quinta-feira, 28 de março de 2013

Advocacia na prática, assembleia em Divinópolis


Vamos dar uma sacudida no Blog, um choque de realidade e vivência da advocacia, tipo chão de fábrica, mão na massa, vida real.

Julgamento em assembleia de cooperativa no auditório de um hotel em Divinópolis, terra de Adélia Prado. Depois da viagem com chuva no início da noite, toca para o auditório. Já, assim? Nada disso, água, por favor, advogados tem sede.

Assistimos a xaropada, digo, a exposição cansativa de balanços, auditoria, e gráficos que, pasmem, acusam milhões a distribuir. Os olhinhos dos capitalistas brilham. E os salários dos diretores? E os jetons para assistir reuniões? Assistimos a tudo com o estranhamento de um extraterrestre. Como são e estão felizes os cooperados. É... as burras estão cheias, parabéns aos administradores. O pessoal que lida com dinheiro tem opinião muito prática sobre todo o resto da vida. Nem só de pão vive o homem, não resistimos e demos esta alfinetada quando chegou a nossa vez de falar, falei das burras cheias, será que entenderam?

Isso é dor de cotovelo, of course, my dear, (é claro, meus queridos), quem dera os advogados tivessem uma cooperativa tão lucrativa. Vamos pensar nisso, pessoal.

Superados os números e a distribuição de câmeras, televisores e sorrisos, vamos à parte dolorida da coisa, o julgamento de recurso em processo disciplinar. É aqui que a porca torce o rabo.

Anunciado o julgamento pelo presidente, a advogada forasteira tem uma questão de ordem, sai do seu lugarzinho na plateia e invade a mesa de honra. 
Esses advogados são uns desabusados, não? Nada de votação secreta, queremos votação nominal, voto declarado. Vamos ouvir a assembleia, aceita a modificação, toca o bonde.

Um dos denunciados faz a própria defesa emocionada. A assistência se agita. Aplausos. Embora não convidados, assentamos à esquerda da mesa de honra, os advogados continuam outsiders, são móveis, volantes, criam seu próprio lugar.

Analisada a plateia e o balcão percebo que estou pouco à vontade neste lugar, acho que do lado de lá é melhor para atingir todo o auditório quando for falar. Que santo vai baixar? Nestas ocasiões baixa um santo formal, deve ser a gravidade do momento que o exige. Alguns gestos casuais diminuem a formalidade das palavras. Cito a fala do presidente quando mostrava os balanços, falo da manifestação da plateia e a endosso. Está quebrado o gelo e criada a empatia com a forasteira. Não com todos, está claro, há os renitentes, que logo, logo vão se mostrar.

Não há lugar para a defesa colocar seus papéis, suas notas. Que fazer? O chão do palco à altura do cotovelo serve bem. E vamos que vamos. Vais citar Drácon? Já foi. Melhor explicar quem foi. A definição de processo foi boa: uma sucessão de atos. Serviu bem para explicar didaticamente o desastre da supressão de uma fase. A comparação com o procedimento cirúrgico foi feita de encomenda para a plateia de médicos. Adequação à plateia, o Professor Otávio Cardoso teria gostado disso.

E levar a medicina para o processo? A infecção, a ferida purulenta! Imagem forte e nojenta. Vamos impactar! Afinal, ninguém aqui está de brincadeira. Onde está fulana? Frase de efeito, cativa. E a imposição a fórceps? Na medida para a plateia, mas pensando bem, seria extração a fórceps e não imposição. Deixa estar, a imagem serviu bem.

As máximas do direito, todos são iguais perante a lei, etc, etc., a isonomia, a igualdade de tratamento, terminando em “este processo é político.” Ao final a exortação aos juízes da causa, os membros da assembleia e a advertência: amanhã poderão ser vocês neste lugar.

Aí o pau quebrou com muitas manifestações acaloradas. Vamos para a votação em dois turnos. No meio das deliberações sobre a forma e quesitos da votação, veio uma reclamação veemente da plateia: a advogada está interferindo demais na nossa assembleia.

Quando eu falo que os advogados são outsiders... 

Aí, não, agora é comigo, agora eu vou falar. Desafasta (expressão nortista, significa: vai ter briga). Isto é um julgamento, eu falo em defesa da denunciada. O membro da assembleia estava irado, mas tadinho, não teve aula de processo, não sabe que o órgão julgador está amarrado ao pedido da parte, não pode dar diferente, nem a mais, nem a menos. Depois fui fazer as pazes com o moço e explicar esta questãozinha processual. Ele estava de costas, os colegas avisaram: olha aí, ela vem vindo. Não é que ele me defendeu? Você está certa, está fazendo seu papel. Que beleza, embora esbraveje, entende a função do advogado. 

Superado o incidente vamos à votação. A assembleia deliberou: nada de nomes, mãozinhas para o alto resolvem bem. A advogada chiou, era a hora de ceder. Ok, mãozinhas para o alto.

Agora música para os ouvidos: decisão reformada por 75 votos a 14, anulado o processo. Missão cumprida, breve comemoração, estrada de volta, no ventre da noite, tem um poema assim, e de novo, sem encontrar Adélia Prado. Assim não dá! Assim não é possível!

Desta vez não baixou o espírito formal, disseram que foi uma bruxa, fiquei horrorizada, mas duas pessoas mencionaram a palavra e hipnotismo. Nada de aceitar a maçã dela, brincaram. Uma bruxa? Aí, não, pessoal.

Talvez devamos nos aceitar com o estofo do qual somos feitos. Uma bruxa? É, pensando bem, por que não? Aviso aos navegantes: não distribuímos maçãs nesta temporada.

Moral da história: sabem aquelas decisões que negaram a suspensão deste processo que foi anulado ontem? Tentou-se em primeira instância, em segunda, nada. Fizeram questão de colocar isso no relatório. Que bonitinho. Uma alfinetada de leve. Senhor juiz e senhor desembargador, a parte requerente estava certa, o processo estava eivado de nulidade, até a assembleia reconheceu e o anulou. Era um perigo real o julgamento político. É como diz a canção infantil: mas veio uma bruxa má, muito má, muito má...


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