terça-feira, 10 de novembro de 2015

Quebrando barreiras

Ontem foi dia de bater às portas do Juizado Especial Cível Federal de Belo Horizonte. São muitas. Foi dia também de esforço concentrado de análise de documentos, redação de petição contra decisão que o cliente reputa injusta e advogados, ilegal. Não seria recurso no lugar de petição, indagaria o leitor advogado. Não neste caso, mesmo porque trata-se de Juizado Especial, aqui não cabe o salvador agravo de instrumento. O motivo não é este, teria já passado o prazo de qualquer recurso, é que os autos estão conclusos ao juiz há quase um ano. Sim, quase um ano numa fatia de jurisdição especialmente criada para o povo, e é claro, para dar celeridade aos processos.

Além do que, o autor propôs a ação sem advogado constituído, o que é possível no JESP (Juizados Especiais da Justiça Comum) e JESF (Juizados Especiais da Justiça Federal), e alardeado como econômico e simples. E dá, no que dá. Lá pelo meio, recebe o conselho: chame um advogado, não é possível prosseguir sem.

Foram cinco horas de raciocínio e análise de documentos para pegar o bonde andando, com todas as peculiaridades que tem uma causa patrocinada pelo autor leigo, com perícia médica e novos pedidos no curso da execução de sentença, dado, suponho, o caráter informal dos Juizados Especiais. E redigir, é claro, tarefa de advogados. Não só, argumentar dialogicamente contra a sentença, Nota Técnica da AGU, essas coisas. Usar os novos fatos e provas trazidos e as conclusões da perícia lá de trás, que se aproveitam à questão presente. E pedir, é claro. Posso ainda ouvir o mestre Galdino em sala, "tem que saber pedir". Pausa para reminiscências e comentário, parece que foi ontem, mas não foi.

Depois desta força tarefa é que se parte rumo às várias portas do JESF de Belo Horizonte. Na turma recursal uma servidora me avisa quando friso a conclusão há quase um ano, "a média aqui na turma recursal é três anos". Será que ouvi bem? Dito assim, de modo calmo, conformado. Não pode ser. Quem tem tanto tempo na vida assim, para esperar um andamento de processo por três anos? Na verdade, isso é inadmissível, muito mais num procedimento que se pretendia célere. É a negação ou negativa da prestação jurisdicional. Mas isso não faz parte do repertório dos servidores, cabe a nós, advogados e partes a indignação.

Os advogados são uns indignados. E provocadores, por certo. Nas duas acepções da palavra, a comum e a técnica. O que foi confirmado logo em seguida. O advogado bate no cartório da turma às cinco da tarde, por motivo justo, depois de cinco horas de análise e redação, e é claro, escaneamento de documentos, a cores, frise-se, das fotografias da grave moléstia que acomete e tortura o autor.

A estas horas já estão começando a dar por encerrado o expediente. E lá vem o advogado(a) juntar a procuração para funcionar no processo. E não só. Cadastrado fisicamente na serventia no décimo sexto andar, pode peticionar eletronicamente lá na outra rua. E ainda quer despachar com o juiz. Aí já é demais. Às dezessete e trinta? Prometi peticionar em quinze minutos, com o pen drive a postos. Duvidaram. Qual o problema? Não é eletrônico, virtual, automático? Mas também não é assim, dra.. Ahh. Bem, diante de tanta persistência é hora de colaborar com a parte e a advogada, não sem antes avisar que, todos os milhares de processos que aguardam há três anos são urgentes, questões previdenciárias e de fornecimento de medicamentos. Não se argumenta com quem colabora, todos temos nossas razões. Não vou dizer que só há uma advogada de corpo presente no cartório, não há tempo, também.

Lá na outra rua, o peticionamento eletrônico teve também seus momentos. Há lá uma escada de ferro em caracol, especialmente destinada aos advogados que esqueceram suas senhas. Funciona como um argumento intimidador, ou lembra a senha ou terá que subi-la para cadastrar outra no andar de cima. Dito e feito, hora de enfrentar a escada. Lembrem-se, temos em Minas Gerais e talvez em todo o Brasil vários sistemas de acessos diferentes plataformas de processo virtual. Cada um funciona de um jeito e somos obrigados a ser versáteis e ágeis em todos os sistemas e linguagens.

Para confirmar a premissa segundo a qual cada braço da justiça funciona de uma forma, descobriu-se que, no JESF o advogado não pode inserir o pen drive para acessar sua petição e documentos e peticionar. Terá que digitalizar tudo de novo no scanner à disposição, mas, em preto e branco. A sorte é que todos os documentos, aliás, a maioria estava à mão em papel e fotografias, prontos a serem mostrados ao juiz em pleno processo digital. 

Hora de, brandindo o comprovante de protocolo como um troféu, feito, pedir no balcão para ir ter com o juiz. Faltam poucos minutos para as dezoito horas. Depois de tanto empenho, espera-se sentado, como convém a um advogado. Veio a jovem servidora, o juiz não pode receber a senhora. Ele não vai me receber, repito, como que confirmando as palavras. Mas não me mexo. A servidora entende que deve acrescentar algo diante da cena inusitada. Não é que ele não queira. É que amanhã tem sessão da turma recursal e eles (juiz e assessores) estão com muito trabalho. Sei. E pensando cá com meus botões da camisa branca, que juiz em sã consciência receberia assim, de inopino, uma advogada entrante no feito em conclusão há quase um ano? A senhora pode voltar na quarta-feira. Certo, então. Voltarei na quarta-feira. Ele gostaria de marcar a hora? Não, senhora. Agradecimento de praxe aos funcionários e despedida.

De volta ao térreo, passando pela catraca sem precisar passar pelo detector de metais, obrigatório na ida, lembro da cena ocorrida mais cedo. Uma jovem advogada ou tão jovem, que estagiária passou pelo constrangimento de ser admoestada pela saia curtíssima, não poderia subir assim. Foi incitada pela funcionária a esticá-la e descê-la da cintura até que atingisse uma altura compatível com o recinto. Sob o olhar dos transeuntes e dos dois guardas que ladeiam o detector de metais de bolsas e as catracas.

No fórum entraria tranquilamente. Se bem que, já começam a colocar catracas no hall, em breve virá o controle do traje adequado.

Com tantos cuidados (da Justiça Federal), quanto ao traje e à segurança, catracas, dois detectores de metal na entrada, estão a reclamar maior empenho o sistema de peticionamento eletrônico, (a página é antiga, de tamanha poluição visual, só vendo) e o vernáculo na página. Exige-se tanto dos advogados, que nós ao depararmos com "suscinta" em página oficial, nos perguntamos, de novo, todo dia e cada momento, que país é este? Para quem duvida:


** Neste campo informe o teor do arquivo que está sendo adicionado à Petição, com uma descrição suscinta e menor que 200 caracteres. Para Petições Iniciais tenha cuidado de informar qual arquivo é a Petição Inicial de fato.NÃO UTILIZE CARACTERES ESPECIAS.

Emitido pelo site www.trf1.jus.br em 10/11/2015 às 17:35:21 


Voltando ao título e tema, o advogado é um quebra barreiras, vai transpondo uma a uma, das físicas às virtuais, às emblemáticas, ligadas à liturgia do cargo, e secundadas pelos servidores. Haja disposição e liberdade para tanto.

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