Se o espaço familiar é sadio e possibilita a proteção e o
desenvolvimento da criança, a questão de gênero seria algo menos importante no
conjunto de fatores que poderia impedir a adoção. Entretanto, a existência de
determinados segredos familiares pode prejudicar o desenvolvimento emocional da
criança, já que impossibilita a transmissão e integração do psiquismo de algo
que era do outro.
Essa síntese de um laudo psicossocial se constituitiu num dos
motivos que levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
a manter sentença que indeferiu pedido de
habilitação para adoção de menor, feito por um casal homossexual. O caso
tramita sob segredo de Justiça no 1º Juizado da Infância e Juventude de Porto
Alegre, sendo um dos ‘‘pais’’ transexual.
Na Apelação encaminhada ao TJ-RS, o casal adotante pediu novo laudo
psicológico, com outros profissionais, queixando-se de ‘‘certo desconhecimento
acerca de transexualidade’’ por parte dos atuais avaliadores. Alegou que os
técnicos ficaram mais preocupados com a transexualidade em si do que como
efetivamente ambos se apresentam, em termos de comportamento, perante a
sociedade.
Narcisismo
O relator do recurso, desembargador Luiz Felipe
Brasil Santos, afirmou no acórdão que a disciplina legal foi plenamente
observada, uma vez que foram juntados aos autos tanto o laudo social como o
psicológico. Contudo, o parecer técnico foi pela ‘‘contraindicação’’ da
habilitação dos autores para adoção.
O relator destacou que a inconformidade com a conclusão dos laudos
está fundada em meras impressões pessoais sobre a abordagem e o método de
avaliação dos profissionais e não vem respaldada em qualquer documento técnico
capaz de infirmar ou contrapor o parecer da equipe interdisciplinar do Juizado
da Infância e Juventude, formada por profissionais idôneos e experientes em
procedimentos desta espécie.
Para o relator, o compromisso desses técnicos vai além da simples
constatação da motivação do casal pretendente à adoção. Na verdade, esses
analisam, de forma ampla, a adequação, o preparo e a capacidade dos candidatos
à adoção de uma criança, a fim de proporcionar-lhe desenvolvimento pleno e
saudável.
Santos chegou a transcrever no acórdão a íntegra do parecer da
procuradora de Justiça Juanita Rodrigues Termignoni, que tem assento no
colegiado. Esses fundamentos foram integrados a seu voto como razões de
decidir.
Diz um dos trechos, analisando o laudo: ‘‘(...) o que a profissional
psicóloga percebeu na particularidade do caso das próprias autoras, no seu
psiquismo, é um mecanismo de justificação mútua que, na verdade, ainda que as
mantenha unidas, como casal etc., envolve certa negação do real, certa
intolerância à discussão acerca desse real... Ao final, a profissional apenas
tenta verificar quais as consequências de tal ambiente psicológico, por assim
dizer, em relação à parentalidade, à adoção...’’
Outro trecho
é mais revelador: ‘‘Como casal, se reforçam em aspectos
narcisistas, com complementariedade. Alteram qualquer possível questionamento
para apresentar configuração perfeita. Tudo que têm para oferecer é narcisisticamente
valorizado, e o terceiro é considerado apenas na condição de complementar essa
configuração narcisista, função que a criança viria a cumprir em uma adoção.’’
‘‘Ora, portanto, tomadas no seu aspecto
real, a própria criança e a própria parentalidade, de fato, não convém que se
as insira ou institua num ambiente psicológico como o diagnosticado'', concluiu
a representante do Ministério Público, interpretando o estudo psicossocial. (Jomar Martins,
Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de 2013).
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