quarta-feira, 11 de março de 2015

Um juiz contra o auxílio-moradia

Juízes contra o auxílio-moradia


Omar Gilson de Moura Luz

Juiz de direito em exercício na comarca de Viçosa


O Colégio dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil vai se reunir nesta quinta-feira em Belo Horizonte. Os mais altos dignatários dos tribunais estaduais, vexados com a indignação popular, vão anunciar que não mais se perfilharão à decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, regulamentando artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, mandou pagar a todos os juízes o auxílio-moradia. O penduricalho financeiro, sobre ser um acinte aos nacionais, é a encarnação da indecência e da imoralidade, proclamarão os altos magistrados.

A notícia é verdadeira? Não, claro que não. Os homens que comandam o judiciário em todos os quadrantes, muitos deles outrora acerbos críticos do indecoroso apetite do Congresso Nacional – mais conhecido por sua voracidade no banquetear com o dinheiro público do que pelo serviço que presta à nação –, desvestiram-se do que havia de mais caro e sagrado para a magistratura: a conduta moral sem jaça. Sabe-se agora que sempre invejaram os legisladores, queriam ser como eles, gozar o que o despudor proporciona, porque a negociata, na frase jocosa do Barão de Itararé, “é o bom negócio para o qual não me convidaram”. Não por outro motivo um juiz, logo que o CNJ autorizou o torpe pagamento, disse que o populacho logo se esqueceria, pois, afinal, “os cães ladram, e a caravana passa”. Olvidam-se de que a invídia – móvel da ação de Iago na tragédia shakespeariana de Otelo – não tarda a atrair as suas perversas consequências.

Propalam os defensores do auxílio-moradia que a verba está prevista em lei, seria legítima. Não se vai discutir aqui o contorcionismo jurídico para a ilação risível de que o auxílio-moradia deva ser pago a todos os juízes do país, pois o que a lei quis foi o reembolso daquilo que o magistrado viesse a gastar com aluguel, nunca o pagamento àqueles que, em suas respectivas comarcas, têm imóvel residencial próprio. Veja que a imoralidade da lei aflora justamente nesse ponto, porque a miríade de funcionários públicos, também mandados pelo estado para trabalhar fora de seus lugares de origem, direito também teria, na mesma medida, de haver a vexatória verba. Mas não é só, vem mais por aí.

Na minuta do Estatuto da Magistratura, que substituirá a Loman, está previsto o pagamento de multifárias extravagâncias e imbecilidades, como o 14º e 15º salários, sob o rótulo de “produtividade”; verba para especialização (mestrado, doutorado ou pós-doutorado), auxílio-saúde, auxílio-transporte, auxílio-creche, auxílio-educação e, ainda, passaporte diplomático (para que os enfatuados juízes não se submetam à alfandega nas viagens ao exterior), entre outras muitas toleimas e brincadeiras com o dinheiro alheio.

A passos largos, na contramão dos fundamentos éticos da cultura jurídica ocidental, afasta-se a magistratura de valores que a inspiraram por séculos: o agir moral, o bem comum, o cultivo das virtudes. Tragados pelo mal contemporâneo – o do utilitarismo –, os juízes parecem ter se esquecido do princípio da identidade: já não se identificam no próximo.

Os funcionários públicos do Brasil, os comuns, os que não têm sinecuras, precisam se mobilizar para estancar a sangria. As redes sociais estão aí e por elas há de ser iniciada a cruzada para volver o Judiciário para o caudal da moralidade e do respeito ao dinheiro do povo.

Os juízes querem remuneração digna, compatível com a honorabilidade e com os graves deveres do cargo; querem o retorno da quitação dos adicionais por tempo de serviço, que premia a experiência; e a paridade da remuneração entre os da ativa e os aposentados, e nunca, jamais, o aumento travestido, enganoso em sua gênese legislativa e espúrio em sua regulamentação, meio ardiloso de cercear reivindicações dos demais servidores públicos do país, que também anelam e merecem ganhos reais.

O que diz a Constituição da República? Todos são iguais perante a lei. Pode ser, mas uns são mais iguais que outros.

(Publicado em 11/03/2015, Jornal Estado de Minas)


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