“O fornecedor de produtos que disponibiliza no mercado
de consumo alimento contaminado por barata deve responder por sua conduta.” Com
esse entendimento, a 15ª Câmara Cível do TJMG condenou a empresa Pepsico Brasil
Ltda. a indenizar em R$ 10 mil por danos morais a aposentada E.J.G.S., que
encontrou uma barata dentro de um pacote de batatas fritas da marca Ruffles. A
aposentada comprou o pacote no supermercado ABC, em 19 de fevereiro de 2008. No
momento em que estava comendo, encontrou uma barata torrada e incrustada nos
salgados, fato que lhe provocou náuseas e vômito. A empresa se defendeu
argumentando que não houve danos a ensejar indenização, já que o inseto não foi
ingerido. No entanto, o relator do processo, desembargador Antônio Bispo,
julgou procedente o pedido da aposentada. “A náusea, o nojo, o desconforto e a
repugnância causados à consumidora não podem ser considerados meros
aborrecimentos impassíveis de serem reparados”, afirmou. (Processo n.
1.0223.08.248701-6/001).
A barata data de 2008, contamos, portanto, quatro anos
para o processo chegar à segunda instância. A defesa da empresa produtora da
barata, digo da batata, chega a ser cândida: se não ingeriu a barata não há
dano moral. Assim caminha a indústria alimentícia brasileira. Mas sabem que há
caso de barata prensada em biscoito que chegou ao STJ e não ensejou indenização?
Conto o fato, mas não será possível mostrar o santo, pelo menos hoje, não,
estamos sem tempo para compulsar os alfarrábios de julgados. Vai só o que
estiver muito à mão.
Olhem, não é fácil defender a pujante indústria alimentícia,
garantem-nos que o sistema de produção é inviolável, sequer chega a ele a mão
humana tamanha a segurança e as boas práticas, good manufacturing pratices, algo assim. Eis, que as insidiosas aparecem
nos produtos sem haver passado pela linha de produção, é demais.
Até hoje não concordo com o entendimento do STJ e do TJMG no caso da
barata na lata de leite condensado, eu defendia a empresa da lata em segunda
instância, e conseguimos, é preciso dizer sem falsa modéstia, que passamos um
recurso especial eis que o tribunal mineiro estava a exigir a probatio diabolica da empresa, a famosa
prova do fato negativo, ou seja, impossível. É que esse caso era peculiaríssimo.
A prova de que a barata não entrou na lata já aberta.
O interessante fato: aconteceu que a pessoa, pertencente
à valorosa guarda municipal de Uberaba comprou a lata, fez dois furos
consideráveis e foi consumindo aos poucos o alimento, ao longo de dias,
presume-se. E não se sabe em que local acondicionou o alimento aberto. Uma
testemunha do autor, disse haver visto a lata debaixo da cama do autor com as
patinhas da barata para fora. Foi severamente advertida pelo juiz e
retratou-se. Essa lata rodou por Uberaba, esteve no PROCON, nos jornais locais
e chegou a ser periciada, a lata e a barata, por obra de agravo de instrumento,
eis que Sua Excelência de primeira instância havia indeferido a prova técnica.
A interessante ideia do entomólogo
nomeado perito merece ser divulgada por engenhosa. Pretendia o expert analisar os achados no estômago
do inseto, esporos, essas coisas, para determinar a origem do bichinho, se do
cerrado, de Montes Claros, local da fábrica ou de Uberaba, local da aquisição
do produto. Engenhoso, no mínimo.
Infelizmente não
deu certo a estratégia científica, pois, no estômago do inseto, só havia leite
condensado. Isso foi motivo para frases irreverentes do meritíssimo em letras
garrafais e com exclamações. Prontamente reagimos na apelação, nada digno de
uma sentença tais hilariedades. Fomos secundados pelo Des. Bittencourt
Marcondes nessa crítica.
O fato é que a
perícia apontou inclusive para a possibilidade de introdução criminosa do
inseto pelos consideráveis orifícios na lata feitos pelo autor e ademais o
bichinho não estava esmagado pela linha de produção. Sem querer ressuscitar o
defunto, só para não dizerem que estamos no terreno das meras alegações, vamos ilustrar,
que advogados tem essa mania:
“DIANTE DAS EVIDÊNCIAS, CONHECIMENTO,
ACOMPANHAMENTO DAS ANÁLISES ENTOMOLÓGICAS E DE POSSE DO INSETO COM SUAS MEDIDAS REAIS. LEVAM ESTE PERITO
A CONCLUIR QUE O INSETO ALOJOU-SE NO
INTERIOR DA LATA DE FORMA EXPONTÂNEA (sic) (...) ou APÓS A ABERTURA (FUROS) DA MESMA”
(FLS. 358, MAIÚSCULAS DO PERITO, NEGRITOS E SUBLINHAS NOSSOS).
“ESTA
AFIRMAÇÃO BASEIA-SE NA ESTRUTURA FÍSICA ÍNTEGRA E DIMENSÕES DO ACHADO VERSOS
ABERTURAS DO RECIPIENTE (FLS. 358)
“A INTRODUÇÃO CRIMINOSA DO INSETO PODERIA ATÉ SER FEITA” (FLS. 358)
Não é mesmo
interessante? Pois nada disso adiantou, tascou-se a responsabilidade objetiva
do fabricante, e, apreciados com os devidos encômios nosso caprichado recurso
especial, foi a ele negado provimento. Foi das poucas vezes que ficamos
satisfeitos com a resposta negativa dada por um tribunal, tal a apreciação in totum e respeitosa dos argumentos. Foi
para a parede como um troféu. É, os advogados também tem os seus.
Dirão os versados,
como é que estavam discutindo prova em recurso especial? Aí é que está o pulo
do gato.
Até segunda,
quando se reunirá novamente o STF para julgar o mensalão.