sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O DIREITO À ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS PROVENTOS E PENSÕES DOS PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES E IRREVERSÍVEIS: NA BUSCA POR UMA INTERPRETAÇÃO JUSTA E IGUALITÁRIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO





      








Raphael Silva Rodrigues
Advogado em Belo Horizonte.
Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Processual e em Direito do Trabalho pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), de Gestão de Tributos pelo Centro Universitário Newton Paiva, e de Direito e Processo Previdenciário pelo Centro Universitário de Belo Horizonte - Unibh.

 

1. CONTEXTO INICIAL

É muito comum verificarmos situações em que mesmo possuindo a prerrogativa necessária para a obtenção do benefício de isenção do Imposto de Renda (pensionista e portador de doença grave e incurável), alguns cidadãos vêm sendo obrigados a recolher o valor do imposto incidente sobre os seus proventos ou valores recebidos a título de pensão, já que a patologia da qual são acometidos não se encontra relacionada dentre aquelas previstas no artigo 6º, XIV, da Lei n.º 7.713/1988[1].

Apenas para contextualizar, num caso hipotético, podemos ter a situação em que a partir da análise do laudo pericial médico de um cidadão interessado em obter a isenção de Imposto de Renda sobre os seus proventos de aposentadoria ou valores recebidos a título de pensão, haja vista que possui uma doença grave e irreversível, é verificado que, embora padeça de enfermidade grave, não seria esta concessiva da isenção prevista na Lei n.º 7.713/88, posto não constar do rol contido no inciso XIV do seu artigo 6º. Entretanto, ao mesmo tempo, tal laudo deixa claro que a doença que o acomete é muito grave, deletéria e sacrificante tanto quanto as que estão elencadas na mencionada legislação.

No entanto, conforme se demonstrará a seguir, tal interpretação não pode ser tolerada pelo Poder Judiciário, tendo em vista seu nítido caráter excludente e totalmente contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, insculpidos na Constituição Federal de 1988, bem como nos artigos 6º e 196, também da Carta Magna.

2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição Federal de 1988 erigiu como pilar supremo de sua fundamentação, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF/88), de modo que o referido princípio insere-se dentro da categoria de direitos imanentes ao ser humano, ou seja, mereceriam tutela estatal independentemente de ser agasalhados pela ordem jurídica, porquanto revelam parcela indeclinável da natureza humana.

Ou seja, a dignidade da pessoa humana é um valor constitucional supremo, de modo que se revela como núcleo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais.


A dignidade é um atributo de todo ser humano, sendo que a própria Constituição Federal impõe-se um dever de proteção e promoção desta dignidade, não só destinado ao Poder Público, mas a todos os cidadãos.

Como desdobramento de seus fundamentos e sensível ao fato de que a população brasileira necessita de ações positivas da sociedade e do Estado para o pleno exercício dos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 apresenta diversos dispositivos relativos à preservação daqueles direitos inerentes a todo ser humano.
         
Luís Roberto Barroso ensina:

Na esteira do Estado intervencionista, surgido do primeiro pós-guerra, incorporam-se à parte dogmática das Constituições modernas, ao lado dos direitos políticos e individuais, regras destinadas a conformar a ordem econômica e social a determinados postulados da justiça social e realização espiritual, levando em conta o indivíduo em sua dimensão comunitária, para protegê-lo das desigualdades econômicas e elevar-lhe as condições de vida em sentido mais amplo. (in “O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas”; 3ª ed.; Rio de Janeiro: Renovar. 1996; p. 114).

Observa-se que a dignidade da pessoa humana, com seus consectários lógicos, como o piso mínimo vital deve ser garantida a todos os seus indivíduos, o que abarca a proteção à liberdade, à cidadania, ao bem estar social, à saúde, à propriedade, à segurança, enfim, a uma pluralidade de interesses cuja garantia está atrelada a preservação da dignidade da pessoa humana. 

A dignidade da pessoa humana revela que o Poder Público tem uma obrigação natural positiva e negativa, sendo que deve assegurar o piso mínimo vital a todos os cidadãos e conter práticas que possam afastá-lo da plenitude de acesso a ele ante a premência de sua estrutura para a vida em sociedade e para a preservação de todo o ordenamento jurídico e da força do direito como elemento de regramento ético-social comportamental.

