Acima das influências ministeriais está o Estado
Democrático de Direito
Você acredita nisso? Nós
acreditamos. Depois da matéria publicada pela Folha “Pressão de Fux por
nomeação da filha faz OAB/RJ alterar processo de escolha”, passamos a olhar com
outros olhos a ementa emparedada da lavra do ministro que adorna a parede do
escritório. Uma questão processual tão bonita e trabalhada... e agora isso. Sai
ou não sai o quadro da parede?
A matéria fala de
constrangimento dos conselheiros da OAB que receberam telefonemas do ministro,
que lembrou-lhes dos processos dos respectivos que poderiam chegar ao STF, do
convite para o suntuoso casamento da filha aspirante a desembargadora.
Constrangimento? O caso é de indignação. Coisa rara por estas terras.
O Conselheiro Correa, que não
pensa como nós, disse em tensa sessão da OAB/RJ: “Se ela vai entrar mesmo, é
melhor indicar e acabar logo com isso”.
Como, ferindo o princípio
constitucional do devido processo legal?
Pois, segundo a Folha, Marianna
não passou no crivo inicial do Conselho da OAB/RJ por não haver anexado
documentos comprovando a prática jurídica. Em vez disso apresentou uma carta
assinada por Sérgio Bermudes, amigo pessoal de Fux e ex-conselheiro da OAB/RJ.
Marianna é sócia do escritório de Sérgio desde 2003. Marianna tem 33 anos.
São
requisitos legais para entrar na disputa da vaga: comprovada idoneidade e
atuação em cinco procedimentos em ações na justiça por ano, durante dez anos. A
comprovação é feita mediante certidão expedida pelos cartórios das varas
judiciais. Quem atende aos requisitos legais é sabatinado pelos 80 conselheiros
da OAB/RJ. Por voto secreto chega-se a seis nomes. De uma nova sabatina com 180
desembargadores, sai a lista com três nomes para escolha do Governador.
Na carta Bermudes declara que
Marianna “exerceu, continuamente por mais de dez anos, a atividade de
assessoria e consultoria jurídica”. A carta não foi aceita, Marianna
anexou então uma série de petições. A Folha analisou o dossiê apresentado por
ela e afirma que ela não conseguiu atender a exigência nos anos de 2007, 2008,
2009 e 2010.
Mas, mesmo assim seu nome seguiu
na seleção. Como? Ferindo o devido processo legal, princípio constitucional que
cabe ao Supremo Tribunal Federal, tribunal ao qual pertence o ministro,
defender.
Depois da pressão do ministro
para emplacar a filha na lista da vez, a OAB/RJ resolver alterar o processo. A
pré-seleção feita em julho, foi anulada. Agora, em lugar de apenas 5
conselheiros, os 80 analisarão os currículos, mais os suplentes. Os
habilitados serão escolhidos por voto aberto. Será no dia 9 de outubro a finalização
desta fase.
É estranho, estranho não, é
inaceitável num Estado Democrático de Direito a pressão de integrante da mais
alta corte do país para dar direito a quem não preenche os requisitos mínimos
para a pré-seleção para o cargo.
É inaceitável, também, num
Estado Democrático de Direito que a Ordem dos Advogados do Brasil, não cumpra
em seus procedimentos internos o devido processo legal, homologando inscrição
que não atende aos requisitos legais.
Ou, então, não estamos num
Estado Democrático de Direito. As instituições que têm a obrigação de praticar
seus atos segundo a legalidade e moralidade, agindo ao contrário afrontam não
só a lei, mas o cidadão comum.
Onde está a indignação com tais
burlas ao devido processo legal?
Claro que há influência política
no certame. Se cabe ao governador, e em outros tribunais ao presidente da
república, a escolha de um nome na lista tríplice, é notório que trata-se de um
ato político. Mas que restem na lista tríplice candidatos que além de preencher
os requisitos legais, representem com gabarito suas classes de origem, e mais,
que sejam alçados ao alto cargo por mérito, que acrescentem valor à máquina
judiciária. Máquina que deve servir ao povo e não aos seus integrantes.
O Estado não é o quintal dos que detêm o poder. Ou não estamos num Estado Democrático de Direito.
Diante deste quadro, entendemos
que para coibir as “carteiradas”, o abuso de poder, o uso do cargo e função
pública em benefício próprio e de seu clã (nepotismo), ser imprescindível a transparência
e publicidade dos atos das instituições no processo de seleção dos
indicados.
Mas não é só, diante da publicidade,
há de haver indignação às violações legais e engajamento da sociedade para dizer: isso
não nos representa e não compactuamos com isso. E não nos calamos.
Um dos sentidos da palavra advogado é dar voz alguém. No caso, a uma nação inteira.
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