PROFISSÃO DO PASSADO
Pelo menos em Portugal, os jovens deveriam considerar outras opções
antes de se aventurar na advocacia. São anos de estudo e dedicação para entrar
em um mercado de trabalho saturado, sem espaço para mais ninguém. O conselho
parte de alguém que respira a advocacia portuguesa, tendo passado seis anos
dedicado a presidir a Ordem dos Advogados do país. António Marinho e
Pinto é um dos mais ferrenhos desestimuladores para quem pretende
cursar uma faculdade de Direito.
“Os jovens se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num
mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo”, disse,
em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico no final
de 2013, pouco antes de deixar a presidência da entidade. Para ele, Portugal já
tem advogado demais e, sem costas quentes ou uma mente brilhante, é muito
difícil um recém-formado ter sucesso na advocacia.
Durante os seis anos em que esteve à frente da Ordem dos Advogados,
Marinho e Pinto batalhou por uma melhora no ensino jurídico em Portugal. Ele
acredita que a proliferação das faculdades particulares levou à democratização
do ensino, mas derrubou a qualidade e não resolveu o problema do desemprego. “O
governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E
tem, mas a maioria não tem emprego”, diz.
Ele considera que a formação universitária não prepara ninguém para
atuar como advogado, juiz ou promotor. Os cursos de formação profissional
oferecidos pelo Estado, para as carreiras públicas, e pela Ordem são
fundamentais. É por isso que defende com unhas e dentes os exames de Ordem que
existem no país — são dois: um após seis meses de estágio obrigatório e
outro ao final dos dois anos de qualificação.
Em uma entrevista de uma hora, o advogado criticou o que chamou de
processo de desjudicialização em Portugal, com o aumento dos tribunais
arbitrais e a restrição de acesso à Justiça. Hoje, alguns casos cíveis só podem
ir para o Judiciário se passarem por uma tentativa de mediação antes. Já nos
tribunais superiores, há um filtro para novos recursos. Se o juízo de segunda
instância confirmou a decisão de primeira, não há mais apelo ao Superior Tribunal
de Justiça. O caso está encerrado. O resultado disso é uma Justiça mais rápida,
mas, para o ex-presidente, menos justa. “Estamos voltando para épocas passadas
onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da
população.”
Ele também não poupou críticas à arbitragem, o que chamou de uma Justiça
clandestina, feita longe dos olhos da população. “Eu não acredito muito em
tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas
partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação,
tudo, menos um tribunal.”
Leia a entrevista:
ConJur – Como está o ensino jurídico em Portugal?
António Marinho e Pinto – Mal, muito mal. O ensino
de Direito se mercantilizou completamente no país. Houve uma proliferação
enorme de universidades de Direito que não cuidam em preparar bem os
estudantes. Essas escolas estão mais preocupadas com os lucros econômicos do
que com a qualidade do ensino. Os estudantes não são tratados como alunos, mas
sim como clientes. Praticamente ninguém reprova nas universidades porque, se
reprovarem um aluno, vão perder um cliente, já que ele vai procurar outra
faculdade que não o reprove. Isso levou a uma diminuição grande da qualificação
dos licenciados em Direito, que acabam não conseguindo emprego e correm atrás
da Ordem dos Advogados como a única alternativa. Mas nós aqui temos uma posição
muito clara quanto à formação profissional que ministramos. Quem fez uma boa
licenciatura nunca reprovará nos nossos exames. Já quem não fez nunca passará
nas nossas provas, que exigem conhecimentos teóricos e científicos, sem os
quais não é possível demonstrar uma boa formação para o exercício da advocacia.
ConJur – E o que o senhor achou dessa decisão do tribunal?
António Marinho e Pinto – Foi errada, porque
prejudica os estagiários. Como eu disse antes, se um estagiário tem uma boa
licenciatura em Direito, ele fará com tranquilidade a sua formação profissional
na Ordem e será inevitavelmente aprovado. Mas se não tem sólidos conhecimentos
jurídicos para exercer uma profissão forense, pode fazer o estágio da Ordem por
dez anos e nunca vai tirar a carteira profissional. É por isso que nós
queríamos fazer a seleção antes de começar o estágio. Assim, aqueles que não
estivessem bem preparados poderiam procurar outro rumo para a sua vida. No momento
em que a Ordem dos Advogados entrega a carteira profissional para um advogado,
está autorizando, em nome do Estado português, que ele exerça a profissão. Além
disso, está dizendo para a sociedade portuguesa que pode confiar nesse
advogado, que está preparado para defender seus direitos. E nós só podemos
oferecer essa garantia pública quando o advogado está, de fato, preparado. A
advocacia é uma profissão de interesse público que é exercida com grande
liberdade, com clemência e, por isso, tem que ser exercida com grande
responsabilidade, com respeito por princípios de valores de natureza épica e
deontológica.
