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Para com as crianças - Fábrica de Paz - ANSA 11/05/2015 16:03 |
“Os direitos humanos não são violados somente
pelo terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pela existência de
condições de extrema pobreza e de condições econômicas injustas que geram
grandes desigualdades”. (Papa
Francisco)
Desde que o argentino Jorge Mario
Bergoglio se tornou o Papa Francisco, somos brindados com diversas
demonstrações de humildade, humanidade e solidariedade, além de profunda
consciência social.
Na última segunda-feira (11), durante
um encontro com crianças do projeto Fábrica da Paz, o Papa Francisco afirmou
que é mais fácil “encher os presídios” que ajudar aqueles que erraram.
Em resposta a pergunta de uma menina cujo pai está preso, o Pontífice disse: “Deus
perdoa tudo, somos nós quem não sabemos perdoar. Somos nós que não encontramos
as estradas do perdão por tantas vezes, por incapacidade ou porque é sempre
mais fácil encher os presídios do que ajudar a andar para frente quem errou na
vida“. Afirmando, ainda, que “É mais fácil descartar da sociedade
aqueles que cometeram um grande erro. E condená-lo à morte deixando-o preso
para sempre. O trabalho deve ser sempre a reinserção, a não deixá-los caídos“.
Não foi a primeira vez que o Papa
Francisco se manifesta contra a fúria punitiva e o poder repressivo estatal. Em
junho do ano passado, o Papa Francisco enviou carta a Eugenio Raúl Zaffaroni,
um dos maiores penalistas do mundo, neste sentido. A carta foi remetida para a
Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia e tem um claro
conteúdo contra o endurecimento das penas e o aumento das punições, como nos
informa o teólogo e estudante de direito Wagner Francesco. Na carta, o Papa
Francisco, como se penalista fosse, afirma que “Em nossa sociedade tendemos
a pensar que os delitos se resolvem quando se pega e condena o delinquente, não
levando em consideração o antes dos danos cometidos e sem prestar suficiente
atenção à situação em que as vítimas estão. Portanto seria um erro identificar
a reparação somente o castigo, confundir justiça com vingança, o que só
contribui para incrementar a violência, que está institucionalizada. A
experiência nos diz que o aumento e o endurecimento das penas com frequência
não resolvem os problemas sociais e nem consegue diminuir os índices de
delinquência”.
A delinquência, afirma Jorge Mario
Bergoglio, “tem as suas raízes nas desigualdades econômicas e sociais, nas
redes de corrupção e do crime organizado. E não basta termos leis justas, mas
também é necessário construir pessoas responsáveis e capazes de as pôr em
prática. Devemos querer uma justiça que seja humanizadora, genuinamente
reconciliadora, que leve o delinquente para um caminho de reabilitação social e
total reinserção da comunidade”.
Em discurso feito perante uma delegação
da Associação Internacional de Direito Penal, em outubro de 2014, o Papa
Francisco condenou as execuções extrajudiciais e a pena de morte. Embora
conhecido vários argumentos contra a pena de morte, o Papa fez questão de
distinguir alguns, como a possibilidade de erro judicial e o uso que lhe dão os
regimes totalitários como “instrumento de supressão da dissidência política
ou de perseguição das minorias religiosas ou culturais. Do mesmo modo,
expressou-se contra a prisão perpétua, “uma pena de morte disfarçada”.
No referido discurso o Bergoglio não se
olvidou da trágica situação carcerária e dos sofrimentos impostos aos
presidiários. Oferecendo uma verdadeira lição de direito penal e processual
penal, garantista e comprometido com a dignidade humana, o Papa Francisco
assinalou que a prisão preventiva, quando usada de forma abusiva, constitui
outra forma contemporânea de pena ilícita disfarçada.
O Papa demonstrou também sua
preocupação com a situação dos presidiários sem condenação e dos condenados sem
julgamento. Também se referiu às condições deploráveis dos penitenciários em boa
parte do planeta. Afirmando que embora algumas vezes isso ocorra devido à
carência de infraestruturas, muitas vezes são o resultado do “exercício
arbitrário e desumano do poder sobre as pessoas privadas de liberdade”.
Ao final do seu discurso, o Papa, possivelmente
sem conhecimento profundo do princípio da culpabilidade e dos que dele derivam
como a individualização e a proporcionalidade da pena, uma vez mais falou como
se fosse um penalista garantista, proclamando que: “O cuidado na aplicação
da pena deve ser o princípio que rege os sistemas penais… e o respeito da
dignidade humana não só deve atuar como limite da arbitrariedade e dos excessos
dos agentes do Estado, como também como critério de orientação para perseguir e
reprimir as condutas que representam os ataques mais graves à dignidade e
integridade da pessoa”.
Sempre crítico em relação ao sistema
penal e o incremento das penas, em novembro de 2014, “em diálogos” com o
preso Carmelo Musumeci – “homem sombra” (assim chamam, entre os presos,
as pessoas condenadas a prisão perpétua) vamos encontrar o Papa Francisco, com
sua visão grantista e humanista, afirmando que: “populismo penal, neste
contexto, nos últimos dez anos se difundiu a convicção de que através da pena
pública se possa resolver os problemas sociais mais diferentes, como se para as
mais diversas doenças fosse recomendado o mesmo medicamento”.
É interessante observar as falas do
Papa Francisco em matéria penal, principalmente quando se verifica que a
sociedade brasileira, embora de maioria católica, caminha na contramão do que
vem ensinando e pregando o Pontífice.
As palavras proferidas pelo argentino
Jorge Mario Bergoglio poderiam, sem nenhum sacrilégio, serem atribuídas a outro
argentino, o penalista Eugênio Raúl Zaffaroni, o que não causaria qualquer
sobressalto nos meios acadêmicos e na comunidade jurídico-penal. Poderiam,
também, estas palavras terem sido ditas por um Rabino, por um Pastor ou por um
Pai de Santo, posto que, independente do Papa ser o chefe da Igreja Católica,
as palavras de Bergoglio são antes de tudo uma lição de humanismo e de respeito
à dignidade da pessoa humana.
Se garantismo é, numa síntese
espremida, a maximização da liberdade e a minimização do poder punitivo
estatal, não resta dúvida que Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, é
garantista. Por tudo, viva Francisco!
Belo Horizonte, maio de 2015.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Minas