terça-feira, 16 de outubro de 2012

Não me altere o samba, tanto assim

Sofremos ontem um rude golpe na nossa crença em um Supremo Tribunal guardião sereno de convictas e meditadas decisões. Foram a crença e o sonho por água abaixo. No fundo deve ser inveja da Suprema Corte Americana que, na nossa visão tupiniquim infanto-juvenil paira acima de qualquer mácula. Aquelas colunas, aquelas togas, o supra sumo da sabedoria jurídica, etc, etc.

Pensam que é por causa da absolvição do marqueteiro Duda Mendonça e sua sócia, na sessão de ontem? Não, não.

Mais um bate-boca entre JB e Lewandowsky. É fato que JB não se contém quando um colega diverge dele seriamente. Tenta convencê-lo e o faz com impaciência e até irritação. Diante das câmeras em cadeia nacional. Adeus às ilusões de serenidade no Supremo. Mas há pior.

Barbosa confrontou Lewandowsky em pleno voto:
"Vossa Excelência deveria absolver Marcos Valério para ser coerente. O que o motivou a promover essas operações ilícitas foi o pagamento desse débito a Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. Se absolver o beneficiário por lavagem, teríamos que absolver também quem promoveu a evasão."
Lewandowsky admitiu quando confrontado mais uma vez que:
"Cobrar coerência é inaceitável em uma Suprema Corte. Somos todos iguais. Se formos apontar incoerências, vamos encontrar muitas. Se passarmos o pente-fino nos votos, vamos encontrar algumas contradições".
Ai,ai,ai.

Nós jurisdicionados, hoje sem ilusões, dizemos: coerência é o mínimo que se espera de um voto prolatado na mais alta corte do país. Francamente.

Os advogados dos réus devem estar sacando do bolso as Mont Blanc para assinar os embargos de declaração, aqueles cabíveis quando há contradição no acórdão, também conhecidos, às vezes, como meramente protelatórios.

Não é a primeira vez que alertam o revisor para a ausência de coerência da parte dispositiva dos seus votos com o relato e a fundamentação. Vide o julgamento de Alceni, vide a absolvição de Dirceu, tudo neste Blog, pratrasmente, como diria Odorico Paraguaçu. Tenho dificuldade, teria dito no julgamento primeiramente citado, diz a Piauí, Revista.

Pequeno trecho:
E lascou: "nada há contra Dirceu."
Gilmar Mendes teve peito e interrogou na lata: 
Mas V.Exa. não está sendo contraditório? Todos nós aqui já decidimos que houve corrupção ativa e V.Exa. também. Como condenar Genoino e Delúbio e não condenar Dirceu?
Marco Aurélio, quase sarcástico, sorrindo, alfinetou: 
V.Exa. entende que o tesoureiro tinha tanta autonomia assim? (Clique aqui Mensalão: Revisor absolve José Dirceu)

Pequeno trecho:
Com o ministro Eros Grau em viagem, dez ministros estavam presentes. Quatro votaram com a relatora, condenando os políticos: Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Quatro os absolveram: Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello. E um, Ricardo Lewandowski, desafiou o senso comum: inocentou Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Collor, mas condenou o outro acusado.Ficaram, então, 5 a 5 para Alceni Guerra, o que o absolveria, porque o empate favorece o réu. E 6 a 4 contra Fernando Giacobo, o que o condenaria.A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, resumiu bem a confusão: “Neste caso, teremos o réu principal absolvido; e o secundário, condenado.”A cizânia se estabeleceu. “Condenar um e absolver o outro fica muito difícil”, disse o ministro Marco Aurélio, olhando fixo para Lewandowski. Cezar Peluso também o encarou: “Reconsidere seu voto e absolva os dois.” Lewandowski encabulou-se e disse, titubeante: “Tenho dificuldade de absolver o outro.” Marco Aurélio riu com sarcasmo. Peluso insistiu para o colega mudar o voto. Ellen lembrou que a prescrição ocorreria no dia seguinte. (Clique aqui Mensalão: Revisor absolve José Dirceu)
Dificuldade temos nós em engolir mais esta. 

Como são lindas aquelas colunas da Supreme Court, não? Tão gregas, tão branquinhas... E aquela águia, então? Que bico, que olhos alertas.

Para encarar este episódio invocamos o mestre Paulinho da Viola:
"Tá legal, eu aceito o argumento.
Mas não me altere o samba
Tanto assim".

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