terça-feira, 30 de outubro de 2012

Gente que pensa


Ótimo título para uma nova seção neste Blog. Gente que pensa. E a pessoa da vez é a bela Elaine Nassif, procuradora do trabalho, mestre e doutora em direito processual. Li ontem seu artigo no caderno Direito & Justiça do, dizem, mais lido (mas desconfio, pois, à noite, na sala de aula da PUC, ninguém, dos colegas ao emérito professor havia lido). E o artigo é ótimo. Fala da recente vontade do Estado de levar todos à conciliação, mesmo os que não querem ser conciliados. No seu dever de informar o Blog é obrigado a transcrever trechos, citada a fonte, claro:

"O projeto do novo Código de Processo Civil (CPC) de origem do Senado Federal (PLS 166/09) e em tramitação na Câmara dos Deputados (PL 8.046/10) inaugura um novo status para a conciliação. Ela será exercida por conciliadores e mediadores, qualificados como auxiliares da Justiça, que comporão um cadastro (tal como existe para os peritos), e comparecerão obrigatoriamente nas audiências de conciliação a serem realizadas antes de iniciar-se, realmente, o processo, com o contraditório e os meios e recursos a ele inerentes.

Isso enquanto os tribunais não criarem os próprios setores de conciliação e mediação, para onde serão dirigidas as ações, antes de ir para o juiz. É o Judiciário instituindo mecanismos extrajudiciais para fomentar formas autocompositivas obrigatórias, independentemente da natureza ou da gravidade dos fatos relatados.

A conciliação assim sobe ao status de uma arte para cujo exercício o juiz e as partes necessitam. Afinal, para obter pacificação social não se necessita de persuasão racional, aquela da sentença, mas persuasão focada nas pessoas (não no caso). Uma persuasão emotiva por vezes, que busca convencer os envolvidos a abrir mão de suas estratégias judiciais, ou da tradicional e idealizada mania de justiça e trazê-los para a dura realidade, de modo a fazê-los relevar seus problemas, não leva-los tão a sério e, principalmente, não leva-los à Justiça!"

Soubemos pelo artigo que a Itália já largou mão da tentativa obrigatória de conciliação:

"A pressão pela conciliação aumenta. Principalmente a cardíaca, para quem não a quer. De se mencionar que a Itália aboliu nesse ano a tentativa obrigatória de conciliação pré-processual, por concluir que ela atrasava o andamento do processo e, evidentemente, favorecia quem se interessava em prorrogá-lo, mais do que quem dele tinha pressa.
Ninguém se pergunta se a facilidade de realizar acordos e homologá-los em juízo não constitui, em verdade, um incentivo para a propositura de ações. É que, com todos os esforços, as taxas de conciliações permanecem entre 30% e 50%, talvez exatamente o percentual de aumento de processos, e é difícil que se mude essa realidade com a instituição de mais expedientes conciliatórios.
Nesse novo modelo, à Justiça restará executar os acordos conciliados não cumpridos e as decisões da Justiça privada. É que, pelo menos, o poder coercitivo e punitivo do Estado não pode ainda ser delegado a privados. Nesse sentido, o projeto de novo CPC prevê a carta arbitral, instituída ao lado da carta de ordem, da rogatória e da precatória."

O espírito crítico emerge: 

"Deparo-me com uma revista sobre um curso de “estratégias processuais de advocacia empresarial”. Consiste exatamente em ensinar aos advogados qual estratégia (meio de resolução de conflito) escolher. Consiste em apresentá-los a um supermercado virtual chamado “acesso à justiças” (no plural, de propósito) para que aprendam a escolher, nas prateleiras, o serviço que melhor possa resolver, com vantagens para seus clientes, um determinado problema. Por esse serviço paga-se um preço e, como se trata de um serviço contratado, pode-se exigir, pelo próprio Código do Consumidor, a eficiência e a eficácia que se esperam de outros serviços quaisquer, e mais do que isso, a satisfação pelo resultado.
Podemos imaginar, no grande supermercado global de “justiças”, cujo valor maior também é vender a oportunidade de vantagens, vitórias e vitórias, não importa como, um consultor ou consultora de serviços de “pacificação social”, vestido (a) a caráter e simulando no computador, como num pre trial (bem ao gosto americano) a partir de parâmetros escolhidos e de precedentes vinculantes (claro, pelo novo CPC, estamos quase num país de common law), quais os acordos prováveis que ele pode tentar obter, os percentuais de chance de serem cumpridos, e o quanto custará promover cada tentativa. Com um clique, esse usuário escolhe seu modelo preferido e com outro o encaminha ao estúdio virtual, que lhe dará o devido tratamento. Com o número do cartão de crédito (sem o qual não é possível contratar a justiça dessas modalidades) consuma-se a compra dessa, que num prazo, razoável, deverá entregar ao comprador. Não tendo sua satisfação garantida, então sim, execute-se na Justiça!" (Fonte: Um novo status para a conciliação, Direito & Justiça, Estado de Minas, 29/10/2012).

Brava, Elaine!

Aviso aos navegantes: artigos que contém a expressão "operadores do direito" nem lemos. Não há nada mais jeca em termos jurídicos. Pronto, falei.

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