quinta-feira, 15 de maio de 2014

Isso não se faz com um advogado

Como se fôssemos todos iguais perante a lei, o tempo e o século

Temos história hoje. Já falamos aqui da tripla jornada, etc., aquela lenga-lenga de ativista que o pessoal ouve só por educação e torce o nariz, de lado. Depois de produzir alguns milagres como aumentar o tempo de cada hora e fazer um monte de coisas, calhou que as artes mágicas não funcionaram corretamente e tivemos que produzir um outro milagre instantâneo, chegar ao tribunal em quinze míseros minutos, a tempo da sessão de julgamento.

comme il faut, diga-se de passagem, traduzindo, como deve ser, adequadamente trajada. Com os brincos e o casaco na mão, adentramos às pressas e demos de cara com plácida conversa entre os desembargadores sobre o jogo de futebol na noite anterior. Claro, o clássico que agitou o Mineirão ontem. A presidente da Câmara não havia chegado.  

Sem suportar a lenga-lenga futebolística, que ficaria melhor na hora do lanche dos magistrados e não defronte a plateia de advogados (que não podem palpitar do lado de cá do cancelo), fomos caminhar e diminuir os batimentos cardíacos acelerados pela corrida do estacionamento até o plenário e vislumbramos a desembargadora atravessando o saguão, apertando o passo (depressa).

Suspiramos fundo, mais uma acelerada que deve já haver feito sua cota de milagres do dia. Enquanto isso seus colegas com os batimentos cardíacos normais aguardavam tranquilamente em seus lugares. 

Logo apareceu de toga e deu início à sessão. Percebi de cá, que ainda arfava levemente. Leva um tempo. A frase do dia: It's not fair (não é justo), rapazes. As mulheres teriam que ter direito a uma cota extra de tempo. Assim não dá, assim não é possível. Mas nada foi dito ou perguntado e tudo correu como se fôssemos todos iguais perante a lei, o tempo e o século.

O tal do erro grosseiro

Aconteceu fato constrangedor na sessão. Veio um advogado do interior, esmerou-se na tribuna em volume máximo, falou tão alto que saímos da sala. Não somos obrigados a suportar tudo. Se a pessoa já vem sensibilizada de uma manhã cheia e uma corrida contra o tempo, ter os tímpanos atacados é pedir demais. Saímos da sala e mesmo de porta fechada ouvia-se o vozeirão. Mais três ou quatro também saíram. E na sala contígua um advogado sussurrava à Câmara ao microfone, nem da porta se ouvia.



Assim que o advogado deixou a tribuna, voltamos à sala e presenciamos não só a tinta que levou, à unanimidade, mas a estocada desnecessária que veio no voto falado pelo desembargador. Precisava escandir as palavras erro grosseiro na interposição do recurso nas narinas do causídico, frente à assembleia de advogados? Frente talvez à cliente ou colega que o acompanhou sabe-se lá de qual Comarca dessas Minas Gerais? 

Isso não se faz, dissemos cá com nossos botões. Vejam como a profissão expõe uma pessoa ao constrangimento público. 

Vai ver que o advogado, já entrado em anos, ainda pensa em termos de ação de execução e não em cumprimento de sentença. Talvez tenha lido Cassio Scarpinella Bueno, que tem tese contrária, com fundamento, quanto aos recursos cabíveis, se agravo ou apelação em virtude da alteração da definição de sentença. Tese minoritária, deu tanta dor de cabeça que consumimos com o livro, e não podemos citar ipsis litteris seu conteúdo, para alívio dos leitores leigos, é claro. Os da classe, tenho certeza lamentarão profundamente a perda do livro e ausência de maiores informações.

Isso não se faz com um advogado. Nosotros não falamos isso dos juízes, dizemos nos recursos simplesmente "equivocou-se", e não adjetivamos. Os advogados mais bonzinhos escrevem eufemisticamente "não procedeu com o costumeiro acerto." Soa pedante e bajulador mas tem gente que gosta. 

Desta sentença horrorosa, digo, equivocada, que nos levou ao tribunal hoje (prolatada contra a prova dos autos, contra não uma, mas contra três súmulas do STJ, de números 101, 229 e 288), dela só falamos equivocada. E estamos conversados, não estamos aqui para atacar ninguém, só preservar o direito da apelante à indenização por invalidez, o que foi feito, à unanimidade e ponto final. 

Isso não se faz com um advogado, e em público. Nunca vimos um acórdão admitindo erro grosseiro do juiz singular, apenas reforma-se a decisão e ponto. Mas erros grosseiros apontados aos advogados, preto no branco, nos acórdãos, aos montes, especialmente no quesito interposição de recurso. Que diferença de tratamento é essa? Juiz equivoca-se e advogado erra grosseiramente?

A adjetivação do erro é grosseira com os advogados. A igualdade de tratamento está na lei. Vamos ter que repetir o artigo 6º daquela lei federal que vem a ser o Estatuto da Advocacia? Ainda bem que o juiz conhece a lei, poupa-nos o trabalho.

Notas:

Súmula 101: A ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora prescreve em um ano".

Súmula 288: "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral".

Súmula 229: "O pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão".

Lei Federal nº 8.906/94, Estatuto da OAB, art. 6º: "Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos." 

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