sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Barata na batatinha dá indenização



“O fornecedor de produtos que disponibiliza no mercado de consumo alimento contaminado por barata deve responder por sua conduta.” Com esse entendimento, a 15ª Câmara Cível do TJMG condenou a empresa Pepsico Brasil Ltda. a indenizar em R$ 10 mil por danos morais a aposentada E.J.G.S., que encontrou uma barata dentro de um pacote de batatas fritas da marca Ruffles. A aposentada comprou o pacote no supermercado ABC, em 19 de fevereiro de 2008. No momento em que estava comendo, encontrou uma barata torrada e incrustada nos salgados, fato que lhe provocou náuseas e vômito. A empresa se defendeu argumentando que não houve danos a ensejar indenização, já que o inseto não foi ingerido. No entanto, o relator do processo, desembargador Antônio Bispo, julgou procedente o pedido da aposentada. “A náusea, o nojo, o desconforto e a repugnância causados à consumidora não podem ser considerados meros aborrecimentos impassíveis de serem reparados”, afirmou. (Processo n. 1.0223.08.248701-6/001).

A barata data de 2008, contamos, portanto, quatro anos para o processo chegar à segunda instância. A defesa da empresa produtora da barata, digo da batata, chega a ser cândida: se não ingeriu a barata não há dano moral. Assim caminha a indústria alimentícia brasileira. Mas sabem que há caso de barata prensada em biscoito que chegou ao STJ e não ensejou indenização? Conto o fato, mas não será possível mostrar o santo, pelo menos hoje, não, estamos sem tempo para compulsar os alfarrábios de julgados. Vai só o que estiver muito à mão.

Olhem, não é fácil defender a pujante indústria alimentícia, garantem-nos que o sistema de produção é inviolável, sequer chega a ele a mão humana tamanha a segurança e as boas práticas, good manufacturing pratices, algo assim. Eis, que as insidiosas aparecem nos produtos sem haver passado pela linha de produção, é demais.

Até hoje não concordo com o entendimento do STJ e do TJMG no caso da barata na lata de leite condensado, eu defendia a empresa da lata em segunda instância, e conseguimos, é preciso dizer sem falsa modéstia, que passamos um recurso especial eis que o tribunal mineiro estava a exigir a probatio diabolica da empresa, a famosa prova do fato negativo, ou seja, impossível. É que esse caso era peculiaríssimo. A prova de que a barata não entrou na lata já aberta.

O interessante fato: aconteceu que a pessoa, pertencente à valorosa guarda municipal de Uberaba comprou a lata, fez dois furos consideráveis e foi consumindo aos poucos o alimento, ao longo de dias, presume-se. E não se sabe em que local acondicionou o alimento aberto. Uma testemunha do autor, disse haver visto a lata debaixo da cama do autor com as patinhas da barata para fora. Foi severamente advertida pelo juiz e retratou-se. Essa lata rodou por Uberaba, esteve no PROCON, nos jornais locais e chegou a ser periciada, a lata e a barata, por obra de agravo de instrumento, eis que Sua Excelência de primeira instância havia indeferido a prova técnica.

A interessante ideia do entomólogo nomeado perito merece ser divulgada por engenhosa. Pretendia o expert analisar os achados no estômago do inseto, esporos, essas coisas, para determinar a origem do bichinho, se do cerrado, de Montes Claros, local da fábrica ou de Uberaba, local da aquisição do produto. Engenhoso, no mínimo.

Infelizmente não deu certo a estratégia científica, pois, no estômago do inseto, só havia leite condensado. Isso foi motivo para frases irreverentes do meritíssimo em letras garrafais e com exclamações. Prontamente reagimos na apelação, nada digno de uma sentença tais hilariedades. Fomos secundados pelo Des. Bittencourt Marcondes nessa crítica.

O fato é que a perícia apontou inclusive para a possibilidade de introdução criminosa do inseto pelos consideráveis orifícios na lata feitos pelo autor e ademais o bichinho não estava esmagado pela linha de produção. Sem querer ressuscitar o defunto, só para não dizerem que estamos no terreno das meras alegações, vamos ilustrar, que advogados tem essa mania:

“DIANTE DAS EVIDÊNCIAS, CONHECIMENTO, ACOMPANHAMENTO DAS ANÁLISES ENTOMOLÓGICAS E DE POSSE DO INSETO COM SUAS MEDIDAS REAIS. LEVAM ESTE PERITO A CONCLUIR QUE O INSETO ALOJOU-SE NO INTERIOR DA LATA DE FORMA EXPONTÂNEA (sic) (...) ou APÓS A ABERTURA (FUROS) DA MESMA” (FLS. 358, MAIÚSCULAS DO PERITO, NEGRITOS E SUBLINHAS NOSSOS).

“ESTA AFIRMAÇÃO BASEIA-SE NA ESTRUTURA FÍSICA ÍNTEGRA E DIMENSÕES DO ACHADO VERSOS ABERTURAS DO RECIPIENTE (FLS. 358)

“A INTRODUÇÃO CRIMINOSA DO INSETO PODERIA ATÉ SER FEITA” (FLS. 358)


Não é mesmo interessante? Pois nada disso adiantou, tascou-se a responsabilidade objetiva do fabricante, e, apreciados com os devidos encômios nosso caprichado recurso especial, foi a ele negado provimento. Foi das poucas vezes que ficamos satisfeitos com a resposta negativa dada por um tribunal, tal a apreciação in totum e respeitosa dos argumentos. Foi para a parede como um troféu. É, os advogados também tem os seus.

Dirão os versados, como é que estavam discutindo prova em recurso especial? Aí é que está o pulo do gato.  

Até segunda, quando se reunirá novamente o STF para julgar o mensalão. 

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