A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP condenou,
solidariamente, a TV Globo e a apresentadora Ana Maria Braga a indenizar em
R$150 mil, por danos morais, uma juíza de Direito. A apresentadora afirmou,
durante o programa Mais Você, que a sentença da magistrada que liberou um
criminoso por bom comportamento acarretou a morte de uma mulher.
A emissora e a apresentadora alegaram que Ana Maria Braga não devia fazer
parte do polo passivo da ação, pois é profissional contratada da TV
empregadora, e que o comentário em questão estava imbuído de interesse coletivo
e amparado no legítimo dever de informar.
O desembargador Neves Amorim, relator, afastou a tese
de ilegitimidade passiva da apresentadora, baseando-se na súmula 221 do STJ, a
qual diz que "são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de
dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o
proprietário do veículo de divulgação". Ele também apontou
o teor excessivo dos comentários tecidos contra a juíza: "o
interesse público a que se referem os recorrentes de fato está presente na
notícia, contudo a forma como fora apresentada ao público extrapolou o direito
constitucional de crítica, livre manifestação do pensamento e o do dever de
informar da imprensa". Processo: 0124974-31.2008.8.26.0002 (Fonte: Migalhas, 05/06/2012).
Veja a íntegra da decisão.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0124974-31.2008.8.26.0002, da
Comarca de São Paulo, em que são apelantes GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO S/A
e ANA MARIA BRAGA
MAFFEI sendo apelado L.V.C.S.S.
ACORDAM,
em 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O
julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUÍS FRANCISCO
AGUILAR CORTEZ (Presidente) e JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.
São
Paulo, 29 de maio de 2012.
Neves Amorim
RELATOR
PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação
nº 0124974-31.2008.8.26.0002
Apelante:
Globo Comunicação e Participação S.A. e outro.
Apelado:
L.V.C.S.S.
Comarca:
São Paulo - 7ª Vara Cível do Foro Regional de II/Santo Amaro - Processo nº
124974-0/2008.
Voto
n° 14934
EMENTA:
RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - LEGITIMIDADE DA
CORRÉ/ APRESENTADORA PRESENTE - APLICAÇÃO DA SÚMULA 221 DO STJ - RÉ, QUE EM
PROGRAMA DE TV, CRITICA DECISÃO JUDICIAL, CITANDO O NOME DA JUÍZA/AUTORA,
ARGUMENTANDO QUE ESTA LIBEROU CRIMINOSO POR BOM COMPORTAMENTO O QUE VEIO
ACARRETAR A MORTE DA VÍTIMA – FATOS RELATADOS PELA CORRÉ APRESENTADORA
INFUNDADOS - DECISÃO JUDICIAL QUE SE EMBASOU EM DEPOIMENTO DA PRÓPRIA VITIMA,
QUE AFIRMOU A AUSÊNCIA DE PERICULOSIDADE DO CONDENADO - NOTÍCIA TENDENCIOSA E
SENSACIONALISTA QUE TENTOU FAZER COM QUE OS TELESPECTADORES INSURGISSEM-SE
CONTRA A AUTORA - DANOS MORAIS EVIDENTES – VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE
INDENIZAÇÃO CONDIZENTE COM A POSIÇÃO SOCIAL DA AUTORA E A MAGNITUDE DAS CORRÉS,
TENDO CARÁTER PUNITIVO E COIBITIVO – REITERAÇÃO DOS TERMOS DA SENTENÇA PELO
RELATOR - ADMISSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA - ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO -
PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 252 DO REGIMENTO INTERNO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
RECURSO
IMPROVIDO.
Trata-se
de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente a
presente ação de indenização por danos morais, condenando as rés ao pagamento,
solidariamente, ao valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil) (fls.
142/174).
Apelam,
em conjunto, os correqueridos, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade
passiva da corré Ana Maria
Braga , por esta se tratar apenas de preposta emissora. No
tocante ao mérito, sustentam, em apertada síntese, que o comentário em questão
está imbuído de inegável interesse coletivo e amparado pelo direito
constitucional de crítica e livre manifestação do pensamento, amparado também,
no legítimo dever de imprensa. Argumenta que as acusações feitas pela corré Ana
Maria não tem o condão de gerar qualquer indenização, posto que devidamente
vinculadas ao contexto fático que estava sendo discutido. Por fim, caso seja
mantida a sentença recorrida, pugnam pela redução do quantum indenizatório,
utilizando-se os parâmetros de moderação e razoabilidade.
Regularmente
processada, vieram aos autos contrarrazões (fls. 255/278).
É
o relatório.
Em
que pese à argumentação das requeridas, não cabe provimento ao recurso.
Quanto
à preliminar de ilegitimidade passiva da corré Ana Maria Braga , não cabe razão
aos recorrentes.
