Caros leitores, a semana acabou e antes de embarcar no fim de semana deixo o registro do cotidiano dos advogados, recortado para vocês direto do saguão do Anexo do Tribunal de Justiça da Rua Goiás, em Belo Horizonte, hoje à tarde.
O saguão é belo, piso de granito, lustres de cristal, tapetes orientais, do lado de cá sofás em couro preto chesterfield, (aquele almofadado com botões). Do lado de lá, é tão grande o saguão, suponho, daqui, que os sofás e poltronas sejam um tom de lilás, em tecido.
Há uma penumbra a qualquer hora do dia, provocada pelas portas de vidro fumê. Neste ambiente de calma e silêncio me ocupava em remontar uma pasta com plásticos, tarefa inglória num sofá, mesmo um chesterfield.
Pedi licença para usar o balcão das recepcionistas. Enquanto continuava a tarefa vi chegar dois jovens advogados, muito jovens, e como são os jovens, sorridentes. Queriam falar com o desembargador Tal. Nos cumprimentamos como advogados que se reconhecem. Feito o reconhecimento de iguais, não resisti e indaguei: conhecem o desembargador?
Não, disseram sempre sorridentes. Lembrei, então, internamente, do despacho daquela liminar num mandado de segurança, às 17:30h de uma sexta-feira, para um concurso público no domingo seguinte. Inesquecível. E vendo-os assim tão sorridentes e à vontade, quase displicentes em seus ternos, avisei: preparem-se.
Ainda animado, um deles disse: vamos torcer para ele estar de bom humor.
Este não é o ponto, estar ou não o magistrado de bom humor, mas não havia tempo para discorrer sobre o tema. E como colega mais vivida, apenas disse, à guisa de conselho ou antídoto: "É permanecer na postura de advogado".
E foram os jovens para o batismo de fogo. Voltaram logo, de crista baixa, devidamente batizados. Nada sobrou da alegria juvenil.
Com olhar e voz baixos dirigiram-se novamente à recepcionista, queriam agora falar com a desembargadora Tal, que infelizmente não estava no gabinete. Uma pena, teriam sido recebidos com fidalguia e sairiam do tribunal mais confortados com a beca (na pele de advogado).
Da próxima, não sorrirão tanto, se até lá não desistirem de advogar. Sim, a advocacia não é um mar de rosas, é feita mais de urzes. Também eu hoje no tribunal tive um dia enigmático que redundará em reflexões, talvez compartilhadas. Ou não.
Segue a reflexão imediata, de hoje: as classes idealizam ou demonizam-se umas às outras, por desconhecimento. É salutar um ponto de interseção, um diálogo. Um vislumbre apenas, às vezes, diminui a distância e lança um pouco de luz sobre o oculto do aparente.