quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Em Roma, faça como os romanos

Mulheres estão sendo barradas na Justiça Federal de Uberaba, no Triângulo Mineiro, sob o argumento de estarem usando roupas incompatíveis com a “austeridade e o decoro inerentes ao Poder Judiciário”. Portaria baixada pelo diretor do fórum, juiz Élcio Arruda, proíbe, entre outras coisas, a entrada no prédio da Justiça de mulheres – advogadas e demais frequentadoras, inclusive testemunhas e outras partes do processo – que estejam usando blusas e camisetas sem manga ou frente única. Em vigor desde setembro, a norma é alvo de reclamações, principalmente de advogadas, que consideram a decisão machista, cerceadora de direitos e sujeita a critérios subjetivos.

A portaria foi contestada pela Ordem dos Advogados do Brasil/Seção Uberaba na corregedoria da Justiça Federal e também denunciada por advogadas ao Ministério Público Federal e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O texto, de acordo com o presidente da OAB local, Vicente Flávio Macedo Ribeiro, amplia uma instrução normativa já em vigor baixada pela Justiça Federal para disciplinar trajes exigidos para que servidores, estagiários e prestadores de serviço tenham acesso aos prédios do Judiciário. Além disso, segundo ele, uma lei de 1994 afirma que compete exclusivamente à OAB definir os critérios para os trajes que devem ser usados pelos advogados no exercício da profissão. 

Além da restrição a blusas sem manga, a portaria também obriga as mulheres oficiais de justiça a usar pelerines ou sobrecapas durante as audiências. Também exige que todos os servidores usem camisas de manga longa, sapatos fechados e gravatas e faculta aos juízes o poder de decidir qual tipo de roupa deve ser usada pelos servidores de suas respectivas varas. Em relação às testemunhas e partes do processo, as exigências da portaria podem ser descumpridas em caso de “presumida hipossuficiência”. 


Uma das barradas na Justiça Federal é a advogada Roberta Toledo, que fez questão de ser fotografada no dia em que foi impedida de ter acesso ao prédio para protocolar documentos. “Estava vestindo calça comprida e blusa Cacharel (com gola alta), mas, como ela não tinha manga, não pude entrar. Tive de chamar um servidor da vara para entregar os documentos. Foi muito constrangedor”, afirma a advogada. Ela conta que, para resolver o impasse e garantir sua entrada no prédio o segurança chegou a oferecer emprestado seu paletó. “Não aceitei de maneira nenhuma”, disse a advogada, que classifica a atitude como uma violência contra as mulheres. “Tanto problema que temos para melhorar a Justiça e ele vai se preocupar se estamos ou não mostrando o braço”, critica a advogada, que já representou contra a portaria em diversas instâncias alegando crime de constrangimento ilegal. 


A advogada disse que estuda a possibilidade de acionar a seção feminina da OAB e também movimentos de defesa dos direitos das mulheres para protestar contra a norma. “As mulheres e nem ninguém podem ser julgados pela roupa que usam. A minha roupa não define o meu caráter e a minha seriedade”, afirma. A reportagem tentou falar com o juiz, mas ele não quis dar entrevistas. Segundo servidores do fórum, Élcio Arruda tem 47 anos. 


O presidente da seção local da OAB disse que a entidade é a favor de “vestimentas sóbrias”, mas afirma que a portaria causou surpresa em toda a sociedade em relação à proibição de blusas de alças e sem mangas. “Uberaba é uma cidade religiosa, de bons hábitos e também de temperatura quente. Não temos assistido a exageros em decotes ou transparência nos trajes das advogadas de Uberaba. Vale lembrar que as exigências atingem também cidadãs, partes e testemunhas que nem sempre possuem condições de adquirir roupas aptas a atender à portaria e por isso fica prejudicado o direito de acesso à Justiça por questões de roupa”, afirma Vicente Flávio. 


O que diz a portaria


Constitui-se como traje impróprio todo aquele reconhecido como incompatível com a austeridade, o decoro e o respeito inerente ao Poder Judiciário, como por exemplo: 

Calções e shorts

Bermudas (entendidas como shorts até o joelho, inclusive) de algodão, laicra, cotton, calças transparentes, facultando às senhoras e senhoritas o uso de bermudas sociais ou de alfaiataria

Miniblusas, minissaias, micro vestidos e congêneres
Blusas ou camisetas sem mangas, de alças, ou caracterizadas por tops, bustiê, tomara-que-caia, frente única, por decotes indecorosos, além de blusas transparentes 

Fonte: Portaria Número 27 de setembro de 2014 (Fonte: Estado de Minas,14/12/14).