          Como bem assevera o Ministro Celso de Mello[2]:

[...] o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República.

Sendo assim, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, há que se concluir que, possuindo moléstia grave e irreversível que justifique a exclusão de seus proventos da incidência do Imposto de Renda, tal cidadão jamais poderá deixar de auferir os benefícios da isenção fiscal quando tenha comprovada necessidade de enfrentar gastos extraordinários para coibir o retorno de tal enfermidade.

3. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA: PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES

Como visto, não tem sido incomum depararmos com a situação em que uma pessoa tem sido diagnosticada portadora de doença grave e incurável, reconhecida em laudo pericial formalizado por profissional médico.

Exatamente nessa situação, as pessoas que nela se encontram buscam minimizar os custos para enfrentar o dispendioso tratamento médico. A princípio, pensamos que assiste a esse tipo de cidadão o direito à isenção do Imposto de Renda sobre os seus proventos de aposentadoria ou valores recebidos a título de pensão, dos quais são descontados mensalmente na sua folha de pagamentos.

Dispõe o artigo 6º, XIV e XXI, da Lei n.º 7.713/88, in verbis:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
[...]
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;
[...]
XXI - os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão.

O referido dispositivo legal se refere a enunciado normativo com conteúdo material tributário, tutelando a saúde da pessoa aposentada ou pensionista que, pelo acometimento de moléstia grave, encontram-se carecendo de tratamento especializado, tendo a isenção legislada, o escopo de amparo indireto do cidadão pelo ente estatal, de forma a possibilitar a pessoa, por meio de isenção no Imposto de Renda, melhores condições financeiras para o custeio do tratamento e preservação da sua saúde.

Ao regulamentar a legislação em questão, o Poder Executivo, por meio do Decreto n.º 3.000/99 (RIR), da mesma forma, limitou a concessão da isenção do Imposto de Renda. Veja-se:

Art. 39.  Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
[...]
XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão;
[...]
XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

Verifica-se que o legislador, ao estabelecer a isenção tributária erigida pelo artigo 6º, XIV e XXI, da Lei n.º 7.713/88, tutela, sobretudo, a saúde do cidadão brasileiro que se encontra com idade avançada, que aposentado, já se encontra desgastado pelos inúmeros anos de trabalho e por esta razão com a saúde mais fragilizada, encontrando-se mais susceptível as nefastas consequências de uma moléstia grave.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 trata da dignidade da pessoa humana e da cidadania como fundamentos da República Federativa do Brasil (incisos II e III do artigo 1º), e, como objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (incisos I e IV do artigo 2º).

E como desdobramento de seus objetivos e fundamentos e sensível ao fato de que as pessoas com doenças graves necessitam de ações positivas da sociedade e do Estado para o pleno exercício dos direitos fundamentais, a Constituição Federal apresenta diversos dispositivos relativos à proteção social daqueles que necessitam de amparo na área da saúde.

Por exemplo, o direito a saúde do cidadão é norma constitucional esculpida no artigo 6º, tendo seu conteúdo normativo garantidor complementado pelo artigo 196 da CF/88, que determina o dever estatal de fomento da saúde por meio de ações positivas do Estado, de forma que os aludidos dispositivos, quando interpretados em confluência a norma tributária regulamentadora, resplandecem a necessidade do acautelamento do caso em concreto, por meio do reconhecimento do direito da demandante, senão veja-se:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
  
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Ou seja, a finalidade da lei, no caso em concreto, é de oportunizar ao portador da moléstia grave melhores condições de tratamento de sua doença, permitindo pelo alívio dos encargos fiscais por ele até então suportados, a realização de acompanhamento médico periódico, de forma que os fatores de risco que estigmatizam o paciente de doença grave possam ser atenuados.

Constata-se, portanto, a existência de um vetor constitucional de promoção de ações visando à tutela das pessoas com problemas de saúde, considerando as dificuldades que estas enfrentam na vida em sociedade, tais como o preconceito, a discriminação, as barreiras físicas e de comunicação, e o acesso ao mercado de trabalho.

A concessão de isenção disciplinada na Lei n.º 7.713/88 insere-se no contexto de concretização do vetor constitucional de proteção das pessoas com doenças graves. Os objetivos de se conceder a isenção do Imposto de Renda são a superação das desigualdades, a inclusão social das pessoas com doenças e o exercício dos direitos fundamentais.

