quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Dos direitos políticos do cassado, a imaginosa e inconstitucional decisão do Senado Federal


A celeuma, aliás, a perplexidade está instaurada com a inusitada, digo, aberração mesmo, levada a cabo na decisão do Senado Federal lida ontem, 31 de agosto de 2016, pelo presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowsky, (que chamou de sentença a decisão de um colegiado), suprimindo da condenação da presidente afastada Dilma Roussef parte do parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal.

Aos que duvidam:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
TÍTULO IV – Da Organização dos Poderes (Redação da EC 80/2014)
CAPÍTULO IV -  DO PODER LEGISLATIVO
SEÇÃO IV – DO SENADO FEDERAL




Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
(...)
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.


Não é preciso ser professor de direito constitucional ou ministro do Supremo Tribunal Federal para entender o que diz o artigo supracitado.

A lei é clara, e conforme sempre diz o Dr. Jorge Moisés (advogado em Belo Horizonte/MG), “a lei não contém palavras inúteis”.

Mas o Brasil é o Brasil, lamentavelmente. Aqui temos a jurisprudência criativa e um permanente estado de insegurança jurídica. Esta novidade já apelidada pela imprensa de “pedalada jurídica” foi o ápice, a cereja do bolo da criatividade nacional.

Os políticos podem tudo, inclusive acordar contra a Constituição? Não podem.

E para aumentar o non sense do fato a inconstitucionalidade foi perpetrada sob a presidência do Presidente do STF (guardião da Constituição Federal) funcionando como Presidente do Senado e contra a jurisprudência da Corte Superior. 

Inimaginável, mas aconteceu hoje em transmissão nacional para todo o Brasil e o mundo, quiçá.

Desdobrar quesitos? Quando o texto é uno (à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública), dentro do parágrafo, e sequer há ponto e vírgula a separar a condenação da pena?

Uma conjunção, “com”, foi tudo o que o presidente do Senado não quis ler e conclamou seus pares a amainar a pena.

A senadora Kátia Abreu que exortou os colegas a livrarem a presidente cassada da inelegibilidade explicou candidamente aos jornalistas, após a votação, que advogados e juristas debruçaram-se sobre a questão e concluíram que a Lei 1.079, de 1950 não dispõe expressamente sobre a inelegibilidade do presidente da República em caso de condenação.

O que dispõe o artigo 33 da Lei nº 1.079/1950:

“Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda, sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.

Fixar o prazo de inabilitação equivale a suprimir a inabilitação? De novo, não.

Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. Um mantra jurídico.

Além do mais e em primeiro lugar, a Constituição Federal dispõe expressamente sobre a inelegibilidade em caso de condenação do presidente da República. Trata-se da Lei Maior, e lembrando das mais básicas noções de Direito quanto à hierarquia das leis, a óbvia supremacia da Constituição Federal em hipótese de conflito de leis, sem precisar discorrer mais.

Então, foi tudo à risca, antecedida pelo prudente aviso do presidente da Mesa que o presidente da Casa fala quando quiser, a qualquer momento, veio a fala do presidente do Senado, seguiu-se a peroração e o pedido, com um exemplar da Constituição, em verde e amarelo, erguido na mão esquerda, o non sense em cena para brasileiro aturdido ver. A incompreensível bipartição em quesitos estava finalmente explicada.

O Supremo Tribunal Federal enfrentando a questão já decidiu e em sentido contrário à imaginosa decisão do Congresso Nacional, no Mandado de Segurança 21.689:

"O impeachment, no Brasil, a partir da Constituição de 1891, segundo o modelo americano, mas com características que o distinguem deste: no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, lei ordinária definirá os crimes de responsabilidade, disciplinará a acusação e estabelecerá o processo e o julgamento. Alteração do direito positivo brasileiro: a Lei 27, de 1892, art. 3º, estabelecia: a) o processo de impeachment somente poderia ser intentado durante o período presidencial; b) intentado, cessaria quando o presidente, por qualquer motivo, deixasse definitivamente o exercício do cargo. A Lei 1.079, de 1950, estabelece, apenas, no seu art. 15, que a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. No sistema do direito anterior à Lei 1.079, de 1950, isto é, no sistema das Leis 27 e 30, de 1892, era possível a aplicação tão somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo (CF de 1891, art. 33, § 3º; Lei 30, de 1892, art. 2º), emprestando-se à pena de inabilitação o caráter de pena acessória (Lei 27, de 1892, arts. 23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de acessoriedade (CF, 1934, art. 58, § 7º; CF, 1946, art. 62, § 3º; CF, 1967, art. 44, parágrafo único; EC 1/1969, art. 42, parágrafo único; CF, 1988, art. 52, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, arts. 2º, 31, 33 e 34). A existência, no impeachment brasileiro, segundo a Constituição e o direito comum (CF, 1988, art. 52, parágrafo único; Lei 1.079, de 1950, arts. 2º, 33 e 34), de duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment. Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37). A jurisprudência do STF relativamente aos crimes de responsabilidade dos prefeitos Municipais, na forma do DL 201, de 27-2-1967. Apresentada a denúncia, estando o prefeito no exercício do cargo, prosseguirá a ação penal, mesmo após o término do mandato, ou deixando o prefeito, por qualquer motivo, o exercício do cargo." (MS 21.689, rel. min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995.)


Estado Democrático de Direito? Devido processo legal? Os próximos dias dirão.

2 comentários:

  1. Valéria,
    Não se esqueça que vivemos num país chamado Brasil, onde a "jabuticaba" é só nossa. Infelizmente, ainda não nos tornamos um país sério.

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  2. Excelente texto. Tanto em conteúdo quanto em didática.

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