática em sua casa. Em depoimento,
familiares da idosa contam que a "vítima", como é chamada, tinha o
hábito de levar o rapaz para jantar fora, comprar água Perrier, "porque
era da preferência dele", além de adquirir camisas bonitas para
presenteá-lo "porque ele gostava".
Em outra oportunidade, o genro da viúva narra que, após conhecer o réu,
ela teria passado a usar sapatos de salto alto e vestidos curtos. "Que a vitima saiu do padrão social dela; que a vítima passou a
querer ser mais jovem." A ex-professora de francês da idosa
também destacou em depoimento que a senhora passou a usar decotes, saias
curtas, tamancos, "que as roupas não eram apropriadas para a idade da vitima".
Direito
Penal: Salvador do mundo
"O problema é que a sentença acha, assim como todos os 'dogmáticos de plantão', que o Direito Penal irá salvar o mundo. (...) Então, para quem gosta de Direito Penal e quer a solução, através do Direito porque não consegue enxergar o mundo senão através de um texto de lei, vou me limitar a dizer: não houve o chamado dolo. A conduta é atípica e ponto final. Não vou perder tempo analisando aquilo que todo estudante de 2º ano do curso de Direito sabe: o dolo no estelionato é antecedente."
Assim decidiu o magistrado. Rangel destacou
posteriormente que "perdemos o senso crítico" e que, na tentativa de
visualizar o que gostaríamos, "não enxergamos o mundo como ele é".
"Olhamos para o art. 171 do CP e buscamos nele a solução para
nossos problemas e criamos mais um: condenamos um homem que fez uma mulher
feliz e que, por liberalidade dela, usou de seu patrimônio. Isso ocorre
diariamente com homens mais velhos e mulheres mais novas, mas.... nossa moral
não permite enxergar isso. Em verdade, nosso preconceito não deixa olharmos com
os mesmos olhos."
Confira a íntegra da
decisão. (Fonte: Migalhas, 12/8/14)
Harold and Maude, 1971
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O dia a dia de uma advogada, críticas e elogios aos juízes, notícias, vídeos e fotos do cotidiano forense