Fixadas essas premissas, fácil perceber que é equivocada e discriminatória a interpretação da Receita Federal do Brasil de excluir o benefício fiscal das pessoas que têm doenças tão graves quanto àquelas previstas na legislação de regência.

A Constituição Federal estabelece como direito fundamental o direito da igualdade (artigo 5º, caput). No campo tributário, tem-se como corolário o princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, II, da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Como se denota, a garantia de tratamento uniforme pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais está na Carta Magna e não é dado ao legislador ou aplicador da Lei criar exceções ao tratamento igualitário, sob pena de criar odiosa discriminação, ofendendo frontalmente a Constituição.

Ora, a realização da justiça não pode, sempre, aguardar a atuação do legislador, cabendo ao magistrado, em casos excepcionais, afastar as regras para implementar a justiça, com base nos princípios informadores do ordenamento jurídico.

A concessão da medida que ora de pleiteia não infringe o princípio da legalidade tributária (artigos 5º, II, e 150, I, da CF/88), uma vez que o mesmo constitui garantia do contribuinte, e não um óbice à realização da justiça material, mediante a aplicação do princípio da isonomia tributária.

Sobre esta vinculação, cite-se o magistério de Paulo de Barros[3]:

O desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado da exegese, é algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como método interpretativo do direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, que sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia jurídica, estariam credenciados a elaborar as substâncias das ordens legisladas, edificando as proporções do significado da lei. [...] O jurista, que nada mais é que um lógico, o semântico e o pragmático da linguagem do direito, há de debruçar-se sobre os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e imperfeições terminológicas, para construir a essência dos institutos, surpreendendo, com nitidez, a função da regra, no implexo do quadro normativo. E, à luz dos princípios capitais, que no campo tributário se situa ao nível da Constituição, passa a receber a plenitude do comando expedido pelo legislador, livre de seus defeitos e apto a produzir as consequências que lhe são peculiares.

Destaque-se, ainda, que as periódicas inclusões de novas doenças na relação prevista no artigo 6º, XIV, da Lei n.º 7.713/88, a fim de que os portadores respectivos passem a gozar da isenção nele outorgada, só reforça a conclusão trazida nesse artigo, porquanto deixa evidente a deficiência do legislador na capacidade de prever, de antemão, todas as patologias cujos portadores merecem usufruir desta isenção.

Portanto, conclui-se que o indeferimento do benefício aos portadores de doenças similares ou até mais graves daquelas previstas na legislação de regência afronta a ratio legis do benefício fiscal.

4. DA JURISPRUDÊNCIA

Os argumentos ora sustentados acerca do direito à isenção de Imposto de Renda mesmo àqueles que, a despeito de possuírem doença grave e incurável, mas que não se encontra relacionada dentre as doenças arroladas na Lei n.º 7.713/88, já foram reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o aresto a seguir colacionado e que resultou de julgamento de ação envolvendo matéria similar ao tema ora analisado:

Tributário. Administrativo. Aposentadoria Voluntária. Moléstia Grave. Retificação do Ato. Isenção do Imposto de Renda. CTN, art. 111 – Lei 4.506/64 (art. 17, III). Decreto 85.450/80 (art. 22, IX e XI). Decreto 1.041/94 (art. 40, inc. XXVII).
1. Comprovada a moléstia grave, mesmo que a doença seja diagnosticada após o ato de aposentadoria voluntária, os proventos estão sob a aura da isenção do Imposto de Renda (efeito ex tunc). Deveras, o objetivo da isenção decorre da necessidade de não sacrificar demasiadamente os proventos com os dispendiosos gastos com o tratamento da enfermidade grave. [...]. (REsp n.º 141.509/RS, Rel. Min. Luiz Pereira, 1ª Turma, DJ 17.12.1999)

A mesma linha de raciocínio foi utilizada em outros precedentes dos Tribunais Regionais Federais da 1ª e 4ª Regiões, conforme demonstram os seguintes julgados:

