A celeuma,
aliás, a perplexidade está instaurada com a inusitada, digo, aberração mesmo,
levada a cabo na decisão do Senado Federal lida ontem, 31 de agosto de 2016, pelo presidente do
STF, Ministro Ricardo Lewandowsky, (que
chamou de sentença a decisão de um colegiado), suprimindo da condenação da
presidente afastada Dilma Roussef parte do parágrafo único do artigo 52 da
Constituição Federal.
Aos que
duvidam:
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Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I -
processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II -
processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do
Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade;
(...)
Parágrafo único. Nos
casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo
Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por
dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação,
por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais
sanções judiciais cabíveis.
Não é preciso ser professor de
direito constitucional ou ministro do Supremo Tribunal Federal para entender o
que diz o artigo supracitado.
A lei é clara, e conforme sempre diz
o Dr. Jorge Moisés (advogado em Belo Horizonte/MG), “a lei não contém palavras inúteis”.
Mas o Brasil é o Brasil,
lamentavelmente. Aqui temos a jurisprudência criativa e um permanente estado de
insegurança jurídica. Esta novidade já apelidada pela imprensa de “pedalada
jurídica” foi o ápice, a cereja do bolo da criatividade nacional.
Os políticos podem tudo, inclusive
acordar contra a Constituição? Não podem.
E para aumentar o non sense do fato a
inconstitucionalidade foi perpetrada sob a presidência do Presidente do STF (guardião da Constituição Federal) funcionando como Presidente do Senado e contra a jurisprudência da Corte
Superior.
Inimaginável, mas aconteceu hoje em transmissão nacional para todo o Brasil e o mundo, quiçá.
Inimaginável, mas aconteceu hoje em transmissão nacional para todo o Brasil e o mundo, quiçá.
Desdobrar quesitos? Quando o texto
é uno (à perda do cargo, com inabilitação, por oito
anos, para o exercício de função pública), dentro do parágrafo, e sequer
há ponto e vírgula a separar a condenação da pena?
Uma conjunção, “com”, foi tudo o
que o presidente do Senado não quis ler e conclamou seus pares a amainar a
pena.
A senadora Kátia Abreu que exortou os colegas a
livrarem a presidente cassada da inelegibilidade explicou candidamente aos
jornalistas, após a votação, que advogados e juristas debruçaram-se sobre a
questão e concluíram que a Lei 1.079, de 1950 não dispõe expressamente sobre a inelegibilidade do presidente da
República em caso de condenação.
O que dispõe o artigo 33 da Lei nº 1.079/1950:
“Art. 33. No caso de condenação,
o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do
condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime
comum deliberará ainda, sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça
ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.
Fixar o
prazo de inabilitação equivale a suprimir a inabilitação? De novo, não.
Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete
distinguir. Um mantra jurídico.
Além do mais
e em primeiro lugar, a Constituição Federal dispõe expressamente sobre a
inelegibilidade em caso de condenação do presidente da República. Trata-se da Lei
Maior, e lembrando das mais básicas noções de Direito quanto à hierarquia das
leis, a óbvia supremacia da Constituição Federal em hipótese de conflito de
leis, sem precisar discorrer mais.
Então, foi
tudo à risca, antecedida pelo prudente aviso do presidente da Mesa que o
presidente da Casa fala quando quiser, a qualquer momento, veio a fala do
presidente do Senado, seguiu-se a peroração e o pedido, com um exemplar da
Constituição, em verde e amarelo, erguido na mão esquerda, o non sense em cena para brasileiro
aturdido ver. A incompreensível bipartição em quesitos estava finalmente
explicada.
O
Supremo Tribunal Federal enfrentando a questão já decidiu e em sentido
contrário à imaginosa decisão do Congresso Nacional, no Mandado de
Segurança 21.689:
"O impeachment,
no Brasil, a partir da Constituição de 1891, segundo o modelo americano, mas
com características que o distinguem deste: no Brasil, ao contrário do que
ocorre nos Estados Unidos, lei ordinária definirá os crimes de
responsabilidade, disciplinará a acusação e estabelecerá o processo e o
julgamento. Alteração do direito positivo brasileiro: a Lei 27, de 1892,
art. 3º, estabelecia: a) o processo de impeachment somente
poderia ser intentado durante o período presidencial; b) intentado, cessaria
quando o presidente, por qualquer motivo, deixasse definitivamente o exercício
do cargo. A Lei 1.079, de 1950, estabelece, apenas, no seu art. 15, que a
denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer
motivo, deixado definitivamente o cargo. No sistema do direito anterior à Lei
1.079, de 1950, isto é, no sistema das Leis 27 e 30, de 1892, era possível
a aplicação tão somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada
com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo (CF de 1891, art.
33, § 3º; Lei 30, de 1892, art. 2º), emprestando-se à pena de
inabilitação o caráter de pena acessória (Lei 27, de 1892, arts. 23 e 24).
No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950,
não é possível a aplicação da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de
inabilitação assume caráter de acessoriedade (CF, 1934, art. 58, § 7º; CF,
1946, art. 62, § 3º; CF, 1967, art. 44, parágrafo único; EC 1/1969, art.
42, parágrafo único; CF, 1988, art. 52, parágrafo único. Lei 1.079, de
1950, arts. 2º, 31, 33 e 34). A
existência, no impeachment brasileiro, segundo a Constituição
e o direito comum (CF, 1988, art. 52, parágrafo único; Lei 1.079, de 1950,
arts. 2º, 33 e 34), de duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação, por oito
anos, para o exercício de função pública. A renúncia ao cargo, apresentada
na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment.
Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa
(CF, art. 37). A jurisprudência do STF relativamente aos crimes de
responsabilidade dos prefeitos Municipais, na forma do DL 201, de 27-2-1967.
Apresentada a denúncia, estando o prefeito no exercício do cargo, prosseguirá a
ação penal, mesmo após o término do mandato, ou deixando o prefeito, por
qualquer motivo, o exercício do cargo." (MS 21.689, rel. min. Carlos
Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de
7-4-1995.)
Estado Democrático de Direito?
Devido processo legal? Os próximos dias dirão.
Valéria,
ResponderExcluirNão se esqueça que vivemos num país chamado Brasil, onde a "jabuticaba" é só nossa. Infelizmente, ainda não nos tornamos um país sério.
Excelente texto. Tanto em conteúdo quanto em didática.
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