quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Voto de Minerva a favor dos infringentes

O ministro Celso de Mello iniciou seu voto lembrando a coincidência de datas, exatamente em 18/9/46, há exatos 67 anos, o Ministro do STF, José Linhares saudou a Constituição de 46, então promulgada como o surgimento de um novo tempo. Algo assim: 
Sejam as minhas palavras, palavras de congratulação pela nova Constituição. Depois de termos atravessado uma longa estrada sombria (a ditadura Vargas). Só a ordem jurídica constrói, só a ordem jurídica fortalece as instituições. Foi para o judiciário o restabelecimento de sua autoridade e independência. (Ministro José Linhares, 18/9/46).
E coincidentemente, é a exata idade do ministro, 67 anos, emendamos nós. O elogio à Constituição procede. Tudo emana dela. Dizemos nós, (agora é moda, depois do mensalão, falar assim).  A lembrança da julgamento de 46 também procede, pois, a sessão de hoje foi também foi histórica e será lembrada, talvez, numa outra quarta-feira daqui, se cair num 18 de setembro do futuro. O ministro citou a supremacia do Direito na prática jurídica, independentemente do acusado; os parâmetros jurídicos de índole penal devem garantir ao acusado o direito a um julgamento justo, imparcial, isento. E invocou o direito inglês, o fair trial (caminho procedimental), o due process (o devido processo legal), arrematando: o processo penal não pode se constituir em arbítrio do Estado. Tudo se tem a perder quando a Constituição não é cumprida, disse.

De Tucci a Tornaghi, passando por Pontes de Miranda, Noberto Bobbio, José Frederico Marques. De Paulo Brossard a Themístocles Cavalcanti, passando por Djaci Falcão, o voto do ministro Celso de Mello foi, sem favor algum, muito bem fundamentado.

Teve escorço histórico, desde o Império, dos embargos infringentes, lembrado o marquês de São Vicente, jurisconsulto então. Teve o histórico dos Regimentos Internos do STF desde 1901. O RI de 1901 não previa o recurso mas Lei Federal em 1902 previu a oponibilidade em matéria penal dos embargos infringentes, a partir daí, o recurso constou dos Regimentos Internos de 1909, 1940, 1970 e 1980. Todos previram dispuseram sobre os infringentes.

Disse o ministro: Pontes de Miranda exaltava os infringentes, (estamos em excelente companhia, pensamos nós). Neste ponto noticiou que no processo legislativo do Projeto do Novo Código de Processo Civil (que suprimiu os embargos infringentes), há a possibilidade de introdução do recurso durante o trâmite legislativo.  Para nós processualistas e civilistas, discípulos de Pontes de Miranda será um alívio. Como é voz corrente, processualistas adoram um recurso.

Em seguida passou ao fulcro da questão abordada pelos votos que negaram os infringentes: o ministro citou voto seu proferido em 2/8/12, no julgamento de ações penais originárias, o artigo 333 do RI não sofreu derrogação por força da Lei que limitava-se a pronunciar exclusivamente sobre normas procedimentais.

Disse mais: a lei federal tem o silêncio típico de lacunas conscientes da lei (Bobbio). Entende o ministro que não é o caso de conflito de hierarquia de leis. E explicou  porque: há a reserva constitucional da lei e há a reserva constitucional do Regimento Interno.

Neste ponto citou o entendimento do ministro Paulo Brossard na ADI 1.105-DF sobre a tensão normativa entre a lei e o regimento interno. Para Brossard a existência e validade de tais espécies normativas resultam da Constituição. Dependendo da matéria regulada a prevalência é do Regimento Interno ou da lei; a matéria regulada é que determina o que compete ao legislador e o que remete ao Tribunal. Admite Brossard que há zonas cinzentas e reentrâncias. Cada poder da República tem a posse privativa de determinadas áreas. 