TRF da 1ª Região


IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 6º, INCISO XIV, DA LEI 7.713/1988. PESSOA PORTADORA DE DISTONIA CERVICAL. DOENÇA GRAVE E INCURÁVEL, NÃO ESPECIFICADA EM LEI. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA, EM DETRIMENTO DA REGRA DA INTERPRETAÇÃO LITERAL, DA LEI QUE OUTORGA ISENÇÃO, E DO ENTENDIMENTO DE QUE A RELAÇÃO LEGAL É EXAUSTIVA. 1. Conclusão da perícia oficial, ratificada pelo assistente técnico da Fazenda Nacional, no sentido de que a autora padece de distonia cervical, doença grave e incurável, porém não especificada na Lei 7.713/1988 (Artigo 6º, inciso XIV). 2. No confronto entre princípios e regras, deve ser dada prevalência aos primeiros. Precedentes desta Corte. 3. Aplicação do princípio da isonomia tributária, que veda às entidades políticas "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente" (Carta Magna, artigo 150, inciso II), em detrimento das regras legais da interpretação literal da lei que outorga isenção (Código Tributário Nacional, artigo 111, inciso II), e da enumeração exaustiva das doenças graves, para esta finalidade, uma vez que, segundo o laudo pericial, a autora padece de patologia incurável, e de gravidade similar à daquelas relacionadas na Lei 7.713/1988 (Artigo 6º, inciso XIV), a fim de que ela passe a gozar da isenção requerida. 4. Apelação a que se nega provimento. (AC n.º 0008236-28.2004.4.01.3300/BA, Rel. Des. Federal Leomar Barros Amorim de SOUSA, Rel. Conv. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Conv.), 8ª Turma, DJ 18.04.2008)


TRF da 4ª Região


TRIBUTÁRIO. PRESUNÇAO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS NAO IMPUGNADOS. INOCORRÊNCIA. DIREITOS INDISPONÍVEIS. PRESCRIÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. LEI 7713/88. LEI 9250/95. MAL DE ALZHEIMER. TERMO INICIAL.
1. [...]
2. Considerando que contra Maria Branco Câmara não corria prescrição, porquanto incapaz, nos termos dos arts. 169, inciso I, e 5º, inciso I, ambos do Código Civil de 1916, e do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios, e que entre a data do óbito e o ajuizamento da presente demanda, não transcorreu interregno suficiente ao reconhecimento, em prejuízo dos herdeiros, da ocorrência de prescrição quinquenal, merece provimento, no ponto o apelo da autora, restando prejudicado o apelo da União.
3. A Lei n 7.713/88 instituiu a isenção, ao portador de doença grave, do imposto de renda retido na fonte sobre as parcelas recebidas a título de aposentadoria/reforma.
4. A mens legis da isenção é não sacrificar o contribuinte que padece de moléstia grave e que gasta demasiadamente com o tratamento.
5. Embora o Mal de Alzheimer não esteja expressamente previsto nos róis dos arts. 6°, inciso XIV, da Lei n° 7.713/88 e art. 39, XXXIII, do Decreto nº 3.000/99, a jurisprudência dessa Corte e do STJ, reconhecem o direito à isenção considerando que a doença, nos seus estágios mais elevados, caracteriza-se pelo quadro de demência, alienação mental, hipótese prevista em lei como autorizadora à isenção do tributo.
6. As provas juntadas aos autos demonstram suficientemente que Maria Branco Câmara sofria de alienação mental desde 26/09/1996, dez anos antes da perícia nos autos da medida cautelar de produção antecipada de prova nº 2006.70.00.009001-7/PR. (AC n.º 5044564-59.2012.404.7000/PR, Rel. Des. Federal Jorge Antônio Maurique, 1ª Turma, DJ 11.12.2013) 


TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. DOENÇA MAIS GRAVE QUE AS ELENCADAS NA LEI ISENTIVA. INTERPRETAÇÃO. PRESCRIÇÃO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A doença que acomete a autora é grave, exacerbada pela fibromialgia e pelo hipotireoidismo.
2. Não resta qualquer sinal de dúvidas quanto à gravidade do quadro clínico de que padece a autora, sendo inegável a degeneração da região vertebral lombar e sacral, quadro esse extremamente piorado em razão da fibromialgia.
3. O legislador, ao editar a Lei 7.713/88, procurou elencar as enfermidades graves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, além de condição de saúde de extrema precariedade, ainda o viés do alto custo com o tratamento da mesma. Isso posto, parece-me óbvio que a intenção do legislador ao editar tal norma foi claramente de desonerar aqueles que, em decorrência de problemas graves de saúde, possuem elevados gastos em seu tratamento.
4. Tendo em vista as particularidades do caso concreto, minuciosamente demonstrada, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: ajudar na preservação da vida e na manutenção do tratamento extremamente necessário, sem com isso prejudicar o normal atendimento das necessidades básicas da autora.
5. Com efeito, resta plenamente configurada a necessidade da recorrente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida.
6. Assim sendo, faz jus a demandante à isenção do imposto de renda quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria. (AC n.º 5011822-49.2010.404.7000/PR, Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik, 1ª Turma, DJ 04.08.2011)