ConJur – Como é a formação profissional oferecida pela Ordem?
António Marinho e Pinto – Inicialmente, o bacharel
faz um período de estágio de seis meses, com uma formação mais teórica em três
áreas fundamentais. A primeira é deontologia profissional. Depois vem Direito
Constitucional e Direitos Humanos, que são super importantes. Sem isso, tem
licenciado em Direito que acaba entrando na profissão sem saber apresentar um
recurso ao Tribunal Constitucional ou ajuizar uma queixa na Corte Europeia de
Direitos Humanos, que, muitas vezes, constitui a última instância dos cidadãos
para que seja feita Justiça. Depois, vem a área de práticas profissionais, com
os aspectos práticos do processo civil e penal. Uma vez concluído esse estágio,
o bacharel faz um exame e, se passar, vai para o passo seguinte, quando já pode
praticar atos próprios dos advogados, mas ainda sob tutela da entidade. A
segunda fase do estágio dura um ano e meio e é voltada para a prática da
advocacia. Nesse período, o bacharel acompanha atos do escritório que for seu
patrono. Concluída essa fase, faz a última prova, chamada de Exame de Avaliação
e Agregação, e, se for aprovado, aí sim pode atuar como advogado independente.
ConJur – Qual é o índice de reprovação nesses exames?
António Marinho e Pinto – No primeiro exame,
normalmente, temos 75% de reprovação. Esse número é alto justamente porque a
Ordem foi impedida de fazer uma seleção para acesso ao estágio inicial, como o
Estado português faz, por exemplo, para entrar na magistratura. Concorrem 2 mil
licenciados para a magistratura e só 100 são aprovados. Outro fator que
influencia no alto índice de reprovação é a redução de cinco para quatro anos
do estudo de Direito nas universidades. Tem faculdade que forma um bacharel em
apenas três anos.
ConJur – Essa mudança foi provocada pelo chamado Processo de Bolonha,
que padronizou o ensino universitário na Europa, não é isso?
António Marinho e Pinto – Exatamente. E, com a
postura atual do governo português, está sendo criada uma disparidade muito
grande entre os advogados e os magistrados. O Estado só admite para a
magistratura quem tem uma formação acadêmica de cinco anos. Quer dizer, ou fez
uma licenciatura de cinco anos ou estudou apenas os quatro atuais e fez um
mestrado em seguida. O mesmo Estado obriga a Ordem a receber pessoas com uma
licenciatura de apenas três anos, feita em uma universidade privada sem
qualquer credibilidade.
ConJur – Essa disparidade na formação entre advogados e magistrados
afeta o serviço oferecido ao jurisdicionado?
António Marinho e Pinto – Ainda não dá para saber
porque a mudança é recente. Só agora vão entrar no mercado os primeiros
advogados com formação acadêmica inferior à dos magistrados. Estou preocupado
com isso porque os advogados precisam ter uma formação igual ou superior aos
magistrados. Um advogado, para impugnar uma decisão, tem que estar tão ou mais
bem preparado que o juiz. O que o governo português tem feito é degradar
intencionalmente a qualidade, o prestígio e a própria dignidade da advocacia
portuguesa unicamente por questões políticas e estatísticas. Isso porque, a
partir do momento em que um jovem recém-formado se inscreve na Ordem, ele deixa
de figurar nas estatísticas de desemprego. Por questões meramente estatísticas,
o Estado massificou o ensino do Direito e está massificando a própria
advocacia, inconsciente ou indiferente à degradação que isso provoca na
profissão e, consequentemente, na própria administração da Justiça. Quem perde
é o Estado de Direito porque, num país em que a profissão de advogado é
degradada, os prejudicados são os cidadãos.
