Vamos dar uma sacudida no
Blog, um choque de realidade e vivência da advocacia, tipo chão de fábrica, mão
na massa, vida real.
Julgamento em assembleia
de cooperativa no auditório de um hotel em Divinópolis, terra de Adélia Prado. Depois
da viagem com chuva no início da noite, toca para o auditório. Já, assim? Nada disso,
água, por favor, advogados tem sede.
Assistimos a xaropada,
digo, a exposição cansativa de balanços, auditoria, e gráficos que, pasmem,
acusam milhões a distribuir. Os olhinhos dos capitalistas brilham. E os
salários dos diretores? E os jetons para assistir reuniões? Assistimos a tudo
com o estranhamento de um extraterrestre. Como são e estão felizes os
cooperados. É... as burras estão cheias, parabéns aos administradores. O
pessoal que lida com dinheiro tem opinião muito prática sobre todo o resto da
vida. Nem só de pão vive o homem, não resistimos e demos esta alfinetada quando
chegou a nossa vez de falar, falei das burras cheias, será que entenderam?
Isso é dor de cotovelo, of course, my dear, (é claro, meus
queridos), quem dera os advogados tivessem uma cooperativa tão lucrativa. Vamos
pensar nisso, pessoal.
Superados os números e a
distribuição de câmeras, televisores e sorrisos, vamos à parte dolorida da
coisa, o julgamento de recurso em processo disciplinar. É aqui que a porca
torce o rabo.
Anunciado o julgamento
pelo presidente, a advogada forasteira tem uma questão de ordem, sai do seu lugarzinho
na plateia e invade a mesa de honra.
Esses advogados são uns desabusados, não?
Nada de votação secreta, queremos votação nominal, voto declarado. Vamos ouvir
a assembleia, aceita a modificação, toca o bonde.
Um dos denunciados faz a
própria defesa emocionada. A assistência se agita. Aplausos. Embora não
convidados, assentamos à esquerda da mesa de honra, os advogados continuam outsiders, são móveis, volantes, criam
seu próprio lugar.
Analisada a plateia e o
balcão percebo que estou pouco à vontade neste lugar, acho que do lado de lá é
melhor para atingir todo o auditório quando for falar. Que santo vai baixar? Nestas
ocasiões baixa um santo formal, deve ser a gravidade do momento que o exige. Alguns
gestos casuais diminuem a formalidade das palavras. Cito a fala do presidente
quando mostrava os balanços, falo da manifestação da plateia e a endosso. Está
quebrado o gelo e criada a empatia com a forasteira. Não com todos, está claro,
há os renitentes, que logo, logo vão se mostrar.
Não há lugar para a defesa
colocar seus papéis, suas notas. Que fazer? O chão do palco à altura do
cotovelo serve bem. E vamos que vamos. Vais citar Drácon? Já foi. Melhor
explicar quem foi. A definição de processo foi boa: uma sucessão de atos. Serviu bem para explicar didaticamente o desastre da supressão de
uma fase. A comparação com o procedimento cirúrgico foi feita de encomenda para
a plateia de médicos. Adequação à plateia, o Professor Otávio Cardoso teria
gostado disso.
E levar a medicina para o
processo? A infecção, a ferida purulenta! Imagem forte e nojenta. Vamos
impactar! Afinal, ninguém aqui está de brincadeira. Onde
está fulana? Frase de efeito, cativa. E a imposição a fórceps? Na medida para a plateia, mas
pensando bem, seria extração a fórceps e não imposição. Deixa estar, a imagem
serviu bem.
As máximas do direito,
todos são iguais perante a lei, etc, etc., a isonomia, a igualdade de
tratamento, terminando em “este processo é
político.” Ao final a exortação aos juízes da causa, os membros da assembleia e
a advertência: amanhã poderão ser vocês neste lugar.
Aí o pau quebrou com
muitas manifestações acaloradas. Vamos para a votação em dois turnos. No meio
das deliberações sobre a forma e quesitos da votação, veio uma reclamação
veemente da plateia: a advogada está
interferindo demais na nossa assembleia.
Quando eu falo que os
advogados são outsiders...
Aí, não, agora
é comigo, agora eu vou falar. Desafasta
(expressão nortista, significa: vai ter briga). Isto é um julgamento, eu falo em
defesa da denunciada. O membro da assembleia estava irado, mas tadinho, não
teve aula de processo, não sabe que o órgão julgador está amarrado ao pedido da
parte, não pode dar diferente, nem a mais, nem a menos. Depois fui fazer as
pazes com o moço e explicar esta questãozinha processual. Ele estava de costas,
os colegas avisaram: olha aí, ela vem
vindo. Não é que ele me defendeu? Você
está certa, está fazendo seu papel. Que beleza, embora esbraveje,
entende a função do advogado.
Superado o incidente vamos à votação. A assembleia deliberou: nada de nomes, mãozinhas para o alto resolvem bem. A advogada chiou, era a hora de ceder. Ok, mãozinhas para o alto.
Superado o incidente vamos à votação. A assembleia deliberou: nada de nomes, mãozinhas para o alto resolvem bem. A advogada chiou, era a hora de ceder. Ok, mãozinhas para o alto.
Agora música para os
ouvidos: decisão reformada por 75 votos a 14, anulado o processo. Missão
cumprida, breve comemoração, estrada de volta, no ventre da noite, tem um poema
assim, e de novo, sem encontrar Adélia Prado. Assim não dá! Assim não é possível!
Desta vez não baixou o espírito formal, disseram que foi uma bruxa,
fiquei horrorizada, mas duas pessoas mencionaram a palavra e hipnotismo. Nada
de aceitar a maçã dela, brincaram. Uma bruxa? Aí, não, pessoal.
Talvez devamos nos aceitar
com o estofo do qual somos feitos. Uma bruxa? É, pensando bem, por que não? Aviso aos navegantes:
não distribuímos maçãs nesta temporada.
Moral da história: sabem
aquelas decisões que negaram a suspensão deste processo que foi anulado ontem?
Tentou-se em primeira instância, em segunda, nada. Fizeram questão de colocar
isso no relatório. Que bonitinho. Uma alfinetada de leve. Senhor juiz e senhor
desembargador, a parte requerente estava certa, o processo estava eivado de
nulidade, até a assembleia reconheceu e o anulou. Era um perigo real o
julgamento político. É como diz a canção infantil: mas veio uma bruxa má, muito má, muito má...