Hoje, 21/09/11 haverá paralisação nacional dos médicos com suspensão por 24 horas de consultas e procedimentos dos planos de saúde que não aceitaram negociar com a categoria.
Do lado dos planos de saúde sabemos pelos jornais que a Fenasaúde, que reúne 15 dos maiores grupos do país, alega que tem discutido com os médicos em fóruns de saúde e que o reajuste concedido por suas afiliadas está entre os maiores do setor.
A Unimed-BH informa que comprometeu-se com os médicos a reajustes anuais, os reajustes na remuneração de consultas e outros procedimentos implementados desde junho significarão nos próximos 12 meses um incremento da ordem de R$ 50 milhões aos honorários médicos pagos.
Para as entidades médicas a consulta da cooperativa foi de fato elevada de R$ 48 para R$ 56, mas permanece aquém do patamar mínimo pleiteado pelos médicos.
O embate com os médicos por honorários dignos tem sido tratado pelos planos de saúde de forma exclusivamente econômica justificando a baixa remuneração pela complexidade do setor de medicina suplementar.
Ocorre que com esse discurso e essa visão os médicos tem sido considerados pelos planos sabidamente como mão de obra barata, como o sal, não como a passagem do evangelho, o sal da terra, mas como o sal comum, branco e barato. E sobre esta mão de obra barata edificaram gigantes do mercado de saúde, bilhões giram neste mercado mas a equação para os médicos continua deficitária.
Já a Abramge-Associação Brasileira de Medicina de Grupo entende que não é sua atribuição discutir remuneração dos prestadores de serviços.
No meio jurídico há os que pensam que cabe à Agência Nacional de Saúde intervir nesta questão.
Divergimos desse entendimento, pois a competência da ANS decorre de lei. A Lei 9.961/00, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, enumera em seu artigo 4º as quarenta e duas atribuições da ANS e no extenso elenco atribuições da Agência não se inclui a definição de valores ou reajuste de honorários médicos ou qualquer poder regulador sobre a matéria.
O máximo a que chega a competência da ANS nessa seara é estabelecer na Resolução Normativa nº 71/04 os requisitos do contrato escrito que deveria ser firmado entre médicos e planos de saúde, entre eles a definição dos valores dos serviços e seu reajuste.
No mais, a Agência limita-se a promover grupos de trabalho e discussões sobre o tema, obedecendo a sua competência definida por lei.
A Resolução declara no caput do art. 2 que em tal contrato “as cláusulas deverão definir direitos, obrigações e responsabilidades das partes”, o que é redundante, e continua com o óbvio: “aplicando-se-lhes os princípios da teoria geral dos contratos”.
Aproveitando a expressão didática do art. 2º da RN nº 71, e valendo-nos do brocardo latino quod abundat non nocet (o que é excessivo não prejudica), fica claro que a questão de honorários entre médicos e planos de saúde é contratual, cabendo às partes envolvidas a discussão do valor e reajustes, excluída, portanto a intervenção da ANS.
O fato de caber à Agência regular o setor de saúde não determina sua intervenção em um contrato que é privado. Sobre a questão o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no julgamento do Recurso Especial 954141/RJ: “TRATAMENTO MÉDICO E HOSPITALAR. OPERADORAS DE PLANOS PRIVADOS E AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DA AGÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE NEXO CAUSAL ENTRE ATO DA ANS E O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. 1 - De acordo com a Lei nº 9.961/2000, que cria e rege a AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS – autarquia recorrente, esta é órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. Não se inclui entre suas atribuições a responsabilidade pelas despesas com tratamento médico ou pelo adimplemento do contrato de prestação de serviços de saúde.”
Afastada a intervenção da ANS na questão de honorários médicos o contrato como privado entre médicos e planos de saúde, se este contrato está determinando prejuízo excessivo para uma das partes, no caso os médicos, o fôro devido para sua discussão é o Poder Judiciário.
Trata-se de contrato de adesão sendo os médicos a parte reconhecidamente hipossuficiente, a parte mais fraca na relação.
Se o cumprimento da obrigação unilateral na forma contratada importar em excessiva onerosidade para o contratante o juiz poderá alterar o que fora estipulado no contrato, a fim de restabelecer o equilíbrio contratual. É a norma inserta no artigo 480, Código Civil.
Aí está o busílis da questão, contrato de direito privado, ônus excessivo para uma das partes, necessidade de intervenção do poder judiciário para equilibrar as prestações: serviços x pecúnia.
Lei há, mas o juiz só age de ofício, há que ser provocado.
Valéria Veloso
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