O voto do Exmo. Desembargador Relator proferido no julgado acima traz mais detalhes sobre o posicionamento então adotado, merecendo destaque a seguinte passagem:
A mens legis da isenção é não sacrificar o contribuinte que padece de moléstia grave e que gasta demasiadamente com o tratamento, beneficiando-o com a isenção de imposto de renda na fonte.
Em que pese a determinação imposta pelo artigo 111 do CTN, consistente na exigência de interpretação literal da legislação tributária que outorgue isenção, tenho que essa regra não pode ser aplicada isoladamente, nem entendida como obstáculo a uma interpretação teleológica.
[...]
Nesse andar, penso que o legislador, ao editar a Lei 7.713/88, bem como as demais sucessivas alterações legislativas, procurou elencar as enfermidades graves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, além de condição de saúde de extrema precariedade, ainda o viés do alto custo com o tratamento.
Isso posto, parece-me óbvio que a intenção do legislador ao editar tal norma foi claramente desonerar aqueles que, em decorrência de problemas graves de saúde, possuem elevados gastos em seu tratamento. Com efeito, não se pode, simplesmente, subsumir ao comando literal da lei o caso concreto sem aprofundamento aos seus vieses semânticos.
Conforme bem ressaltado pela ilustre Des. Federal Tânia Escobar, "a lei, no momento que passa a viger, se desagrega do legislador e se incorpora ao restante do sistema. Portanto, a interpretação literal dada pelo órgão fazendário ao inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/88 não pode prevalecer. Necessário empreender uma interpretação teleológica do referido dispositivo, de modo a atingir sua melhor aplicação para a sociedade".
Efetivamente, temos que ter em mente que problemas de saúde, por óbvio, sempre causam transtornos, gastos imprevisíveis, despesas com medicamentos, se não de maneira permanente, até a completa estabilização da condição física do adoentado.
Tendo em vista as particularidades do caso concreto, minuciosamente demonstrada, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: ajudar na preservação da vida e na manutenção do tratamento extremamente necessário, sem com isso prejudicar o normal atendimento das necessidades básicas da autora.
Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim. considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, principalmente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana.
Com efeito, resta plenamente configurada a necessidade da recorrente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida.
Ademais, os valores de que a União seria privada não afetam substancialmente a arrecadação federal e nem causam prejuízo significativo ao erário público.
Assim sendo, tenho que faz jus a demandante à isenção do imposto de renda quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria.

O princípio da isonomia tributária deve prevalecer sobre as regras legais da interpretação literal e da enumeração exaustiva das hipóteses de isenção por doença grave, uma vez que segundo o laudo pericial, pode o cidadão padecer de patologia incurável, e de gravidade similar à daquelas relacionadas na Lei n.º 7.713/1988, a fim de que ele passe a gozar da isenção requerida.

De outra parte, a interpretação literal, mandada observar, no caso, pelo artigo 111, III, do CTN, não exclui a incidência dos demais elementos utilizados na interpretação jurídica. Neste sentido:

O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas. (STJ, REsp n.º 192.531/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ 16.05.2005)

No seu voto, salientou o Exmo. Ministro Relator:

