terça-feira, 18 de setembro de 2012

O sertão está em todo lugar


Onde andará a redatora em chefe deste Blog? Faz alguns dias não nos amola, aliás, não nos envia suas sólidas informações sobre as becas e togas em geral, dirão ensimesmados nossos corajosos e fiéis leitores.


Esteve imersa no sertão e às voltas com o Movimento Catrumano. Como é que não dei com os costados antes neste movimento interessantíssimo e vital? Perguntava-se, ainda entocada no agreste. O trem está rodando desde 2006 e só agora escuto seu apito? Sem saber mesmo por onde andei todo este tempo sem me dar conta do importante manifesto sertanejo reparto com nossos leitores as mais recentes descobertas.







Uns vão para a Grécia outros para Paris (disse meu ex-adverso na mesa de audiência. Precisava? Precisava, não). Pois eu fui para Montes Claros. Nada mais próprio, estando no sertão por obra e graça de um batizado e uma audiência, aproveitar a deixa e mergulhar fundo, inclusive no conteúdo imaterial, e sair à caça do Movimento Catrumano. Encontrei, fotografei e divido.


Guimarães não me deixa mentir: O sertão está em toda parte. (Guimarães Rosa, em rosa.)


Antes de entrar no mérito, vou passar logo às simplificações desconcertantes e aos desabafos nesta canícula do norte de Minas: aí vem coisa, algo como o Levante dos Capiaus e vem com lastro de sociologia nas melhores fontes.


Vamos logo simplificar para aqueles que, não sendo dos Gerais, não estão a entender rigorosamente nada. O negócio é o seguinte: catrumano quer dizer caipira, tabaréu, sertanejo, o famoso capiau, e tudo em sentido pejorativo. Ocorre que a história de Minas vem sendo reescrita. E nesta onda a palavra foi reivificada (inventei agora, acho que já existe, mas ficou lindo). Houve, por assim dizer, uma releitura da palavra para dar-lhe nova significação. Estão achando complicado e onda de marqueteiro? Aguardem, o melhor está por vir.

Essa história que contam que Mariana foi a primeira cidade de Minas e coisa e tal, não é bem assim.
Depois de adentrar no espírito do Movimento Catrumano, passei a entender o sentimento notório de inferioridade dos sertanejos frente aos sulistas. É que nos passaram no conto do vigário.
Quem levantou a lebre foi o Professor João Batista Costa (da Unimontes) que cuidou do tema na sua tese de doutorado na Universidade de Brasília (UNB).

O fato histórico:

No tempo das entradas e bandeiras, correu muito sangue por estas plagas. A bandeira liderada por Mathias Cardoso de Almeida fundou em 1668 as povoações de Brejo do Salgado, hoje Januária, e São Romão. Para se estabelecer os paulistas do grupo de Mathias Cardoso de Almeida aprisionaram e exterminaram os indígenas que ali viviam. Salomão de Vasconcellos informa em seu livro sobre o bandeirismo, que Manoel de Borba Gato após assassinar o fidalgo espanhol Dom Rodrigo de Castel Branco estabeleceu-se e fundou a povoação da atual Barra do Guaycuí, na confluência do rio das Velhas e do rio São Francisco em 1684.

Como se vê, muito sangue e luta pelo poder no nascedouro do Estado de Minas Gerais.

Após prender uns e matar outros índios, a sociedade pastoril ali fundada por volta de 1660 e ampliada a de Morrinhos se dedicou à criação de gado e à produção de gêneros alimentícios comercializados com a cidade de Salvador e o Recôncavo. O comércio com a sociedade baiana era tão intenso e lucrativo que possibilitou à população de Morrinhos construir uma imensa igreja, a primeira de Minas Gerais, ainda hoje existente na cidade de Matias Cardoso, dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Eleita símbolo do movimento catrumano (Eu teria outra sugestão).

Assim foi constituída a primeira freguesia no território do Estado de Minas Gerais em 1695, antes mesmo da fundação do Arraial de Nossa Senhora do Carmo, hoje Mariana, que ocorre em julho de 1696, alguns meses depois.

Aconteceu que a Coroa Portuguesa pelo governador geral da Capitania de Minas Gerais João de Lencastre proibiu o comércio da povoado com a cidade de Salvador e terras baianas, a margem direita do São Francisco pertencia à Capitania da Bahia. Tudo para fomentar e fornecer alimento à região mineradora de Mariana e adjacências. Isso em 1702.
Quando a região aurífera estabeleceu e fomentou comércio com o Rio de Janeiro a região dos currais entrou em franca decadência. Ficou a ver navios.

