“A igualdade e o tratamento isonômico supõem o
direito a ser diferente, o direito à autoafirmação e a um projeto de vida
independente de tradições e ortodoxias, sendo o alicerce jurídico para a
estruturação do direito à orientação sexual como direito personalíssimo,
atributo inseparável e incontestável da pessoa humana”.
O
entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas
resume bem o posicionamento de toda a corte no julgamento de questões
envolvendo relações homoafetivas e homossexualidade. Homofobia, partilha de
bens, adoção, previdência privada, entre outros assuntos, são discussões
frequentes na pauta do STJ.
Na data em
que se comemora o Dia Internacional de Combate à Homofobia (17/5), o STJ abriu a
sua jurisprudência para mostrar o posicionamento do Tribunal da Cidadania a
respeito do tema.
Esforço
mútuo
Em 10 de
fevereiro de 1998, mais de dez anos antes da decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, a
Quarta Turma do STJ decidiu, em um caso de partilha de bens de um casal
homossexual, após a morte de um dos parceiros, que o sobrevivente teria direito
de receber metade do patrimônio obtido pelo esforço mútuo.
O relator do
recurso (REsp 148.897) foi o ministro Ruy Rosado, já aposentado. Em seu voto,
ele reconheceu que o legislador não observou os efeitos jurídicos decorrentes
de relações homoafetivas, mas que essa realidade não poderia ser ignorada pelos
juízes.
“O Direito
não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta
determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e deveres”,
disse o ministro.
Pensão
alimentícia
Em outro
julgamento, também da Quarta Turma, o colegiado reafirmou a viabilidade jurídica
da união estável homoafetiva ao concluir que o parceiro em dificuldade
financeira pode pedir pensão alimentícia após o rompimento da união estável.
Os ministros
reformaram decisão da Justiça paulista que havia considerado o pedido de pensão
juridicamente impossível, por entender que a união homoafetiva deveria ser tida
como sociedade de fato. Ou seja, apenas uma relação negocial entre pessoas, e
não como uma entidade familiar.
Para o
relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a legislação que
regula a união estável deve ser interpretada “de forma expansiva e igualitária,
permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico protetivo
conferido aos casais heterossexuais”.
No caso
apreciado, o colegiado determinou o retorno do processo ao tribunal de origem
para que fossem avaliados os requisitos de reconhecimento da união estável e da
necessidade do pagamento da pensão.
Previdência
e plano de saúde
Em 2011, no
julgamento do Recurso Especial 932.653, a Sexta Turma declarou “não haver mais
espaço para renegar os direitos provenientes das relações homoafetivas” e que
essa postura só contribui com o ideal de uma sociedade mais justa, humana e
democrática, assegurada pela Constituição Federal.
O colegiado
reconheceu o direito de um homem receber pensão por morte do companheiro
falecido, que era servidor público federal. A União sustentou a impossibilidade
de equiparação entre união estável e união homoafetiva, para efeito de
concessão de pensão por morte.
A turma,
entretanto, entendeu que “desigualar o tratamento de parceiros homoafetivos
para negar-lhes a pensão por morte é desprezar o valor da dignidade humana”.
Em decisão
semelhante, a Terceira Turma do STJ negou recurso da Caixa Econômica Federal
que pretendia impedir um homossexual de colocar seu companheiro de mais de sete
anos como dependente no plano de saúde.
No acórdão,
o colegiado destacou que “o homossexual não é cidadão de segunda categoria. A
opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da
pessoa humana”.
Adoção
Muitos casos
que têm chegado ao STJ dizem respeito à adoção por casais homossexuais. Em
2013, a Terceira Turma manteve decisão que garantiu, dentro de uma união
estável homoafetiva, a adoção unilateral de filha concebida por inseminação
artificial, para que ambas as companheiras pudessem a compartilhar a condição
de mãe da adotanda.
Em seu voto,
a relatora, ministra Nancy Andrighi, ponderou que a situação, “se não
equalizada convenientemente, pode gerar – em caso de óbito do genitor biológico
– impasses legais, notadamente no que toca à guarda dos menores, ou ainda
discussões de cunho patrimonial, com graves consequências para a prole”.
Nancy
Andrighi destacou, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona
o pleno exercício da cidadania a determinada orientação sexual das pessoas: “Se
determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira,
também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais
grupos representativos de minorias de qualquer natureza”, disse ela.
Homofobia
Em matéria
penal, o STJ também já teve oportunidades de reiterar seu repúdio a ações de
intolerância e preconceito. Em junho de 2015, a Quinta Turma negou recurso em
habeas corpus (RHC 56.168) a um homem denunciado por dois homicídios
qualificados, sendo um consumado e o outro tentado.
De acordo
com a denúncia, o crime foi motivado por homofobia. O réu, junto com mais oito
indivíduos, agrediu dois irmãos com pedras, facas, socos e pontapés, por
acreditar se tratar de um casal homossexual. Um dos irmãos morreu na hora e o
outro foi levado ao hospital em estado grave, com politraumatismo na face.
No STJ, a
defesa alegou excesso de prazo na formação da culpa e ausência de fundamentação
idônea para a prisão preventiva, além de sustentar que o réu, por possuir residência
fixa e família constituída, poderia responder ao processo em liberdade.
O colegiado
não acolheu os argumentos. Em relação ao excesso de prazo, prevaleceu o
entendimento do tribunal de origem, que invocou o princípio da razoabilidade
aos prazos processuais em relação a situações complexas, concurso de pessoas,
expedição de cartas precatórias, de modo a justificar eventuais demoras.
Quanto à
prisão preventiva, os ministros entenderam que a decisão se encontrava
devidamente justificada, principalmente para manutenção da ordem pública, tendo
em vista as circunstâncias diferenciadas do crime.
Segundo o
acórdão, as particularidades narradas “evidenciam a gravidade concreta da
conduta incriminada, bem como a personalidade violenta dos agentes, e, via de
consequência, a sua periculosidade efetiva, mostrando que a prisão é mesmo
devida para o fim de acautelar-se o meio social, pois evidente a maior
reprovabilidade da conduta que lhe é assestada”.
Alguns
números de processos não foram divulgados em razão de segredo de justiça.
Esta notícia
refere-se ao(s) processo(s):
REsp 148897
REsp 932653
RHC 56168
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