ConJur – Quantos novos advogados são registrados na Ordem por ano?
António Marinho e Pinto – Não tenho os números
exatos. Saem das universidades de Direito entre 3 mil e 4 mil estudantes e,
desses, entre 1,5 mil e 2 mil se inscrevem para o estágio na Ordem.
ConJur – O mercado de trabalho tem capacidade para absorver todos esses
profissionais?
António Marinho e Pinto – Não, de maneira alguma.
Isso é terrível. Os jovens advogados se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e
acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para
todo mundo. Tem muito advogado que vive às custas dos pais por anos até arrumar
um emprego mal remunerado. Não há necessidades sociais para tanto advogados.
ConJur – Então ser advogado não é uma boa escolha?
António Marinho e Pinto – Eu tenho dito isso sempre.
Ser advogado não é mais uma boa escolha. É óbvio que é diferente para o jovem
que tem um familiar advogado, dono de um escritório. O mesmo vale para quem tem
fortuna pessoal suficiente para ficar oito anos sem rendimentos. A maioria, que
não está em nenhuma dessas duas situações, muito dificilmente vai conseguir ser
advogado. A não ser que seja um gênio, um estagiário brilhante. Senão, vai
passar anos como assalariado ou voluntário, sendo explorado por escritórios que
pagam um salário muito inferior ao merecido.
ConJur – O senhor falou da mercantilização do ensino jurídico em
Portugal. Quando começou esse processo?
António Marinho e Pinto – Há uns 30 anos, com a
abertura de universidade privadas de Direito, voltadas sobretudo para o lucro e
enriquecimento dos seus proprietários. Essas universidades começaram a
concorrer com as públicas e começou a acontecer o contrário da teoria do
capitalismo. Com o aumento da concorrência, a qualidade piorou. Os alunos
começaram a ser tratados como clientes, não mais como estudantes. Aí veio o
Processo de Bolonha, que é uma gigantesca fraude aos estudantes. Quer dizer,
hoje, se lança o jovem mais cedo no mercado de trabalho, mas ele fica sem
emprego porque não está preparado. O governo faz propaganda dizendo que
Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego.
ConJur – É possível reverter esse quadro?
António Marinho e Pinto – A Ordem tem exigido mais
qualidade e mais critérios para permitir o acesso à advocacia, mas é difícil
porque, de um lado, o governo quer mais é massificar as profissões. De outro,
os jovens deixam se iludir pensando que, por ter um diploma, terão acesso ao
mercado de trabalho. E não é assim. Hoje ninguém recruta nenhum jovem
licenciado sem antes comprovar os conhecimentos efetivos. A maioria dos jovens
licenciados em Direito hoje em Portugal não está preparada para exercer uma
profissão forense com as responsabilidades que a advocacia tem.
ConJur – Tem muito advogado estrangeiro registrado para atuar em
Portugal?
António Marinho e Pinto – Não. A maior parte dos
estrangeiros é formada por brasileiros por causa do acordo de reciprocidade com
a Ordem dos Advogados do Brasil. Qualquer advogado brasileiro que esteja
inscrito regularmente na OAB pode inscrever-se em Portugal e vice-versa. Temos
muitos advogados brasileiros que se inscrevem em Portugal, mas a maioria não
fica aqui. Aproveita o registro e vai advogar em outros países da União
Europeia, como Espanha, Itália, França e até na Albânia já existem advogados
brasileiros com inscrição em Portugal.
ConJur – Quantos advogados brasileiros hoje estão inscritos em Portugal?
António Marinho e Pinto – Não sei exatamente. São
algumas centenas.
ConJur – Como o senhor avalia a formação de um advogado brasileiro em
relação à formação dos portugueses?
António Marinho e Pinto – Eu acho a formação
profissional do advogado português mais rigorosa. No Brasil, só muito
recentemente a OAB introduziu o chamado Exame da Ordem [a prova foi
criada em 1994 pela Lei 8.906/1994, chamada de Estatuto da Advocacia]. Até
então, qualquer licenciado podia exercer a advocacia. Mas eu vejo que a OAB
está fazendo um grande esforço para introduzir critérios rigorosos de qualidade
para melhorar a formação dos advogados.
ConJur – A formação universitária não basta para exercer a advocacia?