A ideologia ou como funcionam as coisas

O poder, ah, o poder... a hegemonia

"Na Sociologia, podemos encontrar em diversos autores que se dedicaram a discutir

ideologia e poder simbólico e as conseqüências da construção de tais discursos a

fundamentação para podermos responder às questões que podem invadir a cabeça da elite regional. Mas recorreremos, apenas, a três autores. Em Louis Dumont (1992)12 ideologia é compreendida como um sistema de idéias e valores por meio dos quais uma sociedade ou um grupo social afirma a si mesmos em oposição a outros, com seus sistemas de idéias e valores.

E, neste sentido, a construção da ideologia da mineiridade foi o momento da constituição de 8 Quando se escreve minas gerais com minúsculas está se falando da região mineradora e não do Estado de Minas Gerais, escrito com maiúsculas.

9 Neste sentido, vide SENNA, Nelson de. A Terra Mineira. Chorografia do Estado de Minas Gerais. 2 Ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. 2 Volumes.
10 Neste sentido, vide de WIRTH, John. O fiel da balança. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
11 Para maior aprofundamento desta questão, vide ANDRADE, Mário. “Aleijadinho”. In Aspectos das Artes
Plásticas no Brasil. 3 ed. Belo Horizonte: Itaiaia, 1984; BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1938. Publicações do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, 2. Ilustrações de Luís Jardim e BASTIDE, Roger. Brasil: Terra de Constrastes. 3 ed. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1969. Corpo e Alma do Brasil.
12 DUMONT, Louis. O Individualismo. Uma Perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Rio de Janeiro:
Rocco, 1993.
11 um sistema de idéias e valores propriamente mineiros para se contrapor ao sistema de idéias e valores construído pelos paulistas.
Quanto à questão da simbologia e do poder que dela se deriva. O que é simbologia? O símbolo é a gênesis dos sistemas de escrita, sílabas e pronúncias que deram origem às línguas. O signo é o caráter e elemento essencial e o símbolo é a representação, o reflexo do mesmo com ou sem analogia com outros conceitos ou fatos. De outra forma, a idéia pode ser um signo em si mesmo, ou seja, puro, mas deve ser expresso em figuras, objetos, sons, palavras.
Ou seja, o símbolo está conformado por um ou vários signos que são a essência oculta (interna) e o símbolo é o reflexo (externo). Deriva-se daí que as observações e as interpretações são livres na medida em que se sintonize com a essência oculta e velada representada pelo símbolo. Por isso, falar em Minas Gerais é falar de montanhas, cidades históricas vinculadas ao ouro e nada de falar de gado, de chapadas, etc. Como algo que por decisões sociais pode mudar as significações vinculadas àquilo a que se prende, como afirma Derrida (1970)13? Para dar resposta a esta questão é necessário buscar compreender aquilo que tem sido chamado na teoria social como o processo de dominação simbólica de um grupo ou de uma classe ou, ainda, de uma sociedade sobre outros grupos, classes ou sociedade. Recorremos a Elias e Scotson (2000)14 que se dedicaram a compreender o processo de construção de discurso ideológico por meio do qual um grupo de trabalhadores que chegou a um antigo bairro de trabalhadores em uma pequena cidade inglesa dominou simbolicamente a realidade social e passou a usufruir benefícios materiais em
detrimento dos moradores mais antigos. A abordagem desses dois autores é de utilidade porque focalizam o poder de atribuir superioridade a si próprio, ao mesmo tempo em que exclui um outro grupo, considerando-o inferior e seus membros sendo categorizados com atributos negativos.
A busca de entendimento desse poder vincula-se às características estruturais que os
grupos relacionados têm em comum e que são determinantes do poder de imputar a si e aos outros uma hierarquização das diferenças. Essas características dizem respeito ao acesso a recursos de poder e ao arsenal de superioridade que cria alto grau de coesão interna do grupo, identificação coletiva e normas comuns indutoras de conformidade. Os diferenciais do grau de coesão interna e de controle comunitário desempenham papel decisivo na relação de forças
13 DERRIDA, Jacques. “Structure, Sign and Play in the Discourse of Human Sciences”. In The Structuralist
Controversy: The Languages of Criticism an the Scienses of Man. Baltimore e London: The John Hopkins
University Press, 1970.
14 ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das Relações de Poder a partir de uma Pequena Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
12 entre os dois grupos porque é na coesão interna que se baseia a conformação do ideal de nós e o carisma coletivo.
A estreita ligação entre os diferenciais de poder dos grupos vincula-se, para os autores, na criação de um sentimento de status superior para cada dos membros, de inclusão na coletividade vinculando-os às tradições consideradas propriamente coletivas. A preservação do que julgam ter alto valor, requer que cada grupo cerre fileiras protegendo a identidade grupal e afirmando sua superioridade. Essa é uma situação que “mostra com muita clareza a complementaridade do valor humano superior – o carisma do grupo – atribuído a si mesmo pelo grupo (...) e as características ‘ruins’ – a desonra grupal – que atribui aos outsiders”
(2000: 25). Essa complementaridade entre carisma grupal (do próprio grupo) e a desonra grupal (dos outros) é considerada um dos aspectos mais significativos de relações configuracionais hierarquizadas, propiciando apreender as relações de poder que vinculam os dois grupos, por se apoiarem em acesso diferencial a recursos de poder. Tanto o carisma grupal quanto a desonra grupal são confirmadas pelas imagens que se tem dos grupos relacionados, enquanto a primeira informa superioridade, a segunda propicia inferiorização e exclusão dos benefícios vinculados às características construídas como próprias de si mesmos.
Em Minas Gerais, o valor dos mineiros e o caráter depreciativo sobre os norte mineiros, chamados de baianeiros ou capiais.
Por outro lado, o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1998)15 ao discutir o poder simbólico informa que o mesmo é derivado de um conflito interno ao campo das
classificações. Sendo que, por um lado é “um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo” (op.cit.: 9, grifos no original) e, em particular, do mundo social que pressupõe um conformismo lógico, ou seja, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as intelegências” (id., ibid.). Como recurso de poder, as ideologias e a simbologia como um de seus instrumentos, é um produto coletivo e “coletivamente apropriado, servindo a interesses particulares que tendem a se apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo” (id. 10). E, finalmente para dar conclusão à minha argumentação, recorro à argumentação de Bourdieu (1998) quando afirma que “as propriedades simbólicas podem ser utilizadas estrategicamente em função dos interesses materiais e também simbólicos do seu portador” (op. Cit.: 112), pois o mesmo ocorre em um campo de produção simbólica que se constitui como um microcosmos da luta simbólica entre 15 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
13 as partes de um campo social. Em Minas Gerais, o volume de recurso investidos nas regiões centrais e o pires na mão do Norte de Minas."
(Fonte: Projeto Completo do Movimento Catrumano)
- Download do projeto movimento Catrumano completo em PDF

