O Órgão Especial do Tribunal de
Justiça de São Paulo decidiu nesta quarta-feira (3/4) afastar cautelarmente o
desembargador Arthur Del Guércio Filho, presidente da 15ª Câmara de Direito
Público do TJ. Ele é réu em processo administrativo sob a acusação de ter
exigido, na qualidade de terceiro juiz em Agravo de Instrumento, dinheiro de
uma das partes. Ele fica afastado até o término do Procedimento Administrativo
Disciplinar. A decisão foi unânime.
A reforma do apartamento
A história foi levada à
presidência do Direito Público por um juiz aposentado, a quem, segundo o voto
do presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, foi pedido o dinheiro. O juiz, que hoje
atua como advogado, contou ao presidente do Direito Público, desembargador
Samuel Alves de Melo Júnior, que Del Guércio procurou sua filha, que trabalha
com ele, e pediu que fosse ao seu gabinete. Lá, Del Guércio explicou que estava
devendo R$ 35 mil por causa da reforma de seu apartamento e precisaria pagar
até o dia seguinte.
O desembargador teria dito que
não estava vinculando o “empréstimo” ao julgamento do Agravo de Instrumento,
mas que a advogada poderia conversar com o cliente dela para que resolvessem
isso até o dia seguinte. O juiz aposentado pediu, então, para falar com
diretamente com o credor, mas o desembargador disse que não. O caso deveria ser
resolvido diretamente no gabinete.
O caso chamou a atenção de Samuel
Júnior, que dissera já ter ouvido reclamações semelhantes a respeito de Del
Guércio. Ele levou a história ao presidente do tribunal, que decidiu abrir o
Procedimento Administrativo Disciplinar. O próprio juiz aposentado já havia
reclamado que Del Guércio estava faltando com seu dever técnico e profissional
de sigilo a informações de cunho pessoal das partes e advogados envolvidos nos
processos em que atua.
Deplorável conduta, fim do segredo de justiça e
interesse público
A relatoria do caso ficou com
Ivan Sartori. Como se trata de processo administrativo aberto contra
desembargador, a competência para julgar é do presidente do tribunal. Em seu voto, Sartori disse que
“os autos indicam que a deplorável conduta do desembargador retratada nos
depoimentos das duas primeiras testemunhas parece não ter sido fato isolado,
mas coerente com uma linha de comportamento já conhecida e repudiada por seus
pares”.
Isso porque um desembargador da
7ª Câmara de Direito Privado disse ter percebido “uma coisa no mínimo
estranha”: Del Guércio passou a procurá-lo com frequência para propor soluções
a alguns processos de uma maneira “que parecia muito descabida”. Contou ter
entrado no gabinete e ter constatado situações de “muito sigilo” entre peritos
e ele. Cinco grandes escritórios de advocacia já tinham percebido a mesma coisa
e seus representantes afirmaram que Del Guércio sempre os procurava para pedir
dinheiro. “Tudo a sugerir um verdadeiro padrão de comportamento desbordante da
mais comezinha postura que se espera de um magistrado”, anotou Sartori em seu
voto.
O presidente do TJ afirmou que o
artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), em seu inciso I,
determina ao juiz cumprir “com independência” suas funções. Também dá aos
juízes o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública”.
Levantou ainda que a Resolução 60
do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece o Código de Ética da
Magistratura Nacional, diz, no artigo 37, que “ao magistrado é vedado
procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”.
Já o artigo 8º estabelece que “magistrado imparcial é aquele que busca nas
provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de
todo o processo uma distancia equivalente das partes, e evita todo o tipo de
comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Sendo assim, Ivan Sartori
determinou a Del Guércio o prazo de 15 dias para que apresente defesa prévia.
Determinou o afastamento do desembargador de suas atividades durante as
apurações do processo administrativo.
E também decretou o fim do segredo de Justiça do caso, já que os fatos imputados ao desembargador são públicos. “Aliás, as investidas do sindicado contra advogados, como delineado acima, embora retratadas em peças sem força de testemunho, porque despidas do contraditório, mas com força probante bastante, máxime diante dos demais documentos colacionados, já dão conta de que o próprio magistrado, em princípio, não estaria também fazendo questão de guardar sigilo sobre a conduta ora sob estudo, sem contar que o caso passou a ser de hialino interesse público, pelos contornos que lhe são afetos”, afirmou o presidente. (Fonte: Conjur, por Pedro Canário, 05/04/2013).