António Marinho e Pinto – Não. A formatura em
Direito por qualquer universidade é uma formação científica, acadêmica e não
prepara ninguém para exercer a advocacia, para ser juiz ou promotor. As
faculdades dão uma formação teórica jurídica básica. Quem forma juiz é o
Estado, com os cursos profissionais, e não a universidade.
ConJur – A Europa toda tem passado por anos difíceis por conta da crise
econômica. Em Portugal, de que maneira a crise está afetando a advocacia?
António Marinho e Pinto – Tenho ouvido queixas de
advogados com dificuldade para receber honorários, porque seus clientes estão
cheios de dívidas.
ConJur – Mas tem escritório fechando as portas por causa da crise?
António Marinho e Pinto – Não, muito pouco. Há
apenas alguns advogados que estão em processo de solvência porque não
conseguiram solver as suas dívidas. Mas hoje é mais difícil exercer a advocacia
do que era há cinco anos. Há menos recursos nos tribunais porque o Estado tem
incentivado uma política de desjudicialização, fazendo com que a Justiça deixe
de ser feita por juízes, procuradores e advogados para ser feita por
instituições privadas voltadas para o lucro, que é o que são os tribunais
arbitrais, centro de mediação laboral, julgados de paz, entre outros. As custas
judiciais, em alguns casos são usurárias. Tudo isso tem feito com que as
pessoas evitem ir aos tribunais e contratar advogados.
ConJur – O senhor não considera positiva essa procura por arbitragem,
mediação e formas de resolver conflitos sem precisar sobrecarregar os
tribunais?
António Marinho e Pinto – Eu não acredito muito em
tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas
partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação,
tudo, menos um tribunal. A ideia de Justiça que eu sustento é a ideia matricial
das advocacias ocidentais que é da Justiça pública, como entidade soberana do
Estado. A passagem da civilização e da história da humanidade se faz justamente
no momento em que o Estado assume o monopólio da administração da Justiça. É
óbvio que, nos processos cujo objeto é disponível, as partes podem fazer todo
tipo de acordos e escolher onde querem resolver o litígio, seja em escritório
de advogado, em restaurantes ou em tribunais arbitrais. Agora, quando o objeto
não é disponível, só o Estado pode resolver o conflito. Em Portugal, o governo
está tornando a arbitragem obrigatória, mesmo sendo muito mais cara que a
Justiça pública. O que se está fazendo aqui e em muitos lugares do mundo é
subverter os alicerces e os próprios paradigmas da Justiça pública soberana que
figurou na Europa nos últimos milênios, desde a Grécia antiga até hoje.
ConJur – O senhor falou que o governo português está tornando a
arbitragem obrigatória. Em que áreas?
António Marinho e Pinto – Há em Portugal diversas
leis que obrigam as partes a irem para a arbitragem. O próprio Código de
Processo Civil português já instituiu a arbitragem obrigatória, mas não posso
te dizer agora em quais casos. Teria que encontrar um exemplo. A arbitragem tem
ainda outro aspecto negativo, quando se resolve litígios entre entidades
públicas e entidades privadas. Normalmente, isso favorece a corrupção. O
indivíduo compra um político, os dois inventam um litígio e vão para um
tribunal arbitral com julgadores escolhidos por eles mesmo para resolver o
conflito. Isso é perigoso para o Estado de Direito e para a própria sociedade
democrática. Posso dizer que o Estado Português nunca ganhou uma causa nos
tribunais arbitrais.
ConJur – Nunca?
António Marinho e Pinto – Nunca! Além do mais, a
Justiça arbitral é clandestina. Ninguém pode assistir aos julgamentos e as
sentenças não são divulgadas. Ela é feita às escondidas da sociedade. Ora, uma
das qualidades fundamentais da Justiça é sua publicidade. Uma decisão judicial
não vale apenas para as partes. Vale para toda a sociedade como elemento
desestimulador de práticas ilícitas. É um ensinamento. E tudo isso desaparece
na Justiça arbitral.
ConJur – O governo de
Portugal vai fechar 20 tribunais de primeira instância para
reduzir os gastos com a Justiça. Qual a opinião do senhor sobre isso?