Investigando o movimento catrumano pela rede encontrei um artigo de Bruno Terra Dias e me calou um trecho que traduz o sertão e o povo daqui. E o que, infelizmente permeia a vida por aqui: a dificuldade, a dureza, a rudeza. Cruzes, mas é a pura verdade. O autor, certamente, é sertanejo. Ei-lo:

“(...) no enfrentamento de uma realidade domável apenas pela tenacidade dos que ficaram. As dificuldades cotidianas e a não-sujeição a vontade diversa, especialmente quando adversa, firmaram a fibra de que se construiu o sertanejo, catrumano, norte-mineiro, em tantas fazendas e currais, não afeito a desperdícios ou ostentações, mas aferrado ao mando de seu próprio destino, ainda que afadigado da lida constante.” (Bruno Terra Dias
É isso aí.

O novo pulo do gato: O movimento catrumano. A virada ou O Levante dos Capiaus.
Querem saber? Aqui do fundo do sertão, nessa canícula, olhando esses morros cinza de madeira seca (os montes claros), e agora, com terremoto, não temos alternativa que ter orgulho do sofrimento dessa terra seca. Só para os muito valentes. É coisa para macho.

As mulheres sertanejas












E querem saber do papel das mulheres nessa andança toda? Completamente subjugadas. De Tia Joaninha deserdada porque se perdeu com o namorado na década de 30 à companheira do vaqueiro em 2012 que não consegue batizar os filhos porque não é casada. Ah, as catrumanas, que nem sabem o que se passa.

“O poder simbólico cria acesso variado aos recursos de poder material.”

Poder, símbolo, acesso, precisamos, nosostras, pensar mais sobre isso.

Por enquanto, fica totalmente apoiado o Movimento Catrumano, carinhosamente apelidado pelo Blog de Levante dos Capiaus, prontamente esclarecido que a criadora do alcunha é integrante do levante.

Fica o mote do movimento já adotado também pelo Blog: “Restituir-se à sua própria diferença, valorizando-se nela”

Comentário do Blog: É o que há, adorei, está encampado.

Um comentário:

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