Processo:
ADI-MC 1105 DF
Relator(a):
PAULO BROSSARD
Julgamento:
02/08/1994
Órgão Julgador:
Tribunal Pleno
Publicação:
DJ 27-04-2001 PP-00057 EMENT VOL-02028-02 PP-00208
Parte(s):
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
CONGRESSO NACIONAL
Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Inciso IX, do art. 7º da Lei nº 8906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), que pospõe a sustentação oral do advogado ao voto do relator. Liminar. Os antigos regimentos lusitanos se não confundem com os regimentos internos dos tribunais; de comum eles têm apenas o nome. Aqueles eram variantes legislativas da monarquia absoluta, enquanto estes resultam do fato da elevação do Judiciário a Poder do Estado e encontram no Direito Constitucional seu fundamento e previsão expressa. O ato do julgamento é o momento culminante da ação jurisdicional do Poder Judiciário e há de ser regulado em seu regimento interno, com exclusão de interferência dos demais Poderes. A questão está em saber se o legislador se conteve nos limites que a Constituição lhe traçou ou se o Judiciário se manteve nas raias por ela traçadas, para resguardo de sua autonomia. Necessidade do exame em face do caso concreto. A lei que interferisse na ordem do julgamento violaria a independência do judiciário e sua conseqüente autonomia. Aos tribunais compete elaborar seus regimentos internos, e neles dispor acerca de seu funcionamento e da ordem de seus serviços. Esta atribuição constitucional decorre de sua independência em relação aos Poderes Legislativo e Executivo. Esse poder, já exercido sob a Constituição de 1891, tornou expresso na Constituição de 34, e desde então vem sendo reafirmado, a despeito, dos sucessivos distúrbios institucionais. A Constituição subtraiu ao legislador a competência para dispor sobre a economia dos tribunais e a estes a imputou, em caráter exclusivo. Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei. A prevalência de uma ou de outro depende de matéria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV e 96, I, ae 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta.

Neste ponto o ministro lembrou o doutrinador José Frederico Marques, o Regimento Interno dos tribunais contém elementos de independência do próprio Poder Judiciário.

Voltando a Brossard: é a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa. E há impossibilidade constitucional de regulação legislativa sobre matéria de competência dos tribunais.

O ministro citou o acórdão no julgamento da Representação nº 1.092, voto do ministro Djaci Falcão, lembrando ainda, o fenômeno da recepção.

Para ilustrar transcrevemos a ementa:

Processo:
Rp 1092 DF
Relator(a):
Min. DJACI FALCAO
Julgamento:
31/10/1984
Órgão Julgador:
Tribunal Pleno
Publicação:
DJ 19-12-1984 PP-21913 EMENT VOL-01363-01 PP-00027 RTJ VOL-00112-02 PP-00504

Ementa
RECLAMAÇÃO. INSTITUTO QUE NASCEU DE UMA CONSTRUÇÃO PRETORIANA, VISANDO A PRESERVAÇÃO, DE MODO EFICAZ, DA COMPETÊNCIA E DA AUTORIDADE DOS JULGADOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUA INCLUSAO A 2.10.57, NO REGIMENTO INTERNO DO ÓRGÃO MAIOR NA HIERARQUIA JUDICIAL E QUE DESFRUTA DE SINGULAR POSIÇÃO. PODER RESERVADO EXCLUSIVAMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE "O PROCESSO E O JULGAMENTO DOS FEITOS DE SUA COMPETÊNCIA ORIGINARIA OU RECURSAL", INSTITUIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 (ART-115, PARAG-ÚNICO, LETRA C, HOJE ART-119, PAR-3., LETRA C). COMO QUER QUE SE QUALIFIQUE - RECURSO, AÇÃO, OU MEDIDA PROCESSUAL DE NATUREZA EXCEPCIONAL, E INCONTESTAVEL A AFIRMAÇÃO DE QUE SOMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE PRIMACIALMENTE, DA PREVISÃO INSERIDA NO ART-119, PAR-3., LETRA C, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, E DADO NO SEU REGIMENTO INTERNO, CRIAR TAL INSTITUTO, NÃO PREVISTO NAS LEIS PROCESSUAIS. O REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS AO CRIAR A RECLAMAÇÃO, NOS SEUS ARTS. 194 A 201, "PARA PRESERVAR A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL OU GARANTIR A AUTORIDADE DAS SUAS DECISÕES", VULNEROU OS PRECEITOS CONSTANTES DO ART-43 C/C O ART-8., INC-XVII, LETRA B, ART-6. E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, E DO ART-119, PAR-3., LETRA C, DA LEI MAGNA. REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA DE VOTOS.

Por fim, o ministro acolheu o argumento dos advogados dos réus segundo o qual a inexistência de uma instância revisora retira dos réus o direito ao reexame da decisão ferindo o direito à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição, previstos na Constituição.

Invocou o Pacto de San José do qual o Brasil é signatário  que prevê o direito ao reexame das decisões aos acusados em processo penal, citando precedentes.

Finalizou sua fala de duas horas e cinco minutos com Pontes de Miranda: "o interesse protegido não é particular, mas público".

Após o intervalo, foi sorteada a relatoria dos infringentes, que caberá ao ministro Fux, para desagrado dos advogados dos réus, eis que, nomeado relator contrário ao cabimento do recurso.


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