Acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou acórdão do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) que havia julgado improcedente uma ação de nulidade
envolvendo a doação de imóveis do casal feita por cônjuge adúltero em favor da
concubina.
Mãe e filho requereram a anulação da transferência de imóveis doados
pelo ex-marido e pai para a concubina, com quem teve dois filhos, descobertos
após seu falecimento. O casal se divorciou em 1989, e a ação ordinária de
nulidade de ato jurídico contra a concubina foi ajuizada em dezembro de 1997,
quase dois anos após a morte do ex-marido, ocorrida em fevereiro de 1996.
De acordo com os autos, parte do “considerável patrimônio” construído
durante os 46 anos de casamento em regime de comunhão universal de bens foi
transferida à concubina mediante procuração que já havia sido revogada pela
ex-esposa.
O tribunal paulista julgou a ação improcedente, ao entendimento de que o
prazo decadencial para contestar doações fraudulentas, por força do artigo
1.177 do Código Civil de 1916, é de dois anos contados da data em que
dissolvida a sociedade conjugal. Como a dissolução se deu em 1989 e a ação foi
proposta em 1997, há muito já transcorrera o lapso decadencial, terminado em
1991.
No recurso ao STJ, mãe e filho sustentaram, entre outros pontos, que em
ação proposta por herdeiro preterido a prescrição é de 20 anos; que os atos de
transmissão da propriedade dos bens são nulos de pleno direito, pois houve
revogação do mandato antes mesmo da lavratura das escrituras; e que a nulidade
absoluta não se sujeita à prescrição, pois o vício de consentimento não se
confunde com sua ausência absoluta.
Sem poderes
Citando doutrina e precedentes, o ministro Luis Felipe Salomão detalhou
a distinção entre direitos potestativos e subjetivos e reconheceu que o prazo
decadencial para o cônjuge ou seus herdeiros necessários anular a doação feita
pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice é de dois anos, a partir da data do
divórcio ou da anulação da sociedade conjugal.
Para o relator, no entanto, o caso em questão é peculiar, pois requer a
anulação de doação praticada por quem não dispunha de poderes para efetuar o
negócio jurídico discutido na ação.
Segundo Salomão, a controvérsia consiste em saber se o prazo para anulação de transmissão de imóvel efetuada com procuração previamente revogada submete-se à decadência ou se constitui nulidade de pleno direito que atinge todos aqueles que não agiram de boa-fé. A resposta, acrescentou, é a segunda hipótese.
Para ele, o prazo decadencial é para anulação de contrato por vício de
consentimento, e não para ausência de consentimento. Consequentemente, a
invocação desses dispositivos pelas instâncias ordinárias se torna inadequada,
pois a procuração utilizada pelo doador já havia sido revogada, resultando em
venda a non domino (venda realizada por quem não tem poder de
disposição sobre a coisa).
Em tal situação, entendeu o ministro, o que emerge como vício é a
completa falta de legitimação do alienante, que consiste na inaptidão
específica para determinado negócio jurídico.
Imprescritível
Luis Felipe Salomão ressaltou em seu voto que a Terceira Turma já firmou
entendimento de que a ausência de consentimento em transferência de imóvel
pertencente ao patrimônio do casal é ato jurídico absolutamente nulo e, por
isso, imprescritível.
Assim, prevalece a tese dos recorrentes de que houve error in
procedendo, o que torna a demanda imprescritível e justifica a anulação dos
atos processuais a contar da sentença para propiciar a regular instrução do
processo e o enfrentamento das questões de fato e de direito pelas instâncias
ordinárias.
“Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o
acórdão recorrido e a sentença, para que o feito tenha regular instrução,
propiciando o adequado enfrentamento das teses expostas na exordial, assim como
o exercício da ampla defesa e do contraditório pelas partes litigantes”,
concluiu o relator. A decisão foi unânime. (Fonte:www.stj.jus.br).
O número deste
processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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