É dos prazeres mais refinados rasgar papéis de autos findos. Há máquinas fragmentadoras de papel nos escritórios mais chiques e naqueles de clientes nebulosos, como aquelas que há dez anos só víamos em filmes americanos.
Pois, de mudança de escritório boutique para o topo da modernidade (explicações, depois), vamos nos desvencilhando de papéis, papéis e papéis.
O prazer é tanto maior se os autos são volumosos e seu cliente, leia-se também, seu advogado(a) ganharam a causa. Aí é só rememorar: ah, como trabalhei; ah como sofri (advogados sofrem, só os sensíveis); ah, como me esforcei; ah, as dúvidas jurídicas (há quem as tenha); etc, etc, etc.
E hoje, com que inenarrável prazer rasgamos com as próprias mãos as agora desnecessárias cópias de 400 páginas. E se a vitória houver sido contra a toda poderosa Administração Pública? Bom demais.
Qualquer cidadão sensato ou do primeiro mundo ficaria estarrecido diante do absurdo volume de papel. Salvemos as florestas. Quantas mudinhas de eucalipto nestes autos e espalhadas pelos escritórios das partes e repartições públicas? Pelo método da ciência infusa, adivinhamos umas doze mudas de eucalipto.
A cada folha rasgada, mais lembranças: aquele AR (aviso de recebimento) tão esperado, agora um reles papel. Ah, a impermanência, a fatuidade da vida. Tudo muda, tudo flui. Esse Heráclito sabia mesmo das coisas.
Mais folhas rasgadas, mais lembranças, há seis anos a cliente, leiga, querendo, quase implorando garantias de sucesso na causa. Nos verdes anos éramos mais compreensivos, etc e tal. Agora, na meia idade atingida, já tascamos um querida, caríssima, sem garantias, quem dá a sentença é o juiz. Advogado que garante perdeu o juízo.
É claro que explica-se o compromisso, o afinco, o apuro; que o direito em questão é este ou aquele; que contra o direito há isso e aquilo; que a tese é essa ou aqueloutra.
Confia-se ou não. Como dizia o mestre Calamandrei: o único direito do cliente é trocar de advogado. Assinamos embaixo.
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