quinta-feira, 14 de maio de 2015

Um Papa garantista

Para com as crianças - Fábrica de Paz - ANSA 11/05/2015 16:03


Os direitos humanos não são violados somente pelo terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e de condições econômicas injustas que geram grandes desigualdades”. (Papa Francisco)

Desde que o argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou o Papa Francisco, somos brindados com diversas demonstrações de humildade, humanidade e solidariedade, além de profunda consciência social.

Na última segunda-feira (11), durante um encontro com crianças do projeto Fábrica da Paz, o Papa Francisco afirmou que é mais fácil “encher os presídios” que ajudar aqueles que erraram. Em resposta a pergunta de uma menina cujo pai está preso, o Pontífice disse: “Deus perdoa tudo, somos nós quem não sabemos perdoar. Somos nós que não encontramos as estradas do perdão por tantas vezes, por incapacidade ou porque é sempre mais fácil encher os presídios do que ajudar a andar para frente quem errou na vida“. Afirmando, ainda, que “É mais fácil descartar da sociedade aqueles que cometeram um grande erro. E condená-lo à morte deixando-o preso para sempre. O trabalho deve ser sempre a reinserção, a não deixá-los caídos“.

Não foi a primeira vez que o Papa Francisco se manifesta contra a fúria punitiva e o poder repressivo estatal. Em junho do ano passado, o Papa Francisco enviou carta a Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos maiores penalistas do mundo, neste sentido. A carta foi remetida para a Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia e tem um claro conteúdo contra o endurecimento das penas e o aumento das punições, como nos informa o teólogo e estudante de direito Wagner Francesco. Na carta, o Papa Francisco, como se penalista fosse, afirma que “Em nossa sociedade tendemos a pensar que os delitos se resolvem quando se pega e condena o delinquente, não levando em consideração o antes dos danos cometidos e sem prestar suficiente atenção à situação em que as vítimas estão. Portanto seria um erro identificar a reparação somente o castigo, confundir justiça com vingança, o que só contribui para incrementar a violência, que está institucionalizada. A experiência nos diz que o aumento e o endurecimento das penas com frequência não resolvem os problemas sociais e nem consegue diminuir os índices de delinquência”.

A delinquência, afirma Jorge Mario Bergoglio, “tem as suas raízes nas desigualdades econômicas e sociais, nas redes de corrupção e do crime organizado. E não basta termos leis justas, mas também é necessário construir pessoas responsáveis e capazes de as pôr em prática. Devemos querer uma justiça que seja humanizadora, genuinamente reconciliadora, que leve o delinquente para um caminho de reabilitação social e total reinserção da comunidade”.

Em discurso feito perante uma delegação da Associação Internacional de Direito Penal, em outubro de 2014, o Papa Francisco condenou as execuções extrajudiciais e a pena de morte. Embora conhecido vários argumentos contra a pena de morte, o Papa fez questão de distinguir alguns, como a possibilidade de erro judicial e o uso que lhe dão os regimes totalitários como “instrumento de supressão da dissidência política ou de perseguição das minorias religiosas ou culturais. Do mesmo modo, expressou-se contra a prisão perpétua, “uma pena de morte disfarçada”.

No referido discurso o Bergoglio não se olvidou da trágica situação carcerária e dos sofrimentos impostos aos presidiários. Oferecendo uma verdadeira lição de direito penal e processual penal, garantista e comprometido com a dignidade humana, o Papa Francisco assinalou que a prisão preventiva, quando usada de forma abusiva, constitui outra forma contemporânea de pena ilícita disfarçada.

O Papa demonstrou também sua preocupação com a situação dos presidiários sem condenação e dos condenados sem julgamento. Também se referiu às condições deploráveis dos penitenciários em boa parte do planeta. Afirmando que embora algumas vezes isso ocorra devido à carência de infraestruturas, muitas vezes são o resultado do “exercício arbitrário e desumano do poder sobre as pessoas privadas de liberdade”.

Ao final do seu discurso, o Papa, possivelmente sem conhecimento profundo do princípio da culpabilidade e dos que dele derivam como a individualização e a proporcionalidade da pena, uma vez mais falou como se fosse um penalista garantista, proclamando que: “O cuidado na aplicação da pena deve ser o princípio que rege os sistemas penais… e o respeito da dignidade humana não só deve atuar como limite da arbitrariedade e dos excessos dos agentes do Estado, como também como critério de orientação para perseguir e reprimir as condutas que representam os ataques mais graves à dignidade e integridade da pessoa”.

Sempre crítico em relação ao sistema penal e o incremento das penas, em novembro de 2014, “em diálogos” com o preso Carmelo Musumeci – “homem sombra” (assim chamam, entre os presos, as pessoas condenadas a prisão perpétua) vamos encontrar o Papa Francisco, com sua visão grantista e humanista, afirmando que: “populismo penal, neste contexto, nos últimos dez anos se difundiu a convicção de que através da pena pública se possa resolver os problemas sociais mais diferentes, como se para as mais diversas doenças fosse recomendado o mesmo medicamento”. 

É interessante observar as falas do Papa Francisco em matéria penal, principalmente quando se verifica que a sociedade brasileira, embora de maioria católica, caminha na contramão do que vem ensinando e pregando o Pontífice.

As palavras proferidas pelo argentino Jorge Mario Bergoglio poderiam, sem nenhum sacrilégio, serem atribuídas a outro argentino, o penalista Eugênio Raúl Zaffaroni, o que não causaria qualquer sobressalto nos meios acadêmicos e na comunidade jurídico-penal. Poderiam, também, estas palavras terem sido ditas por um Rabino, por um Pastor ou por um Pai de Santo, posto que, independente do Papa ser o chefe da Igreja Católica, as palavras de Bergoglio são antes de tudo uma lição de humanismo e de respeito à dignidade da pessoa humana.

Se garantismo é, numa síntese espremida, a maximização da liberdade e a minimização do poder punitivo estatal, não resta dúvida que Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, é garantista. Por tudo, viva Francisco!

Belo Horizonte, maio de 2015.












Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Minas


Publicado originalmente em justificando.com 2015/05/13 

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