terça-feira, 7 de junho de 2011

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS - REFLEXÕES SOBRE O TEMA

A questão está na ordem do dia, foi tratada neste blog em 30/05/11 com a notícia do julgamento pela 1ª Câmara Cível do TJMG que concedeu a adoção de bebê a casal homossexual. Posteriormente o tema voltou no II Simpósio de Biodireito na OAB/MG com posicionamento favorável de membro do MP. E agora, na esteira do contraditório e da liberdade de expressão publicamos o entendimento do renomado jurista Prof. Dr. João Baptista Villela, que autorizou expressamente a publicação do artigo neste blog. Ao Professor Villela nosso sincero agradecimento pela autorização.


João Baptista Villela (Ituiutaba, MG, 24 de junho de 1936) é um dos mais conceituados juristas brasileiros que atuam no campo do Direito Privado. Foi professor titular da área de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entre 1985 e 2006. Tornou-se, em seguida, professor emérito da Instituição, onde continua a dirigir o Centro de Estudos em Direito Privado. Foi professor visitante na Universidade de Münster, Alemanha (1995-1996), na Universidade de Lisboa (2000-2001) e na Universidade de Salamanca (2003-2004). Participa de várias organizações estrangeiras e internacionais na área jurídica. Foi membro do Conselho Científico da publicação Deutsches und Europäisches Familienrecht. É membro do Conselho Editorial da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Dirige a coleção Qualitas, da Editora Del Rey, um projeto comprometido com a excelência dos textos jurídicos de caráter acadêmico. É também o responsável pela edição em língua portuguesa das versões oficiais dos Unidroit Principles of International Commercial Contracts 2004.Tem inúmeros trabalhos editados no Brasil e no exterior, entre eles uma Introdução ao novo Código Civil brasileiro, publicada na Alemanha em 2004. (Fonte: Wikipédia).

SAINDO DO ARMÁRIO MA NON TROPPO


João Baptista VILLELA
 Professor Emérito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais



            Um progresso de extraordinário alcance político e social que vem se manifestando de alguns anos a esta parte é a superação de arraigado preconceito em relação aos homossexuais. Discriminados, perseguidos e até exterminados em tempos nem tão recuados assim, o avanço da tolerância e do discernimento acabou por lhes devolver o lugar que sempre lhes pertenceu na sociedade, mas que lhes era subtraído de forma ora ostensiva, ora dissimulada: o de cidadãos portadores da imanente dignidade de todos os seres humanos. Conquanto resíduos de indisposição a seu respeito ainda se revelem aqui e ali, o clima geral é o de reprovar a conduta de quem, por obscurantismo ou limitação mental, insiste em tratá-los com desdém ou reservas. Generaliza-se cada vez mais o reconhecimento e a merecida deferência a proeminentes figuras que, nas ciências, na literatura, nas artes e na política não escondem sua orientação homossexual.

Como quer que seja, parece subsistir ainda um longo caminho a percorrer até que os homossexuais sejam plenamente aceitos. Principalmente deve-se-lhes assegurar condições para sua inserção na vida social e política, de modo a não se sentirem contrafeitos ou restringidos.

Tem-se a impressão de que o ativismo homossexual, ele próprio, ainda não se deu conta de uma velha advertência de Louis Josserand, nos idos de 1937, a propósito das  tendências que se desenhavam então para a teoria dos contratos: “A tempos novos, instituições novas”. O que se vê é homossexuais, por inércia ou simples acomodação, se empenhando em recorrer a institutos que têm indelével marca de heterossexualidade e que não estão nem nunca estiveram acomodadas ao particular modo de ser homossexual. Para usar um recurso da fraseologia corrente nesse domínio, parece que os homossexuais, no fundo, insistem em não sair do armário. Ou o fazem com tal insegurança, que se querem ver logo vestidos com o manto protetor de institutos heterossexuais. Aí podem, de novo, dissimular sua condição. Como se o custo social ou psicológico de sua emigração do armário fosse tão oneroso que, passado um primeiro momento de coragem, voltassem a preferir o ninho acolhedor do disfarce. Em outras palavras, saem de um armário para se esconderem em outros.

No epicentro da questão ― vê-se logo ― está o instituto do casamento, de que derivam todos os outros ligados à cartografia da família, como esponsais, adoção, parentesco e afinidade, por exemplo.

A reivindicação do movimento gay ocorre justo no momento em que a instituição do casamento passa por um período de forte rejeição dos mesmos heterossexuais. Mas, curioso, os homossexuais o querem, sim, recortado ao velho figurino homem/mulher, sem o questionar e, com tal ardor e insistência, que sequer dispensam os ritos sociais que o acompanham. Convenhamos: não há aí, para dizer o mínimo, uma forte indigência de criatividade e de coragem?

O casamento é menos uma criação que se deixe fazer, refazer ou desfazer pelo direito do que um produto cultural sedimentado ao longo dos milênios. É certo que evoluiu no horizonte do tempo. Assumiu, desde a mais remota antiguidade, formas variadas. Mas o que consente dizer que suas formas se alteraram na linha do tempo, sem sacrifício do conteúdo, é, precisamente, a permanência e a imanência de alguns elementos que deram ser e identidade ao instituto. Possivelmente o mais saliente de todos é a diversidade de sexos. Poligamia e poliandria, por exemplo, são expressões de casamento que a história registra e que sobrevivem em certas sociedades. Por muito diversas que sejam umas das outras, nunca lhes faltou a heterossexualidade. Abraão se casou com Sara, sua irmã paterna. Entre os gregos, Sólon admitia o casamento de irmãos uterinos. São manifestações, aquelas e estas, que se afastam dos valores correntes de nossa cultura. Mas, esdrúxulas quanto nos soem hoje, também ali estava presente a diversidade de sexos.