Comentário 

Seremos breves. O juiz Élcio Arruda fez um favor à discrição e sobriedade que deve imperar no foro. As advogadas e a OAB estão indignadas, acusando-o injustamente de, respectivamente, machismo e invasão de competência. 

A zona é grise, bem sabemos, mas nada de confundir alhos com bugalhos.

As moças têm exagerado mesmo para os padrões brasileiros, o calor, a malemolência, a ascendência indígena, a latinidade, e por aí vai. Não sabemos de Uberaba mas temos visto coisas do arco da velha no fórum belorizontino. Sem detalhes, deixamos à imaginação do leitor.

Sem bom senso, que venha a lei. A lei, no caso, a portaria, faz as vezes de mãe ponderada ou consultora de estilo, adequação a cada ambiente. Roupa é informação, diz Glória Kalil, expert na matéria. Fica tão mais fácil informar de cara a natureza da sua presença no ambiente forense que é capaz até de agilizar o atendimento e quiçá, o andamento do processo.

Ninguém gosta de ser flagrado em falta, haja humildade. Também fazemos o mea culpa, sim, temos ido ao fórum sem mangas. Mas não o faremos mais. Ontem mesmo, saindo das tarefas maternas, pensamos, por que não emendar direto o fórum e chegar lá de animal print (estampa de onça). Discreta, é claro. 

Lembramos do juiz Élcio, e agradecidos, comparecemos corretamente trajados, de camisa social e saia reta. 

Em suma, em Roma, faça com os romanos. A exceção fica por conta do casual day, às sextas-feiras antecipando a descontração do fim de semana, animal print (discreto), não abrimos mão.

4 comentários:

  1. Desculpe discordar, mas você não deve ser da cidade de Uberaba e tão pouco conhecer a cidade ou suas advogadas. As "barradas" no saguão do prédio público estavam vestidas sobriamente, estando apenas com os ombros a mostra. O que esse juiz demonstra é um autoritarismo que é comparado realmente com o imperialismo romano, ou certamente ele tem um desvio de caráter sociopata diante do poder que pensa deter.

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  2. Caro Tinomeiotonto, fique à vontade para discordar, aqui somos adeptos do sereno debate de ideias. Todas são bem vindas quando trazidas dentro do espírito democrático e elegância, sempre. De fato, como consta do texto, fizemos a ressalva "não sabemos de Uberaba". Não tivemos ainda o prazer de conhecer a pujante cidade mineira e as colegas aí militantes. Pelo relato, discretas e elegantes. Agradecemos seu comentário no calor dos acontecimentos em Uberaba. Lado outro, ontem no fórum de BH, equidistante da celeuma, ao avistar duas moças semidespidas no saguão do Fórum Lafayette, e logo após, duas advogadas no balcão da vara de família em trajes sumários, pensamos: Ah, se o Dr. Élcio estivesse aqui...

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  3. Concordo com você Valéria. Tem que existir um respeito na conduta de um advogado ou advogada, como também de todas as pessoas que adentrem locais como os fóruns de Justiça. Essas moças, "semi nuas" que você mencionou, devem sim ser orientadas por algum funcionário que tenha habilidade para isso a se portarem utilizando roupas mais adequadas. Só queria deixar claro para vocês aí de Belo Horizonte que as advogadas (senhoras) que aqui foram impedidas de trabalhar estavam vestidas sobriamente, estando tão somente com os ombros a mostra, nada mais. Mesmo assim o sr. Élcio não quis nem mesmo atendê-las para que fosse sanado o abuso e isso é autoritarismo e prepotência. Por fim, gostaria apenas de dizer que o povo de Belo Horizonte ou de qualquer outro município não necessita de um juiz que fique perdendo tempo com coisas de pouca importância enquanto milhares de processos, inclusive previdenciários não são julgados. Essas questões sobre vestimentas devem ser resolvidas pela OAB de cada Estado.

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