Juízes contra o
auxílio-moradia
Omar Gilson de Moura Luz
Juiz de direito em exercício na comarca de Viçosa
O Colégio dos
Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil vai se reunir nesta quinta-feira
em Belo Horizonte. Os mais altos dignatários dos tribunais estaduais, vexados
com a indignação popular, vão anunciar que não mais se perfilharão à decisão do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, regulamentando artigo da Lei Orgânica
da Magistratura Nacional, mandou pagar a todos os juízes o auxílio-moradia. O
penduricalho financeiro, sobre ser um acinte aos nacionais, é a encarnação da
indecência e da imoralidade, proclamarão os altos magistrados.
A notícia é
verdadeira? Não, claro que não. Os homens que comandam o judiciário em todos os
quadrantes, muitos deles outrora acerbos críticos do indecoroso apetite do
Congresso Nacional – mais conhecido por sua voracidade no banquetear com o
dinheiro público do que pelo serviço que presta à nação –, desvestiram-se do
que havia de mais caro e sagrado para a magistratura: a conduta moral sem jaça.
Sabe-se agora que sempre invejaram os legisladores, queriam ser como eles, gozar
o que o despudor proporciona, porque a negociata, na frase jocosa do Barão de
Itararé, “é o bom negócio para o qual não me convidaram”. Não por outro motivo
um juiz, logo que o CNJ autorizou o torpe pagamento, disse que o populacho logo
se esqueceria, pois, afinal, “os cães ladram, e a caravana passa”. Olvidam-se
de que a invídia – móvel da ação de Iago na tragédia shakespeariana de Otelo –
não tarda a atrair as suas perversas consequências.
Propalam os
defensores do auxílio-moradia que a verba está prevista em lei, seria legítima.
Não se vai discutir aqui o contorcionismo jurídico para a ilação risível de que
o auxílio-moradia deva ser pago a todos os juízes do país, pois o que a lei
quis foi o reembolso daquilo que o magistrado viesse a gastar com aluguel,
nunca o pagamento àqueles que, em suas respectivas comarcas, têm imóvel
residencial próprio. Veja que a imoralidade da lei aflora justamente nesse
ponto, porque a miríade de funcionários públicos, também mandados pelo estado
para trabalhar fora de seus lugares de origem, direito também teria, na mesma
medida, de haver a vexatória verba. Mas não é só, vem mais por aí.
Na minuta do
Estatuto da Magistratura, que substituirá a Loman, está previsto o pagamento de
multifárias extravagâncias e imbecilidades, como o 14º e 15º salários, sob o
rótulo de “produtividade”; verba para especialização (mestrado, doutorado ou
pós-doutorado), auxílio-saúde, auxílio-transporte, auxílio-creche,
auxílio-educação e, ainda, passaporte diplomático (para que os enfatuados juízes
não se submetam à alfandega nas viagens ao exterior), entre outras muitas
toleimas e brincadeiras com o dinheiro alheio.
A passos
largos, na contramão dos fundamentos éticos da cultura jurídica ocidental,
afasta-se a magistratura de valores que a inspiraram por séculos: o agir moral,
o bem comum, o cultivo das virtudes. Tragados pelo mal contemporâneo – o do
utilitarismo –, os juízes parecem ter se esquecido do princípio da identidade:
já não se identificam no próximo.
Os funcionários
públicos do Brasil, os comuns, os que não têm sinecuras, precisam se mobilizar
para estancar a sangria. As redes sociais estão aí e por elas há de ser
iniciada a cruzada para volver o Judiciário para o caudal da moralidade e do
respeito ao dinheiro do povo.
Os juízes
querem remuneração digna, compatível com a honorabilidade e com os graves
deveres do cargo; querem o retorno da quitação dos adicionais por tempo de
serviço, que premia a experiência; e a paridade da remuneração entre os da
ativa e os aposentados, e nunca, jamais, o aumento travestido, enganoso em sua
gênese legislativa e espúrio em sua regulamentação, meio ardiloso de cercear
reivindicações dos demais servidores públicos do país, que também anelam e
merecem ganhos reais.
O que diz a Constituição da República? Todos são
iguais perante a lei. Pode ser, mas uns são mais iguais que outros.
(Publicado em 11/03/2015,
Jornal Estado de Minas)
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