Na literatura jurídica, nas aulas de direito ― sabem-no todos ― quando se quer referir um ato inexistente, o exemplo de que pronto se socorre o autor ou o professor é o do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Inexistente por quê? Por que não é a validade que está em causa. É a própria existência. E existência não é categoria jurídica. Não está no círculo dos valores, que é o do direito, mas no círculo dos objetos. Portanto tem a ver com a natureza das coisas. Com a ontologia e não com a axiologia. A natureza das coisas é algo diante do que o direito tem de se curvar. É tão ridículo para o direito pretender alterar a natureza do mundo real, que, de novo, um exemplo de escola está na lei da gravidade. A lei da gravidade é o modelo pitoresco que comparece sempre às aulas de direito quando se quer denotar os limites de seu poder criador. O que ocorreria com a lei da gravidade, se a mais autorizada assembléia universal promulgasse sua revogação? Ou limitasse o seu tempo de vigência? Ou a fizesse depender de um juízo de constitucionalidade? Continuaria, tal e qual antes, regendo a atração dos corpos, olímpica e indiferente aos decretos humanos.

A heterossexualidade está, por assim dizer, no DNA do casamento. É algo que o faz tão avesso à homossexualidade, que só nominalmente se diria que uma união entre pessoas do mesmo sexo tem algo em comum com aquilo que o direito, as outras ciências humanas, o vulgo e as práticas hieráticas de todos os tempos e lugares identificam por casamento. É certo que o casamento é um modo de estar junto. Mas nem todos os modos de estar junto são casamento. Assim, diz-se com frequência, no âmbito das atividades bancárias, que um empréstimo, por exemplo, deve estar casado com uma operação de seguro ou uma subscrição de ações. Isto é, não se concederá um sem que a outra também se consume. O banco estará exigindo que andem juntas. Mas as semelhanças com o verdadeiro casamento param por aí.

Quando um homem e uma mulher contraem casamento, estão indo além de um pacto de vida em comum. É todo um arquétipo cultural que se acha mobilizado no seu gesto, carregado de história, impregnado de componentes atávicos e animado por imemorial tradição. A energia que os move, ainda quando não o tenham claro na consciência, encontra origem no imaginário que povoa os seus sonhos. E povoou os sonhos de seus pais. E os sonhos dos pais de seus pais. Marcou sua experiência na escola. Conformou o seu ideal desde a mais remota infância. Dessa força telúrica sentem-se também os nubentes, de um modo ou outro, herdeiros e continuadores. Assim, é toda uma delicada tessitura de valores, sentimentos, nostalgias e projetos que se esgarça quando a diversidade se transmuda em indiferenciação e o instituto, no seu conjunto, caminha de ralo para aguado, enquanto os respectivos limites perdem a cor no vale-tudo do relativismo.

Nunca soube de alguma parada do orgulho heterossexual, mas por certo muitos dos que não são gays sentirão algum desconforto em repartir com eles uma instituição na qual para os primeiros a diversidade é tudo, enquanto para os últimos nada significa.

Quanto à adoção, sabe-se que tem origem na família heterossexual, cuja ausência de prole está preordenada a suprir. Não é por acaso que assim a referem duas de suas máximas lapidares: adoptio naturam imitatur e adoptio imago naturae. A idéia mais singela que a instrumenta é dar filhos a quem não os tenha e pais aos que os hajam perdido. A evolução do instituto vem-se afinando no sentido de pôr o seu centro no melhor interesse da criança. E crianças são seres em processo de se descobrir, de formar e de expressar a própria identidade, inclusive no que se refere à opção sexual. Dar a elas um lar homossexual no contexto de uma sociedade majoritariamente heterossexual é, para dizer o menos, submetê-las ao risco de um pesado estresse, que seria afirmar-se contrariamente ao ambiente doméstico em que vivem. Ali as expressões do amor conjugal, se assim se pode falar, ocorrem entre pessoas de mesmo sexo, circunstância, portanto, em que o exercício da maternidade e da paternidade não interagem senão em termos vicariais, isto é, por via de imitação. Será, quem sabe, bom para menores que tenham pré-inclinação homossexual. Mas o razoável é presumir, até que outras tendências se revelem de modo consistente, que as crianças nascem e crescem para o amor intersexual. Não se trata de afirmar a superioridade do amor entre diferentes sobre o amor entre iguais, senão de respeitar a prevalência dos comportamentos na sociedade, em cujo seio o menor deverá integrar sua vida adulta.

            Em suma, casamento e institutos afins ou cognatos são projetos em cuja construção homens e mulheres não se podem mutuamente dispensar.

Gays de todo o mundo, unam-se. E façam nascer, de seu talento e de sua arte, formas convivenciais que os expressem e os realizem como pessoas. Estarão no exercício do mais legítimo direito. Mas, por favor, não assaltem nem expropriem instituições que não foram criadas à sua imagem nem à sua semelhança.

Fonte: Carta Forense, São Paulo, out. 2009, ed. nº 73, p. A 28


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