quinta-feira, 3 de maio de 2012

O judiciário sob os holofotes

Já disseram que desde que as sessões do STF começaram a ser televisionadas os votos ficaram mais inspirados, afinal ... Ouvi emérito criminalista atuante no fôro de Brasília, inclusive no privilegiado (e voltarei exclusivamente à sua figura ímpar), pois disse ele ao jornalista da TV Record na segunda à noite: "Sabia que na França foi proibida a transmissão de julgamentos? Perde-se o foco."

É isso! Está visto, perde-se o foco do julgamento, do direito, dos autos e resvala-se para poemas (nada contra, muito antes pelo contrário, mas nos autos, não), isso quando vai bem, quando vai mal descamba em  acalorado bate-boca. Agora que a televisão já desmistificou a urbanidade que supúnhamos existir  na mais alta corte do país, é impossível, repito, é impossível mirar os ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso sem que venham a mente os epítetos carinhosos que trocaram pela imprensa e pessoalmente, "inseguro", "brega", "autoritário", "caipira", não necessariamente nesta ordem.

Voltemos ao foco, para os aficcionados da transmissão de julgamentos a sessão da ADPF 186 foi cheia de emoção e pródiga de eventos midiáticos além da intervenção de Araju, o índio e sua retirada à força do plenário.

Veja, caro internauta, o que é a força da televisão, na mesma segunda-feira à noite o jornalista Washington Novaes explicava com propriedade a uma embevecida jornalista da Globo News, citando o antropólogo Pierre Clastre: "índio não delega poder, índio não manda nem obedece, não recebe ordem de ninguém, os índios vivem as utopias de igualdade e respeito." Explicado, portanto, o choque de culturas ocorrido em plenário, entre Araju, o Ministro Fux e o Presidente Ayres Britto.

Não vamos perder o foco, de volta para o julgamento das cotas raciais. A sessão foi pródiga de marcas televisivas. Quando Araju permitiu, (após ser retirado do plenário), o ministro Luiz Fux retomou seu voto. O que é aquilo?! O ministro declamava um sofrível poema, invadindo a seara sabidamente ocupada pelo presidente, era viva isso, viva aquilo. Redução do voto: "Viva eu, viva tudo, viva o Chico barrigudo" (Trova popular no norte de minas no século passado). E até citou os índios e fez um gesto com a mão, a lembrar o episódio. Pena que Araju não estava mais em plenário.

Logo veio a Ministra Rosa Weber que ateve-se à cartilha juridica e não enveredou pela poesia ou prosa. E não perdoou, redução do voto: "errou feio o propositor da ação".

Em seguida a ministra Carmen Lúcia trouxe depoimento pessoal sobre seu presente, uma boneca do artesanato do norte de minas, uma boneca negra a suas duas sobrinhas, uma delas de pele negra, que recusou a boneca e disse: "É feia, parece comigo." O exemplo ilustrou bela e apropriadamente o voto da ministra, e nem se ouse dizer que o Blog está a defender a conterrânea.

Veio o voto do Ministro Peluso, impossível não vir a mente, etc, etc. Depois de compulsoriamente relembrados os últimos rounds, conseguiu-se focar no voto, "não é compensação, atua na realidade" e mais não se guardou porque as mãos do ministro pareciam ter vida, reparem, e foi inevitável lembrar do monólogo "As Mãos de Eurídice" de Pedro Bloch, na voz do ator Rodolpho Mayer (coisa do século passado).

O ministro Ayres Britto disse  algo como "mirar o espelho sem corar de vergonha", mas desde os arroubos da posse estamos assim, mais reflexivos, ante as falas do ministro.

O ministro Joaquim Barbosa votou literalmente de pé, ele continua de pé, e ainda implicam com a saúde dele.

O ministro Celso de Mello votou estritamente em termos jurídicos. O ministro Gilmar Mendes frisou: "Tratar de forma diferente os desiguais não é discriminação, é a implementação da igualdade." Lembrou que o sistema de cotas da UNB existe há oito anos, fez ressalvas mas julgou improcedente o pedido.

Dirão alguns que há desigualdade nas citações dos votos dos ministros, uns mais citados, outros menos e um sequer foi citado. Têm toda razão, é que durante a retransmissão do cativante julgamento havia simultaneamente a entrevista do Washington Novaes, do midiático criminalista de Brasília e ainda a reprise do imperdível senador Pedro Simon na tribuna. Ad impossibilia nemo tenetur. Para os não iniciados no latinório de Cícero: ninguém está obrigado ao impossível.


Como não concordar  e aplaudir o bravo senador que na véspera do feriado de 1º de maio conclamava da tribuna do Senado: "Meus irmãos do Supremo, suspendam o recesso de julho para votar o mensalão. Descansem o resto da vida. Um ano não vai fazer falta"?


Pois está aplaudido e concordado. Nós advogados aqui das Alterosas emendamos: por causa nobre suspendam o recesso de julho, a manter estenda-se o benefício do recesso às instâncias inferiores. Os advogados não sabem o que são férias há anos. Só a Corte descansa? E como está o projeto de lei neste sentido? Precisamos descobrir urgentemente. O Blog agita a bandeira já desfraldada há mais tempo.

Terminamos com Eça de Queiroz, que já se faz tarde. Um doce para quem disser que foi na reprise da série "Os Maias", belíssima, hein?: "O destino é muito maior do que os nossos pecados". 

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