António Marinho e Pinto – Isso é fruto dessa
degradação da Justiça. O Estado quer fechar tribunais que estão abertos há mais
de 100 anos! A mensagem que isso passa para a população é: façam justiça com as
próprias mãos. Ou, então, andem centenas de quilômetros até outro tribunal. Tem
havido um aumento da criminalidade relacionada com assuntos de Justiça. Isso é
um retrocesso civil perigoso. Estamos voltando para épocas passadas onde a
Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da
população. Não pode ser assim. A Justiça precisa ser garantida para todos
porque é um elemento fundamental associado ao desenvolvimento harmonioso da
sociedade.
ConJur – Como está a velocidade da Justiça em Portugal? O tempo de
espera por julgamento é longo? António Marinho e Pinto – É, mas agora tem diminuído. O Supremo Tribunal de Justiça, por
exemplo, está resolvendo processos em dois ou três meses, mas isso porque tem
metade do trabalho que tinha há cinco anos. Hoje, com as reformas, quase
ninguém mais pode recorrer ao STJ.
ConJur – Como assim? António Marinho e Pinto – Ora, se o tribunal de segunda instância confirmar uma decisão de
primeira instância, não cabe mais recurso para o STJ. Só pode recorrer ao STJ
se a segunda instância reformar a decisão da primeira. E isso é uma aberração.
Eu já relacionei vários casos em que a decisão de primeira instância era
mantida pela segunda e, quando chegava no STJ, era modificada. Essa mudança é
apenas uma manobra de propaganda e estatística para poder dizer que o tribunal
está agindo mais rápido. Pudera! Não houve um aumento da produtividade, mas sim
uma restrição do acesso ao tribunal. A decisão sai mais rápido porque as
pessoas estão proibidas de recorrer ao STJ. Sem falar no valor das custas, que
também é um impeditivo. Hoje, custa mais de 2 mil euros (mais de R$ 6,5 mil)
para ajuizar um recurso no Tribunal Constitucional.
ConJur – E quem não pode pagar?António Marinho e Pinto – Se for indigente e receber menos de um salário mínimo, tem direito
à Justiça gratuita. Já se for da classe média e receber 700 euros (cerca de R$
2,3 mil), não tem direito à assistência judiciária. Como essa pessoa vai pagar
as custas judiciais e os honorários do advogado?
ConJur – Em Portugal, não existe uma Defensoria Pública, não é? A
assistência judiciária é feita por advogados nomeados pela Ordem e pagos pelo
governo. O esquema funciona? Recentemente, o Ministério da
Justiça e a advocacia entraram em atrito e o pagamento dos dativos foi suspenso.
O que aconteceu?
António Marinho e Pinto – O Ministério da Justiça
lançou uma campanha de descrédito público contra os advogados dizendo que um
terço deles cometia fraudes. Uma inominável mentira! O Ministério da Justiça
fez uma queixa à Procuradoria-Geral da República contra 1,5 mil advogados e, no
final, o Ministério Público só acusou seis ou sete advogados. E esses ainda vão
ser absolvidos pelo tribunal porque não há nenhum crime. Foi uma campanha de
descrédito para poder destruir esse sistema e construir outro privado.
ConJur – Criar uma Defensoria Pública em Portugal não resolveria o problema?
António Marinho e Pinto – Eu sou contra. O Estado
que oferece o juiz não pode oferecer também o advogado. Este tem que ser da
confiança do cidadão. Tem que representar a janela que se abre da Justiça para
a cidadania. É por essa janela que entra o ar para a sociedade. Um advogado por
definição não pode ter patrões, não pode estar inserido em uma hierarquia e ter
horário de trabalho. O único compromisso do advogado tem que ser com o cidadão.
A advocacia não pode ser funcionalizada.
ConJur – Então qual que seria o modelo ideal de assistência judiciária?
António Marinho e Pinto – O modelo que temos
defendido é aquele em que o próprio cidadão escolhe o advogado da sua confiança
entre aqueles inscritos para prestar apoio judiciário. O ideal depende de uma maior
remuneração dos profissionais. O Estado deveria transferir para a Ordem a verba
destinada ao pagamento desses advogados, para que a entidade pudesse pagar os
defensores. Hoje, o governo demora meses e até anos para pagar um advogado que
presta assistência judiciária. O Estado não valoriza a Justiça, sobretudo
aquela que é prestada aos pobres como elemento essencial do próprio Estado de
Direito. (Fonte: Conjur 16/2/14).