quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ADVOGADOS E TRIBUNA


Passei hoje boas horas no Tribunal de Justiça de MG. Vinha preparando há dias a sustentação oral, estudei os três volumes de autos em pé no Cartório, os autos não poderiam sair, pois já estavam incluídos na pauta de julgamento, fiz anotações, redigi, melhorei, revi, sintetizei. E lembrei mais uma vez de Piero Calamandrei, ele, sempre ele:
"Faz quarenta anos que advogo, e no entanto não seria capaz de ir a um julgamento para uma sustentação oral sem ter me preparado, escrevendo um roteiro sumário do que vou dizer, bastante elástico para modificá-lo se for preciso, mas bastante completo para lhe dar clareza. E rejuvenesço toda vez que toda vez que devo sustentar oralmente, porque, antes de começar, sinto no estômago aquele ardor que experimentava antes de entrar na sala de exame quando era estudante, e depois, mal começo, aquela espécie de sensação inebriante, que também então sentia diante dos examinadores." (Eles, os juízes, vistos por um advogado, Piero Calamandrei, Martins Fontes, São Paulo, 2000, p.43/44).
Hoje na sessão, a sala pequena lotada, vários advogados e advogadas acotovelando-se no exíguo espaço de cá da cancela. A sala escura, a luz forte da tarde pela janela alta vindo direto aos olhos do advogado que assomava à tribuna. Para os fotofóbicos como os míopes, um problema.

Duas advogadas jovens subiram à tribuna e leram suas razões quando deveriam sustentar oralmente. Não tive paciência para ouvi-las, sinceramente. A voz débil, o tom monocórdio me afugentaram. Lá pela terceira leitura, um desembargador pediu a palavra e reclamou: "Estamos todos no mesmo barco, juízes, advogados e promotores. Para que ler as razões que já foram enviadas por memorial? Me desculpem, mas esta leitura monocórdia, enjoada, não tem razão de ser e fere o regimento deste tribunal."

Antes disto advogados comentavam o fato fora da sala de julgamento. Antes de mim subiu à tribuna colega bom orador, desenvolto e respeitado, mas os juízes já desgastados pelas leituras enjoadas não lhe prestaram atenção, aparentemente.  Continuaram lendo votos e assinando papéis.  Levou tinta.

Chegada a minha vez, pedi inicialmente os autos. Percebo o espanto da assistência pela novidade e vindo de uma advogada. A segurança demonstrada por uma mulher sempre desperta essa surpresa. Falei sem ler, obviamente. Tratava-se de uma apelação em ação de guarda de menor. Suscitei preliminar da tribuna e ataquei com veemência a sentença  que deferira a guarda ao pai.

No início me olhavam, depois não mais, como pareciam ler papeis alheios ao julgamento, calei-me na tribuna, sempre uso este recurso. É o protesto do advogado que preparou-se para estar ali. O Relator adiantou o rosto além da vogal como a demonstrar-me que ouvia. Continuei. Os outros também olharam. Ao proferir o voto o relator mencionou o fato: "a ilustre advogada, a certa altura parou de falar, julgando que não estivéssemos prestando atenção, mas eu queria esclarecer que às vezes conversamos justamente sobre o que está sendo dito da tribuna."

É a segunda vez que o desembargador me faz essa mesma observação.


O Relator, o mesmo que havia desancado as normas de direito ambiental no julgamento anterior, desancou minha cliente e negou provimento: "Criança não é parabrisa, que fica de uma lado para o outro." "Assinou, acabou, assinatura não é brincadeira, é coisa séria."  E respondeu algumas afirmações que fiz da tribuna, com veemência também, sinal que ouviu, ouviu e não gostou. O revisor secundou o relator e destacou que ouviu a sustentação oral e que a oradora se houve bem na função. A vogal pediu vista, ufa! Embora esteja em desvantagem, um voto favorável poderá possibilitar o recurso de embargos infringentes, seja para fazer a preliminar de nulidade de sentença pelo cerceamento de defesa fazendo baixar os autos em diligência, seja para dar provimento. 

Posso estar enganada, mas vi aqui a sensibilidade feminina em ação no pedido de vista. E senti a ratio inflexível no voto dos desembargadores.

Antes de subir a tribuna, fui andar de salto no tapete vermelho sobre o andar de madeira suspensa até as grandes janelas do hall. Além da janela a tarde de sol intenso e uma gigantesca árvore sobressaindo sobre as demais no Parque Municipal. Aquele sol intenso e esse ar seco lembraram-me o sertão de onde eu vim. Cumprimentei o guarda e voltei para a sala de julgamento.

Sala das Sessões, 25 de agosto de 2011. 



EOAB - art. 7º, IX - São direitos do advogado: sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de 15 minutos, salvo se prazo maior for concedido.

3 comentários:

  1. Ao bom advogado, importa, dentre muitos direitos e deveres, proteger e promover as prerrogativas profissionais previstas no EOAB.
    Parabéns por provocar a atenção dos julgadores. Merecemos o devido respeito!

    Bruno Cézar Gomes Fonseca - Advogado
    brunocezaradv@gmail.com

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  2. Valéria Parabéns!!
    O seu post está recheado de detalhes, me senti lá vendo tudo acontecer!
    Parabéns!

    Rafael Leal Franco

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