sexta-feira, 23 de março de 2018

Ontem no STF

Como se sabe, há um fio condutor entre todos as coisas, e também é assim neste Blog. O título da postagem antecedente avisava que viria mais pela frente.

Conta-se que no palco Scala de Milão um tenor se esforçava no bel canto e recebia da plateia vaias e tomates. Cansado da humilhação e do tomates bradou ao público: Aspetta il baritono! (Não estão gostando? Esperem o barítono).

Antes de prosseguir, um lembrete de como a vida imita a arte e chega a confundir-se com ela. A frase do barítono foi dita pelo ministro Mendes no julgamento de quarta-feira. Estaria ainda impressionado com o ocorrido em São Paulo na segunda-feira, 19, quando foi recebido com um tomataço ao chegar ao Instituto de Direito Público (IDP) para o Seminário Dois Anos do Novo CPC? 

Ontem no julgamento do Habeas Corpus preventivo do ex-presidente Lula da Silva, o advogado Batocchio na tribuna não parecia convicto das suas razões, apesar de bradar às vezes. Pareciam palavras, como se diz em Minas, da boca para fora. O discurso parecia um balão. Já estava algo pernóstico (Em frança, mesmo), e deitou a falar em francês, pensei: mau sinal. E sem traduzir para a Turma e para a assembléia, fiado que o francês é a segunda língua deste Brasil de maioria semi-analfabeta.  

Citou a fala do advogado de Luís XVI. Buscou logo um rei, um preso político. O exemplo, além do exagero, foi inadequado.  É que no caso, o impetrante foi condenado em duas instâncias por crime comum.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre, determinou a execução imediata da pena de 12 anos e 1 mês a qual Lula foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, logo após esgotados os recursos na segunda instância. http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-03/raquel-dodge-pede-que-stf-negue-habeas-corpus-preventivo-de-lula

Pirotécnico, disseram comentaristas hoje. Parafraseando o ministro Barroso na sessão do dia anterior, tenho que foi muito penoso ouvir o advogado. Parece que os ministros gostaram bastante do discurso, tanto que muito elogiaram.

A propósito, o advogado Batocchio não citou a segunda parte da fala do advogado francês:
 “Trago à Convenção a minha palavra e a minha cabeça. Podeis dispor da segunda, desde que ouçais a primeira”.
Ao contrário de Guillaume-Chrétien, guilhotinado em abril de 1794, a  peroração de Batocchio teve sucesso até o momento.

A fala da Procuradora Geral de Justiça, Raquel Dodge foi técnica, sem firulas ou arroubos e entendeu simplesmente incabível o habeas corpus. Eis que a jurisprudência do STF neste sentido foi condensada na Súmula 691 do Supremo: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. 

A jurisprudência do STJ diz ser “inadmissível Habeas Corpus para impugnar decisão monocrática do relator no remédio constitucional originário que nega a tutela de urgência, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância, que enseja, inclusive, o indeferimento liminar do writ”.
A jurisprudência do STF tem ultrapassado a Súmula para conhecer e conceder habeas corpus quando a decisão recorrida é teratológica.  
E este não é o caso do acórdão do TRF 4, que está em consonância com julgado do STF no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, que admite a prisão após condenação em segunda instância, julgamento recente. 

E mais, a jurisprudência dos tribunais superiores entende que está prejudicado o habeas corpus contra decisão liminar que foi sucedida por decisão colegiada.

Este é o Direito Processual. O que se viu a seguir, em cinco horas e meia levou-me de volta aos bancos da Faculdade de Direito da UFMG, logo no início, determinado professor, ao ser instado a explicar como o Supremo podia ter julgado de determinada forma num caso concreto, que não lembro qual, disse tranquilamente: "Isso" não é Direito.

As inovações processuais se sucederam e atordoaram, inclusive, a Procuradora Raquel Dodge. Vejam sua fala atarantada, quando colhida de surpresa para manifestar-se acerca da liminar sacada do tribuna quase ao anoitecer pelo advogado Batocchio. Após uma pausa dos trabalhos. 

Um movimento incessante atrapalhou os trabalhos. Soube-se que o ministro Gilmar deixou o tribunal de carro num intervalo do julgamento, o ministro Marco Aurélio precisou sair mais cedo, já havia feito check in. Para onde iria e as estas alturas já está o ministro?

Por falar em viagens, os ministros têm falado mais que o necessário. Divagam, e nestas divagações ficamos todos sabendo que estiveram os ministros em Veneza para conhecer o sistema eleitoral, assim o disse Tóffoli à Carmen Lúcia. Foi uma felicidade receber esta notícia, que estiveram a passear pela Europa, (Ah, Veneza), tudo com fins a ilustrar os trabalhos no TSE regiamente custeados por nós jurisdicionados. Esta notícia foi lançada no julgamento anterior ao HC ex-presidenciável, justiça seja feita.

Teve mais, Gilmar Mendes falou de sua posição política como escudo à isenção de seu voto. Inacreditável. O decano Celso de Melo justificou demais, a igualdade, etc, para depois, seu voto contradizer toda a argumentação. Quando há justificativas demais...

O resumo da triste ópera é o seguinte: no Brasil, por enquanto, todos são iguais perante a lei, só que alguns continuam mais iguais que os demais. O habeas corpus não só foi conhecido como deferida a liminar, um salvo conduto até 04 de abril quando será julgado o mérito da ação.

Para o fim de semana e o recesso da Páscoa há duas recomendações: aos jurisdicionados, a leitura do livro O Código da Vida, de Saulo Ramos, que dá o serviço dos bastidores da corte de Brasília; aos julgadores, a leitura dos comentários dos internautas nos programas políticos on line.

Após as respectivas leituras e devidamente informados do que se passa nos corações e mentes de jurisdicionados e julgadores estaremos todos de volta em 4 de abril para a continuação do julgamento. Frisado como importantíssimo mas encerrado pela hora, pelo cansaço, pelo voo, e ao que tudo indica, se dará sem a presença do ministro Mendes que estará... viajando para Portugal. Mais um seminário, decerto.

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