As verbas pagas a título de pensão alimentícia
passam a integrar definitivamente o patrimônio do alimentando e possuem caráter
irrepetível, ou seja, não estão sujeitas à devolução. Por isso, o alimentante
não pode utilizar a ação de prestação de contas como meio para fiscalizar os
recursos transmitidos, já que não há possibilidade de apuração de crédito em
seu favor.
Esse entendimento foi fixado pela Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (TJDF) que considerou inviável uma ação de prestação de contas
destinada a averiguar eventual má gestão da verba alimentícia paga a menor, sob
a guarda de sua genitora. Para o colegiado, deficiências na administração da
pensão devem ser objeto de análise global na via judicial adequada, com ampla
instrução probatória, procedimento incompatível com o rito do processo de
contas.
“A beligerância e a falta de comunicação entre
genitores não se solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque
os alimentos prestados para garantir o bem-estar da criança ou do adolescente
não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de gestão de coisa
alheia”, apontou o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva.
Na ação que deu origem ao recurso, o autor buscou a
prestação de contas de sua ex-mulher pela administração da verba alimentar
devida à filha. Além de defender seu direito de exigir prestação de contas, o
pai alegava que havia dúvidas sobre a aplicação da pensão alimentícia por parte
da mãe.
Pequenas despesas
A decisão da primeira instância, mantida pelo
tribunal local, entendeu que não seria razoável pretender que a mãe
comparecesse em juízo para prestar contas, de forma contábil, de todas as
inúmeras pequenas despesas relacionadas com o sustento e o cotidiano da filha
menor.
O ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento do
recurso especial, destacou que o artigo 1.583 do Código Civil de 2002 garante
ao genitor que não detém a guarda do filho o direito de fiscalizar o
cumprimento, pelo outro genitor, dos aspectos pessoais e econômicos da guarda,
o que escapa ao verdadeiro objeto da ação de prestação de contas.
“A possibilidade de se buscarem informações a
respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título
de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha
aritmética de gastos ao alimentante, que não é credor de nada”, afirmou o
relator.
Rito específico
Segundo o ministro, o processo de contas faculta
àquele que detiver o direito de exigi-las de terceiro – ou a obrigação de
prestá-las – a utilização do rito específico para averiguação de eventual
crédito ou débito.
Com lógica distinta, na ação de alimentos, a verba
alimentar ingressa definitivamente no patrimônio do alimentado. Assim, ainda
que o alimentante discorde da aplicação dos recursos, não há a possibilidade da
devolução da verba alimentícia em virtude do princípio da irrepetibilidade dos
alimentos.
“Na verdade, há presunção de que as verbas
recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar,
abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre
outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação própria quando
presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder”, afirmou o
relator.
Ao manter o acórdão do TJDF, Villas Bôas Cueva
lembrou que a via adequada para questionar o valor da verba alimentar é a ação
revisional ou a ação própria para a modificação da guarda ou suspensão do poder
familiar.
Além disso, o ministro apontou que demandas desse
tipo não devem ser incentivadas “sob pena de se patrimonializar excessivamente
as relações familiares, sensíveis por natureza – especialmente em virtude da
irrepetibilidade da verba alimentar e, consequentemente, inexistência de crédito
na forma mercantil”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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