quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Delação como arma política

Artigo
Leonardo Isaac Yarochewsky *
 











Delação como arma política

O esdrúxulo instituto da delação premiada está sendo usado desde a campanha eleitoral como arma política para desestabilizar o governo e a governabilidade do país.

É lamentável que os princípios fundamentais e garantistas do Direito e do processo penal sejam violados em nome de uma fúria punitiva e de um ilusório combate à corrupção. Mais que isso, a divulgação de parte dos depoimentos dos investigados a conta-gotas e em doses homeopáticas, mas venenosas, está matando o direito posto. Prisões são justificadas com base na finalidade de que investigados "abram o bico", no dizer do parecer daquele que deveria zelar pela legalidade dos atos e do processo. Os advogados são considerados estorvos no caminho da justiça punitiva, e a eles, quase sempre, são apresentados obstáculos para acessar e consultar os autos e, até mesmo, para entrevistar com seus clientes em particular.

E a imprensa? Esta, que poderia e deveria fiscalizar os poderes, inclusive o judiciário, alia-se a este na busca frenética, irresponsável e parcial de culpados.

Culpados? Culpados que ainda não foram julgados; culpados que assim não foram declarados; culpados, mas sem o sagrado direito de defesa; culpados sem o contraditório e o devido processo legal. Culpados e delatados que se confundem numa barafunda jurídica, na qual as garantias mais elementares e sagradas são trituradas, ora por verdugos, ora por justiceiros.

Como bem salientou o eminente processualista Jacinto Nelson Miranda Coutinho, "o pior é que o resultado da delação premiada – e talvez a questão mais relevante – não tem sido questionado, o que significa ter a palavra do delator tomado o lugar da 'verdade absoluta' (como se ela pudesse existir), inquestionável. Aqui reside o perigo maior. Por elementar, a palavra assim disposta não só cobra confirmação precisa e indiscutível como, por outro lado, deve ser sempre tomada, na partida, como falsa, até porque, em tais hipóteses, vem de alguém que quer se livrar do processo e da pena. Trata-se, portanto, de meia verdade, pelo menos a ponto de não enganar quem tem os pés no chão; e cabeça na CR".

Como se não bastasse, a prisão preventiva, medida cautelar pessoal extrema e que deveria ser utilizada como "ultima ratio", vem se transformando em regra, em antecipação da tutela penal e em espécie abjeta de execução provisória de pena. O que deveria ser uma medida distinguida pela excepcionalidade, pela necessidade extrema e pela temporariedade, vem se tornando a cada dia, com o aval da maioria dos juízes e tribunais, medida superabundante, banal e, para desespero dos acusados, se prolongando cada vez mais como se pena fosse.

Não é despiciendo lembrar que não há pena sem processo e que o processo hodierno é um instrumento de preservação de direitos e garantias constitucionais.

Garantias? Que palavra perigosa para ser utilizada em dias sombrios; será invenção de um advogado para colocar algum facínora em liberdade; será coisa da esquerda bolivariana; garantia que outrora era regra e hoje...

Antes que eu me esqueça: não delato ninguém, nem sob tortura.


* Advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

* Publicado originalmente na revista Conjur, 9 de dezembro de 2014.
* Publicado neste Blog com autorização do autor.
* Os artigos publicados não expressam a opinião do Blog que abre espaço ao debate democrático de ideias.

Um comentário:

  1. Corajoso o artigo e oportuno. Direito de Defesa e Garantias acima de tudo.
    Não devemos nos esquecer do caso do Deputado Ibsen Pinheiro.

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