Caros e acalentados leitores, no fórum de Belo Horizonte, hoje, havia uma fila quilométrica de brasileiros, sentados à espera de fazer seu recadastramento biométrico junto ao Tribunal Regional Eleitoral - TRE. O povo brasileiro, pobre, cansado e de vida dura. Não era a nata que vi no fim da tarde, nas colunas de uma revista de consultório.
Era o mesmo povo que vi numa sala de pronto atendimento de um hospital particular atendendo pelas operadoras de plano de saúde. Sala abarrotada em tempos de arbovírus (Zika, Chinkungunya e Aedes), os planos finalmente quase se equivalem às filas do SUS. Tempo de espera estimado para ontem, seis horas. Em Duque de Caxias/RJ, nesta semana, ouvi na CBN, chegou a 16 horas pelo SUS, na pediatria.
Pois, o fórum estava hoje abarrotado de gente. Havia também muitos advogados no balcão de uma vara cível. Com tanto tempo de espera pude ver lá no final, um advogado famoso, discretamente famoso, aquele de nome, folheando autos. Desses veros advogados que vão ao fórum e consultam autos no balcão.
Tive tempo de espera suficiente para puxar pelo fio da memória seu nome, observei seu rosto mais velho e continua aí, pensei, firme na profissão. Pensei também nos anos de exercício pleno dedicado exclusivamente à advocacia.
Certamente não passou pelo que passarei daqui a quarenta minutos cravados, depois de ir bater na vara de família para pedir mais do mesmo, que o processo ande, que o processo ande, que o juiz despache a petição, a segunda petição do mesmo pedido.
Daqui sairei correndo, pegarei o trânsito para levar um filho ao médico. levará toda a tarde entre deslocamentos e consulta e remédio. Vejam mulheres, atentai bem à diferença de padrão e consequente resultado.
Voltando, vez por outra vejo esse advogado fora do fórum, de terno escuro, alto, discreto. Algumas pessoas encarnam a profissão, esse advogado que vejo é uma delas, divisado na rua é fácil concluir pela advocacia.
Nesse costume de ler a profissão pela "filosomia", como se diz na roça, posso também cometer enganos. Sim, as aparências enganam, como aquele que passou pelo corredor afobado e nervoso, e sim, era o juiz do esperado despacho do dia. Uma pena, mesmo.
Os tempos andam afobados. Deixem o afobamento para os advogados que correm daqui para ali. Não é bom para os advogados, também, é fato. Acontece, que o afobamento, às vezes, traduz um certo ímpeto. Muito necessário para abrir caminho e transpor barreiras até ele, a pessoa física do juiz para mostrar-lhe outra pessoa física, a parte, sequelada, que espera hoje no corredor e por uma sentença há dez anos.
Levar a parte ao fórum é salutar e pedagógico. Desfaz muita lenda que dez anos de processo despertam no imaginário do leigo. Suspeitas de leque variado, de propina a desleixo do advogado.
Pronto, nada como um choque de realidade, varas abarrotadas de processos, advogados se acotovelando nos balcões, serventuários temerosos de juiz, acontece. E a pérola final, a notícia, o processo está com um estagiário para a sentença. A parte se revolta. Meu processo com um estagiário? Não pode ser... Caríssima parte, veja, é humanamente impossível a um só juiz sentenciar milhares de processos. Vai daí que... Mas, olhe, a juíza vai ler. A desilusão foi grande.
É a justiça, o parlamento e o sistema de saúde que temos. É o que somos, não o que queremos ser.
Diz The Economist que fomos traídos, os brasileiros (Latin America). Não misturemos alhos com bugalhos, mas no caldeirão que se tornou o Brasil, o sentimento diário é esse.
No fórum de Belo Horizonte hoje havia uma fila quilométrica de brasileiros tristes, pobres e cansados.
Valéria, seus registros da Vida forense fazem história e ficaram para a História. Parabéns.
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ResponderExcluirValéria, desculpe-me pelo registro anterior e corrigindo digo: ... e ficarão para a História.