Não se deve concluir, como faz crer a recorrente, que o disposto no art. 111, II, do CTN, estaria a vedar a aplicação de outros métodos de interpretação que não a literal. Não, por esse entendimento não deve trilhar o aplicador do direito, já que "una justa ponderación de los elementos gramatical, lógico-sistemático, histórico y finalista o teleológico, parece el modo más seguro de llegar a una interpretación que posea un valor de verdade y rectitud" (LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA, Filosofia del Derecho, p. 551, Bosch, Casa Editorial, S.A – 5ª edición).
Nesse mesmo diapasão, o escólio de HUGO DE BRITO MACHADO, ao escrever que:
"[...] a regra do art. 111 do Código Tributário Nacional há de ser entendida no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali mencionadas não comportam interpretação ampliativa nem integração por equidade. Sendo possível mais de uma interpretação, todas razoáveis, ajustadas aos elementos sistemático e teleológico, deve prevalecer aquela que mais se aproximar do elemento literal. É inadequado o entendimento segundo o qual a interpretação das normas reguladoras das matérias previstas no art. 111 do Código Tributário não admite outros métodos, ou elementos de interpretação, além do literal. O elemento literal é de pobreza franciscana, e utilizado isoladamente pode levar a verdadeiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve utilizar todos os elementos da interpretação, especialmente o elemento sistemático, absolutamente indispensáveis em qualquer trabalho sério de interpretação, e ainda o elemento teleológico, de notável valia na determinação do significado das normas jurídicas”. (Curso de Direito Tributário, pp. 92/93, Malheiros Editores, 16ª edição/1999).

Assim sendo, a aplicação do elemento teleológico, no caso, também conduz ao reconhecimento da pretendida isenção, porque não há dúvidas de que o objetivo da outorga deste favor fiscal é minorar a situação financeira dos aposentados que são acometidos por doenças graves, porquanto a maior parte dos recursos deles é direcionada ao custeio do tratamento médico, à aquisição de medicamentos e ao atendimento de outras despesas, ocorrentes nestes casos, tais como a contratação de profissionais na área da saúde.

Resta claro que os Tribunais pátrios têm reconhecido de forma reiterada que a determinação imposta pelo artigo 111 do CTN, consistente na exigência de interpretação literal da legislação tributária que outorgue isenção, não pode ser aplicada isoladamente, nem entendida como obstáculo intransponível para uma interpretação teleológica no caso concreto.

Dessa forma, verifica-se que o cidadão tem o direito à isenção legal do Imposto de Renda por ser portador de patologia de gravidade similar àquelas arroladas na Lei em referência, considerando o fato de que é portador de patologia de natureza incapacitante e irreversível, caso tal situação seja previamente constatada em laudo médico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da ausência de norma autorizativa expressa, acreditamos que o ordenamento jurídico confere a possibilidade de qualquer cidadão portador de doença grave, não passível de controle (irreversível), ser tutelado, desde que devidamente comprovado por laudo pericial médico, pela isenção do Imposto de Renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria ou pensão em benefício próprio.
  
Restou demonstrado ao longo do presente artigo que a restrição contida na Lei n.º 7.713/88 e no Decreto n.º 3.000/99, notadamente a de que a isenção do Imposto Renda somente seria concedida ao portador de doenças previstas nas respectivas legislações, afronta diretamente os princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88), da isonomia (artigos 5º, caput, e 150, II, da CF/88), e aos artigos 6º e 196 da Constituição Federal.

Isso porque, o princípio da igualdade, seja ela formal ou material, é norteador do Direito pátrio, em todas as suas ramificações, inclusive tributária, e está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º.  Ou seja, a igualdade constitui princípio jurídico específico da tributação, segundo o qual deve ser conferido, pela entidade tributante, tratamento uniforme a todos que se encontre em situações assemelhadas. Daí a disposição constitucional que garante tributação uniforme em todo território nacional.

Demonstrou-se, ainda, que, resta patente a incapacidade humana de prever todas as situações de gravidade garantidoras do benefício da isenção tributária prevista na Lei n.º 7.713/88. Inerente, inclusive, à evolução dos tempos o surgimento de novas e graves patologias, de modo que não é possível deixar de conferir referido benefício àqueles que se encontram em situação idêntica, mas que, pela própria deficiência humana de prever todos os infortúnios da vida, a doença de que é portador não consta do rol legal.

Portanto, a exegese dos dispositivos constitucionais acima mencionados, à luz dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, impõe a extensão do benefício legalmente previsto também aos portadores de doenças graves e irreversíveis não previstas no artigo 6º, XIV, da Lei n.º 7.713/88, tendo em vista que a finalidade desse benefício é diminuir os sacrifícios dos enfermos, aliviando-os dos encargos financeiros.






[1]Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: [...].
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

[2] STF. RE n.º 271.286/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo STF n.º 210, de 22.11.2000, p. 3.

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p.104.

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