quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Por que se calam?


Acima das influências ministeriais está o Estado Democrático de Direito

Você acredita nisso? Nós acreditamos. Depois da matéria publicada pela Folha “Pressão de Fux por nomeação da filha faz OAB/RJ alterar processo de escolha”, passamos a olhar com outros olhos a ementa emparedada da lavra do ministro que adorna a parede do escritório. Uma questão processual tão bonita e trabalhada... e agora isso. Sai ou não sai o quadro da parede?

A matéria fala de constrangimento dos conselheiros da OAB que receberam telefonemas do ministro, que lembrou-lhes dos processos dos respectivos que poderiam chegar ao STF, do convite para o suntuoso casamento da filha aspirante a desembargadora. Constrangimento? O caso é de indignação. Coisa rara por estas terras.

O Conselheiro Correa, que não pensa como nós, disse em tensa sessão da OAB/RJ: “Se ela vai entrar mesmo, é melhor indicar e acabar logo com isso”.

Como, ferindo o princípio constitucional do devido processo legal?

Pois, segundo a Folha, Marianna não passou no crivo inicial do Conselho da OAB/RJ por não haver anexado documentos comprovando a prática jurídica. Em vez disso apresentou uma carta assinada por Sérgio Bermudes, amigo pessoal de Fux e ex-conselheiro da OAB/RJ. Marianna é sócia do escritório de Sérgio desde 2003. Marianna tem 33 anos. 

São requisitos legais para entrar na disputa da vaga: comprovada idoneidade e atuação em cinco procedimentos em ações na justiça por ano, durante dez anos. A comprovação é feita mediante certidão expedida pelos cartórios das varas judiciais. Quem atende aos requisitos legais é sabatinado pelos 80 conselheiros da OAB/RJ. Por voto secreto chega-se a seis nomes. De uma nova sabatina com 180 desembargadores, sai a lista com três nomes para escolha do Governador.

Na carta Bermudes declara que Marianna “exerceu, continuamente por mais de dez anos, a atividade de assessoria e consultoria jurídica”. A carta não foi aceita, Marianna anexou então uma série de petições. A Folha analisou o dossiê apresentado por ela e afirma que ela não conseguiu atender a exigência nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.

Mas, mesmo assim seu nome seguiu na seleção. Como? Ferindo o devido processo legal, princípio constitucional que cabe ao Supremo Tribunal Federal, tribunal ao qual pertence o ministro, defender.

Depois da pressão do ministro para emplacar a filha na lista da vez, a OAB/RJ resolver alterar o processo. A pré-seleção feita em julho, foi anulada. Agora, em lugar de apenas 5 conselheiros, os 80 analisarão os currículos, mais os suplentes. Os habilitados serão escolhidos por voto aberto. Será no dia 9 de outubro a finalização desta fase.

É estranho, estranho não, é inaceitável num Estado Democrático de Direito a pressão de integrante da mais alta corte do país para dar direito a quem não preenche os requisitos mínimos para a pré-seleção para o cargo.

É inaceitável, também, num Estado Democrático de Direito que a Ordem dos Advogados do Brasil, não cumpra em seus procedimentos internos o devido processo legal, homologando inscrição que não atende aos requisitos legais.

Ou, então, não estamos num Estado Democrático de Direito. As instituições que têm a obrigação de praticar seus atos segundo a legalidade e moralidade, agindo ao contrário afrontam não só a lei, mas o cidadão comum.

Onde está a indignação com tais burlas ao devido processo legal?

Claro que há influência política no certame. Se cabe ao governador, e em outros tribunais ao presidente da república, a escolha de um nome na lista tríplice, é notório que trata-se de um ato político. Mas que restem na lista tríplice candidatos que além de preencher os requisitos legais, representem com gabarito suas classes de origem, e mais, que sejam alçados ao alto cargo por mérito, que acrescentem valor à máquina judiciária. Máquina que deve servir ao povo e não aos seus integrantes.

O Estado não é o quintal dos que detêm o poder. Ou não estamos num Estado Democrático de Direito.

Diante deste quadro, entendemos que para coibir as “carteiradas”, o abuso de poder, o uso do cargo e função pública em benefício próprio e de seu clã (nepotismo), ser imprescindível a transparência e publicidade dos atos das instituições no processo de seleção dos indicados.

Mas não é só, diante da publicidade, há de haver indignação às violações legais e engajamento da sociedade para dizer: isso não nos representa e não compactuamos com isso. E não nos calamos.

Um dos sentidos da palavra advogado é dar voz  alguém. No caso, a uma nação inteira.

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