Trata-se
a corré Ana Maria de profissional contratada pela correquerida emissora, desta
forma, inegável a sua legitimidade para figurar no polo passivo da presente
ação, sendo direito da requerente de ingressar com a causa individualmente ou
concomitantemente, como na presente ação, estando este entendimento, em
sintonia com a jurisprudência Superior Tribunal de Justiça, que já é objeto da
súmula 221:
“São civilmente responsáveis pelo
ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do
escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”
Desta
forma, rejeito a preliminar.
No
tocante ao mérito, melhor sorte não cabe aos recorrentes.
No
caso sub examine, pleiteia a autora indenização por danos morais supostamente
causados pela apresentadora de programa televisivo da emissora ré.
Depreende-se
da leitura dos autos, que a sentença proferida pela autora fora pautada no
parecer do Ministério Público que se manifestou a favor da liberação do
denunciado, visto que a própria vítima, em depoimento, apontava a ausência de
periculosidade do condenado, contudo, em liberdade provisória veio a
assassina-la.
Ora,
não há nenhum indício de que a autora tenha decidido fora do regramento
jurídico ou de que tenha fundamentado a sentença em provas que não estavam nos
autos em debate.
Ocorre
que sem mencionar tais fatos, a corré Ana Maria em seu programa de televisão “MAIS VOCÊ”,
referiu-se a decisão em questão como se a motivação para liberação do acusado
fosse por bom comportamento.
Desta
forma, ou a corré fora mal instruída sobre o caso ou preferiu declarar opinião
tendenciosa para se aproveitar do sensacionalismo e audiência que pudesse
acarretar a notícia.
Como
bem apontou o MM. Juiz a quo, qual o motivo da apresentadora chamar a atenção
dos telespectadores para que prestassem atenção ao nome da autora, como se esta
tivesse colaborado para a morte da vítima, como se conclui destas frases
proferidas pela corré: “Eu quero falar o nome dessa Juíza para a gente prestar
atenção. Ela, ela, a Juíza é L.V.S..”
É
certo que as decisões judiciais, por serem públicas e por vivermos em um estado
democrático de direito, são passiveis de crítica, contudo, estas devem ser
embasadas em fatos reais e quem as profere é responsável pelos danos a que
possam causar.
Evidente,
que as palavras simplesmente jogadas ao telespectador, tratando de crime
gravíssimo e que causa forte comoção, esboçadas sem nenhum embasamento legal e
fático, tiveram repercussão negativa para a autora, estando caracterizado o
dano moral indenizável.
O
interesse público a que se referem os recorrentes, de fato está presente na
notícia, contudo, a forma como fora apresentada ao público, extrapolou o
direito constitucional de crítica, livre manifestação do pensamento e o do
dever de informar da imprensa.
No
tocante ao valor arbitrado a título de danos morais, R$150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais), considerando o cargo de autoridade judicial que exerce a
autora e, frente à magnitude da corré Rede Globo de Televisão e somadas ao fato
da apresentadora ter um dos maiores salários da televisão brasileira, julgo que
o montante fora fixado de forma moderada e empregando o caráter punitivo que
deve ter a condenação.
No
mais, é de rigor, portanto, a manutenção da r. sentença recorrida, pois as
questões postas em julgamento foram analisadas corretamente mediante criteriosa
avaliação do conjunto probatório, conferindo à causa a mais adequada e justa
solução, razão pela qual resiste claramente às críticas que lhe são dirigidas
nas razões recursais.
Qualquer
acréscimo que se fizesse aos seus sólidos fundamentos constituiria
desnecessária redundância.
A
propósito, o Novo Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, em vigor desde 4 de novembro de 2009, estabelece que, “nos recursos em geral, o relator
poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando,
suficientemente fundamentada, houver de mantê-la”.
O
Colendo Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado essa forma de julgamento:
“PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO
PROFERIDO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RATIFICAÇÃO DA SENTENÇA. VIABILIDADE.
OMISSÃO INEXISTENTE. ART. 535, I, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Revela-se
improcedente suposta ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem,
ainda que não aprecie todos os argumentos expendidos pela parte recorrente,
atem-se aos contornos da lide e fundamenta sua decisão em base jurídica
adequada e suficiente ao desate da questão controvertida. 2. É predominante na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em reconhecer a viabilidade de o
órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença,
inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerro omissão ou
ausência de fundamentação no decisum. 3. Recurso Especial não-provido.” (REsp nº
662.272-RS, Segunda Turma, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA ,
j. 04.09.2007).
No
mesmo sentido: REsp n. 641.963-ES, Segunda Turma, relator Ministro CASTRO
MEIRA, DJ de 21.11.2005, REsp n. 592.092-AL, Segunda Turma, relatora Ministra
ELIANA CALMON, DJ de 17.12.2004 e REsp n. 265.534-DF, Quarta Turma, relator
Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 1.12.2003.
Assim,
pelo meu voto, nego provimento ao recuso.
NEVES AMORIM
Desembargador Relator
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