terça-feira, 14 de junho de 2016

Trajes e civilização

Estimada leitora relata que esteve recentemente no fórum de Belo Horizonte/MG por várias vezes e em todas elas ficou chocada com os trajes das mulheres em recinto forense. Pediu que esta coluna de costumes discorresse sobre o tema.

Então lá vai, a pedido. Leitores aqui são estimados e tratados a pão-de-ló, digo sempre. Todos os nossos dezessete fiéis contados nos dedos, muito embora o Google Adsense ou o que isso signifique queira nos induzir a erro creditando não sei quantas views ou visualizações pelo mundo afora. Gente de Minas é desconfiada, e continuamos assim.

Há muito deixei de horrorizar com os atentados ao pudor e adequação ao ambiente praticados pelas mulheres de todas as classes e faixas etárias no fórum ou no tribunal. No tribunal acontece menos, o ambiente é mais solene e o número de pessoas que frequenta é menor, assim, os episódios são mais raros. Quando me deparo com o fato apenas registro e penso: inacreditável, sem horror mas com compaixão pela vítima e praticante consubstanciadas na mesma pessoa e, tentando ver, até nisso, um certo humor pelo contraste com o ambiente.

Sim, dizem os entendidos que o humor surge quando algo destoa do esperado.

Cheguei a algumas conclusões sobre o tema ao longo de vários anos frequentando o ambiente forense. 

O fórum é um recorte do mundo lá fora. Fora das paredes do fórum o mulherio tem acertado em cheio como ferir o bom gosto e a adequação. Sabedor disso, o Poder Judiciário mandava inserir nas intimações a frase: comparecer trajando vestimenta adequada ao ambiente forense. Se bem que o aviso era mais dirigido ao público masculino, pois, seguia-se a informação de proibidos chinelo, bermuda e boné. Hoje em dia a frase que consta no rodapé das intimações e citações e vale para todos é: ao comparecer em Juízo, esteja munido de doc. de identificação e trajando vestimenta adequada ao ambiente forense.

Sinal dos tempos. De fato, há trinta anos atrás não se via tanto exagero na sumariedade de trajes ou inadequação. Há trinta anos atrás as mulheres não estavam tão decididas a exibir os corpos o mais possível aos olhos de todos; revelando-se, esse desnudamento em público, mais traço de submissão ao desejo masculino do que de libertação e uso consciente do próprio corpo. 

Parece que a regra é a exibição, mesmo que os atributos físicos não estejam, por assim dizer, adequados à exposição pública. Nisto, sem dúvida, houve uma democratização. Muitas não se intimidam e expõem não só os méritos físicos. 

A culpa é da moda e da televisão que ditam os padrões de beleza e de atitude, dirão alguns. Também. Disse certa vez um estilista estrangeiro sobre o modo de vestir da média nacional: as brasileiras gostam de usar um número menor que o seu. Tinha e tem razão. Há corpos muito apertados em calças colantes em qualquer classe social e idade. O que é um contra senso se se tratar de uma trabalhadora ou intelectual. Esse esmagamento de órgãos e artérias dificulta o pensamento e a ação. Além de reclamar atenção para atributos que não estão em questão no ambiente forense ou de trabalho, ou não deveriam estar.

Sinal dos trópicos. Não há como negar a sensualidade latente dos latinos que acaba se revelando nos trajes. Também o calor ajuda no comprimento exíguo e decotes aprofundados. E as transparências, então? Os três quesitos tem presença garantida nos corredores do fórum. Diga-se, do lado de cá do balcão, nas advogadas, estagiárias e partes. As servidoras estão sempre compostas. Idem promotoras e juízas. A liturgia do cargo, decerto, impõe certa regra e reserva. Já as advogadas...

É a proliferação de faculdades de direito, dirão outros, apontando para a ascensão das classes menos favorecidas aos cursos superiores. Pode ser, sed contra, (argumento em contrário), basta dizer que, as jovens de classe média e classe média alta podem ser vistas hoje em trajes tão sumários, à luz do dia como nas festas, dignos de profissionais do sexo. Sem favor algum. Houve, por assim dizer, uma democratização da sumariedade de trajes atingindo o pico da escala social.

A modernidade hoje usa saia curtíssima em qualquer ambiente. 

Este assunto estava na pauta desde a mensagem da leitora, aconteceu que ontem tive uma visão que resumiu a ópera e definiu a publicação. Na manhã de segunda-feira num colégio católico, temperatura variando de 5 a 12 graus neste inverno, observei de longe uma professora acompanhada de um professor, ele devidamente trajado, ambos caminhando em direção ao elevador. Ela estava de casaco de frio, cachecol e uma calça colante, legging para os entendidos, de aspecto brilhante, que torneava todo seu corpo até a cintura onde o casaco terminava. Que visão ilustrativa. O corpo feminino não só exposto mas atraindo forçosamente o olhar para as partes íntimas naquele momento publicadas. Ali, no saguão de colégio católico no frio. Só no Brasil. As pessoas reagem como se nada estivesse acontecendo. Somos todos uns liberais, o corpo humano, no caso, o feminino exposto, é belo, e o belo deve ser mostrado (máxima nacional), mesmo nesse frio, mesmo num colégio, mesmo a expositora e exposta sendo professora. Convenhamos, tudo tem hora e lugar.

Concluí ontem porque isso acontece no Brasil, no colégio católico e no fórum em grande medida. Falta-nos educação. Anos civilizatórios para ligar quase que intuitivamente o local ao traje adequado. E também um espelho de corpo inteiro. Ajuda bastante enquanto falta a civilização. Enquanto a civilização redentora não chega pode-se usar com o espelho de corpo inteiro a salvadora regra, menos é mais. Menos, no caso, é chamar menos atenção e não menos tecido, que fique claro.

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