Completou um ano sem qualquer decisão o procedimento criminal instaurado no Supremo Tribunal Federal para apurar se o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Ari Pargendler agrediu moralmente o estagiário Marcos Paulo dos Santos na agência do Banco do Brasil, no subsolo do STJ, no Distrito Federal. Ele alegou que fora fazer um depósito por envelope e não reconheceu o Ministro que naquele momento estava usando o caixa eletrônico.
No relato de Santos à polícia, o ministro depois de olhar duas ou três vezes para trás, ordenou que ele saísse do local gritando: “Eu sou Ari Pargendler, presidente deste tribunal. Você está demitido”. E então arrancou o crachá, de forma abrupta, do seu pescoço. Declarou ainda, que no mesmo dia o ministro foi ao setor de pessoal solicitar sua demissão. O fato aconteceu no STJ, conhecido com o Tribunal da Cidadania.
No dia 26 de outubro o Supremo Tribunal Federal autuou o procedimento criminal distribuído à relatoria da Ministra Ellen Gracie que se deu por suspeita. O novo relator, Celso de Mello, quebrou o sigilo e enviou os documentos para o Procurador-Geral da República opinar sobre o tipo penal no qual eventualmente o ministro estaria enquadrado. No dia seguinte os autos foram redistribuídos à Subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, que vem a ser mulher do procurador-geral da República. Até hoje os autos não retornaram da procuradoria onde estão há dez meses.
O estagiário demitido não foi ouvido nestes doze meses, diz que entregou o caso “nas mãos de Deus” e que está decepcionado com a “Justiça dos homens.” (Fonte: Folha de São Paulo, 26/10/2011).
No aniversário do episódio trazemos a questão à baila e convidamos nossos leitores à reflexão, será este caso arquivado? Ficará o parecer para as calendas gregas? O que acontece nos postos bancários localizados nos prédios dos tribunais que propiciam tais embates? Sim, porque um desembargador do Rio de Janeiro foi condenado pelo STJ por agredir um colega na agência bancária.
A 3ª turma do STJ restabeleceu sentença que condenou o desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, do TJ/RJ, a indenizar o também desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro por danos morais, em R$ 50 mil. Ele agrediu o colega com uma cabeçada dentro do posto bancário de uso exclusivo de magistrados, na sede do tribunal.
De acordo com o processo, testemunhas afirmaram que, alguns dias antes da agressão, Garcez estendeu a mão para cumprimentar Zéfiro, porém foi ignorado e chamado de "fingido". No dia da agressão, Zéfiro teria se dirigido a Garcez em tom sarcástico perguntando se ele continuava falando mal dele e, posteriormente, tentou segurar em seu braço. Garcez, então, teria respondido ao gesto com uma cabeçada que fraturou o nariz de Zéfiro e feriu seu próprio supercílio.
A vítima ajuizou ação de reparação por danos morais, julgada procedente pelo juízo de primeiro grau, que condenou o agressor ao pagamento de indenização no valor de R$ 50 mil. No julgamento da apelação, porém, o TJ/RJ considerou a agressão legítima defesa. Para o tribunal estadual, a conduta de Zéfiro no dia que antecedeu a agressão foi injuriosa, e deu margem para Garcez pensar que o suposto cumprimento do colega era o início de uma imobilização física. Portanto, a sua reação seria condizente e proporcional ao dano anteriormente sofrido.
Dessa forma, o tribunal concluiu que não havia responsabilidade civil de Garcez, e que "se houvesse culpa, seria concorrente e em idêntica proporção, o que excluiria o dever de indenizar". A vítima recorreu, então, ao STJ.
O ministro relator, Sidnei Beneti, votou pelo não provimento do recurso, assim mantendo o entendimento do acórdão estadual. Porém, a ministra Nancy Andrighi iniciou divergência, no que foi acompanhada pelos demais ministros da Turma. Para ela, a "conclusão do TJRJ encontra-se em descompasso com a própria dinâmica dos fatos delineada no acórdão estadual".
"Não se pode admitir como proporcional ao questionamento feito pelo colega a reação do agressor de imediatamente desferir um golpe com a cabeça, com força tal que fraturou o nariz da vítima e cortou o supercílio do próprio agressor", asseverou a ministra. Para ela, não existe registro de nenhuma conduta que permitisse a Garcez supor que Zéfiro pudesse adotar qualquer atitude tendente à violência física.
A ministra considerou o dano causado por Garcez muito mais grave que o dano supostamente evitado. Segundo ela, a conduta dele configurou legítima defesa putativa – na qual o agressor incorre em equívoco na interpretação da realidade objetiva que o cerca, supondo existir uma situação de perigo que, aos olhos do homem médio, se mostra totalmente descabida –, o que não exclui a responsabilidade civil.
Além disso, a ministra ressalvou que, mesmo que se pudesse cogitar a existência de legítima defesa real, um de seus pressupostos é a moderação no uso dos meios necessários para afastar a agressão injusta e, no caso em questão, a reação do agressor "claramente ultrapassou os limites do indispensável para repelir essa ofensa, caracterizando excesso culposo".
Ainda segundo a ministra, a concorrência de culpas também não se aplica, pois a conduta do agressor foi "absolutamente desproporcional ao comportamento" da vítima. Dessa forma, a Terceira Turma, por maioria, restabeleceu a sentença que condenava o desembargador ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil. (Fonte, Migalhas, 26 de outubro de 2011).
Processo relacionado: REsp 1119886 - clique aqui
Comentário do blog:
Vê-se um curioso caso de interseção do direito penal com o direito civil, pois a ação foi de indenização por danos morais, mas, a adequação do fato à norma penal é que resolveu a questão no final.
Percebe-se que a eleição do tipo penal é coisa tormentosa, (pelo menos para os civilistas, talvez por isso a demora no caso de Brasília?).
No caso do Rio de Janeiro o tribunal estadual entendeu a agressão como legítima defesa e pela culpa recíproca, o que afastaria o dever de indenizar. Já o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legítima defesa putativa e pela desproporção do meio de defesa e restabeleceu a sentença condenando o agressor em R$50 mil por danos morais.
No episódio de Brasília só temos notícia de procedimento criminal e não de ação civil de indenização por danos morais. De qualquer forma, será um avanço que este procedimento volte a caminhar e seja julgado. Não é fácil cortar na própria carne, mas vivemos num Estado Democrático de Direito ou não?
Sobre o segregacionismo: note-se que a agência bancária no tribunal estadual era de uso exclusivo de magistrados. O segregacionismo não foi suficiente para impedir o pugilato.
No tribunal federal a agência bancária era de uso comum, afinal, trata-se do Tribunal da Cidadania. E deu problema a convivência dos escalões. Lé com lé, cré com cré?
Esta não é uma discussão da década de 50, direitos civis, Rosa Parks e Martin Luther King? Parece que ainda está na ordem do dia e sempre estará. Todos são iguais perante a lei.
Sem esquecer o visionário de plantão, o escritor George Orwell, reiteradamente citado neste blog, porque reiterados são os exemplos: acontece de, às vezes, “uns serem mais iguais do que outros.” Ou se julgarem, dizemos nós.
Rosa Parks, Martin Luther King ao fundo |
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