quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A quarentena contagiosa

Determina a Constituição Federal: “Aos juízes é vedado: exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”.
Esclareça-se que advogar não pode, mas emitir pareceres, pode.
Em maio de 2013 o Pleno da OAB decidiu à unanimidade estender a quarentena imposta ao magistrado a todo o escritório. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União na terça-feira (3/9).
O time dos juízes chiou na hora, é discriminação e preconceito, disse Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), desembargador Nelson Calandra. Não disse exatamente assim, mas resumindo, é isso mesmo. As frases são longas, contundentes e até ferinas. Como se sabe, Calandra é ferrenho defensor de sua classe.
Aqui no Blog temos opinião formada que pode ser revista a qualquer momento, se a argumentação for sólida o bastante. Estamos abertos. Como Teori que teve a coragem de rever seus votos nos embargos da AP 470.  Gente, é preciso ter coragem e ser juiz de verdade.
A opinião formada sobre o tema contém até um sed contra (mas contra). Dirão alguns, aí reside a beleza do Direito. Ou seu tormento, dirão outros.
Aposto que estão curiosos. Antes vamos ouvir o que disse o mestre florentino e padrinho deste Blog sobre o assunto, aviso que o italiano não era fácil:
“Os magistrados aposentados, que se põem a exercer a advocacia depois dos setenta, dão prova de um espírito de imitação que, pela sua segura capacidade de escolher o pior, muito se assemelha ao dos rapazes, os quais, como é notório, dentre tudo o que fazem e dizem os grandes, sabem escolher e repetir acuradamente apenas os gestos inconvenientes e os palavrões. Assim fazem os ex-magistrados quando se põem já velhos, a imitar os gestos e as entonações dos advogados. Durante quarenta anos estiveram face a face com os defensores e puderam aquilatar seus costumes, no bom e no mau, seus vícios e virtudes. Mas das virtudes não se deram conta, ou se esqueceram; lembram-se apenas dos vícios e os imitam: a velhacaria, a indiscrição, a intromissão, a prepotência, a verbosidade, todas elas agravadas por certa presunção de autoridade, que o ex-magistrado já não tem mas que ostenta como se ainda tivesse. Imitatio in peius: aquele presidente que até ontem rangia os dentes se o defensor à sua frente ousava falar mais de dez minutos, hoje, que é advogado, fala duas horas sem se cansar, e se indigna se os outros bocejam. Há porém uma desculpa. Durante quarenta anos teve de saber ficar calado, pregado em seu assento, escutando (ou fingindo escutar), os discursos alheios – quarenta anos de resignado silêncio, pesados como uma pedra tumular. Mas agora, finalmente, chegou a hora da vingança! Com um estrépito de eloquência, a pedra vai pelos ares: agora sou eu quem fala, aprendam os outros a calar!" (CALAMANDREI, Piero, Eles, os juízes, vistos por um advogado, p. 357/358, Martins Fontes, São Paulo, 2000).
Tudo bem, não é o tema mesmo. Foi só para provocar. O que está em jogo não é o defeito mas a influência, o tráfico dela, a diferença de tratamento entre ex-juízes e advogados, diferença que fere o princípio da isonomia entre as partes.
Daí a estender a quarentena a todos os advogados do escritório é um pouco demais. Neste caso, pensamos que a OAB foi mais realista que o rei. Foi além, escreveu demais, d – e – m - a – i – s, como diria o professor Dilvanir José da Costa. O que os pobres (advogados da banca) têm com isso? A OAB enquadrou geral.
E o sed contra? Seguinte: se os advogados podem integrar a magistratura pelo quinto constitucional, passando para o lado de lá do cancelo, por que não podem os magistrados que se aposentam, após a quarentena, passar para o lado de cá?
Foi a primeira vez que coincidimos de opinião com o Calandra. Estamos preocupados.
Queixam os novos advogados temporões algum preconceito. Os novos juízes egressos do quinto pela OAB também sofrem. Estamos empatados, é aguentar os ônus, não são tantos assim.
Tivemos notícia que a Ellen Gracie (ex-presidente do STF) está advogando no estado do Rio de Janeiro. Há alguma isonomia (igualdade) nisso? Claro que não. Mas é assim, desde que o mundo é mundo. Já diziam os antigos, lé com lé, cré com cré (cada um com seus iguais, senão, dá problema). Negritamos, pois, muito importante, esses antigos sabiam das coisas.
Você, caro advogado que não é ex-juiz, tem medo de advogar contra a Ellen Gracie ou outros medalhões menos votados? Claro que sim, que não somos loucos. Sed contra (agora vamos abusar), há em cada advogado uma centelha de loucura, que acha até bom.
Outro dia mesmo, tivemos a oportunidade de ver nuns autos petição de emérito professor laureado, pós isso e aquilo, livros e tudo o  mais. Estranhamos um pouco a inventividade. No fim das contas, preferimos a simplicidade, quando tem firula demais, pode desconfiar, é Direito de menos. Mas as burras, essas sim, devem estar cheias. Mas isso é assim desde que o mundo é mundo.

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