Com amparo
no artigo 1.025 do Código de Processo Civil (CPC) de
2015, que admite o pré-questionamento ficto de matéria jurídica levantada em
embargos de declaração rejeitados no tribunal de origem, a Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (TRF4) para determinar a demolição de uma edificação erguida em
área de preservação permanente (APP) nas margens do rio Itajaí-Açu e determinar
a recomposição do espaço natural.
O
pré-questionamento ficto ocorre quando a parte aponta omissões em embargos
declaratórios que são rejeitados pela corte de origem, mas tais omissões são
reconhecidas pelo STJ. Nesses casos, segundo o artigo 1.025 do CPC, o recurso
especial é cabível em relação aos pontos levantados nos embargos, e o STJ pode
decidir sobre eles ainda que o tribunal de segunda instância não tenha emitido
juízo de valor a respeito da matéria.
A questão
processual foi debatida durante o julgamento de recurso interposto pelo Ibama
em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal com o objetivo de
exigir a demolição de obra em APP e a recuperação da área.
Omissões
importantes
Segundo o
relator do recurso, ministro Og Fernandes, o TRF4 de fato se omitiu – como
sustentou o Ibama – no exame de teses relevantes arguidas nos embargos de
declaração, particularmente em relação à inaplicabilidade da teoria do fato
consumado e à inexistência de direito adquirido a degradar o meio ambiente.
“Na espécie,
o recorrente questionou elementos jurídicos relevantes que não foram apreciados
de forma explicitamente fundamentada pela instância ordinária”, disse o
ministro, observando que, em tais situações, conforme prevê o artigo 1.025, os
elementos tidos como omissos passam a fazer parte do acórdão recorrido, ficando
assim atendida a exigência do pré-questionamento.
Súmula
De acordo
com o relator, a Súmula 211 do
STJ continua válida, mas deve ser interpretada à luz do Enunciado
Administrativo 3 do tribunal, segundo o qual os requisitos de admissibilidade
do CPC/2015 são exigidos nos recursos interpostos contra decisões publicadas a
partir de 18 de março de 2016 (data de vigência do novo código).
Assim,
segundo Og Fernandes, a súmula – que considera inadmissível a questão recursal
não debatida pelo tribunal de origem, a despeito da oposição de embargos – “se
mantém irretocável perante a análise de recurso especial cuja decisão combatida
foi prolatada durante a vigência do antigo codex processual
(CPC/1973). Contudo, quando o apelo nobre é interposto contra aresto publicado
na vigência do novo CPC, torna-se imperioso o reconhecimento do
pré-questionamento ficto, consagrado no artigo 1.025”.
Demolição
necessária
Quanto à
infração ambiental que motivou o recurso, o ministro afirmou que não basta
impedir novas construções ou determinar medidas compensatórias; é preciso
demolir a construção, devido à inaplicabilidade da teoria do fato consumado
nessas situações.
“A simples
manutenção da edificação irregular em área de preservação permanente elidiu o
ecossistema e a paisagística do local. Desse modo, para assegurar a função
ecológica da APP, a demolição é medida que se impõe”, disse ele.
Og Fernandes
disse que a responsabilização pela recomposição da área de preservação é
objetiva, fundada na teoria do risco integral. Ele lembrou que, em questões
relacionadas ao meio ambiente, deve haver a preponderância dos princípios da
precaução e do poluidor pagador, “impondo-se ao poder público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O ministro
citou a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), na qual a
atividade ruinosa do poluidor corresponde a uma indevida apropriação pessoal de
bens de todos. A regulamentação, segundo Og Fernandes, substituiu o princípio
da responsabilidade subjetiva, fundamentado na culpa, pelo da responsabilidade
objetiva, fundamentado no risco da atividade.
Direito
inexistente
O relator
explicou ainda que a aplicação da teoria do fato consumado equivale a perpetuar
um suposto direito de poluir, o que vai contra o postulado do meio ambiente
equilibrado – bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida.
Para o
ministro, a proteção do direito adquirido não pode ser suscitada para mitigar o
dever de salvaguarda ambiental, não servindo para justificar o desmatamento da
flora nativa, a ocupação de espaços protegidos pela legislação, muito menos
para autorizar a manutenção de conduta potencialmente lesiva ao meio ambiente.
Og Fernandes
destacou a aprovação pela Primeira Seção do STJ, em maio de 2018, da Súmula
613, segundo a qual “não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em
tema de direito ambiental”.
Leia o acórdão.
Processo(s): REsp 1667087
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