quinta-feira, 22 de março de 2018

Aspetta il baritono


A estas horas o bravo leitor já terá assistido repetidas vezes o bate-boca ministerial na quarta-feira, 21, no STF entre os ministros Barroso e Gilmar Mendes. Terá já tomado partido? Ou se desgostado com a quebra de decoro? Poderá também ter apreciado ver o circo pegar fogo.

Recebi mensagens avisando do arranca rabo, digo, do rude desentendimento em plenário. Recebi vídeos do embate, começando exatamente no momento em que o ministro Gilmar repousa o rosto na mão esquerda fechada em punho e em seguida o ministro Barroso visivelmente alterado mata no peito e devolve uma série de adjetivos, de pessoa horrível, a mal secreto, bílis, passando por muito feio isso, sem esquecer as pitadas de psicopatia. E sem esquecer as acusações mútuas, de interesses e advocacia.

Resolvi assistir o discurso que motivou a explosão emocional do ministro Barroso e encontrei uma pérola no quesito concatenação das ideias e adequação de gestos, e porque não dizer também, de rasgado humor. Surpreendente. Vamos a ele.

Vinha o ministro Gilmar historiando a evolução do financiamento de campanha no Brasil, citou o ministro Toffoli: o financiamento é o custo da própria democracia. Citou a presença de Sepúlveda Pertence no plenário e sua manifestação quando ministro sobre o tema, quanto à presença do dinheiro nas campanhas eleitorais e sua inevitabilidade, inclusive, a participação de fato ou de direito das empresas privadas.

Disse Gilmar que sempre foi proibida a doação de pessoa jurídica, até Collor. Pós Collor/PC veio a doação final das empresas colocando-se um teto, 2% do faturamento, que é muito alto. No mundo todo este teto é baixo , não passa dos milhares de dólares ou euros. Mas aqui o teto foi para os milhões e permitiu a doação para várias campanhas, mas, pelo menos era um modelo veraz. Se dizia, agora pelo menos se sabe que está havendo doação. Eliminou-se o caixa 2? Pergunta Gilmar, e responde: claro que não. Que era oficializado no modelo anterior, era um direito costumeiro. E isto até recentemente. Que foi com Collor/PC, é que teve (sic) doação de pessoas jurídicas.

Continua o ministro: 
O tema voltou como grande panaceia. porque o intuito não era só enfrentar a temática... Pode ser correta ou não sob o ponto de vista político... do financiamento das corporações, mas era obter também o financiamento público e mudar o sistema eleitoral. Esse era o pacote que se queria. E qual era o sistema eleitoral que se queria: Ah, era o de voto em lista. Se o eleitor não sabe quem elegeu no sistema eleitoral de lista aberta, como é que ele vai saber na lista fechada?
O PR de Valdemar da Costa Neto fazendo lista. Coloca lá: Tiririca na cabeça e elege Protógenes e Valdemar. 
Ninguém parece prestar atenção ao discurso. Rosa Weber derreada na cadeira, desanimada, Celso de Melo escreve, Tóffoli gira lentamente na sua cadeira.

Mendes não se faz de rogado, continua perorando como se para multidões. De fato, a TV Justiça está, inclusive, on line.
No sistema proporcional de lista aberta. Na lista fechada nem vai precisar perguntar. porque quem vier em primeiro, segundo lugar da lista já está eleito. É uma nomeação. Se se fala em compra de mandatos, então, de compra de votos, compra-se o chefe do partido. Mas isso era o desenho que se queria. Em partidos inautênticos, sem nenhuma vivência partidária, era esse o desenho que se queria impor. E se impor por decreto. Ah, não deu pra fazer por reforma? Vamos fazer por decisão do Supremo. Devagar a gente chega à proibição da doação de empresas privadas e daí obrigatoriamente vão aceitar o voto em lista.
Há limites para a esperteza (dá ênfase). "E aí é o financiamento público e o voto em lista e a gente faz uma Venezuela, se quiser". Não é assim que as coisas funcionam. O país é mais complexo do que isso. O país é mais complexo do que isso (repete pausadamente).
"Ah, mas agora tá tudo resolvido". Eu quero ver quem é capaz de indicar o dispositivo constitucional que a doação de empresas privadas viola este texto. Todo mundo que passou pelo Supremo ao longo destes anos, antes desta iluminação que ocorreu, era idiota, Porque não sabia ler o texto constitucional, que é mais ou menos, o mesmo. Não vislumbrou, não viu.
E se quiser ser radical... Alguém que saiba dizer: é esse dispositivo... "Ah, mas é a moralidade, é o republicanismo, é o diabo! Quero ver o sujeito dizer, esse dispositivo tá violado. Mas, se tá tudo violado, porque não declaramos inconstitucional com eficácia "ex tunc"? Teria sido bom para o país. Porque acabava com o mandato. Ficávamos livres de todos. E certamente nos divertíamos neste papel. Ora, nem isto enfrentamos nesta questão. Mas, OK.
O tema é extremamente complexo e tratamos com a maior tranquilidade. Apelo ao simbólico. Ah... Mas o que que iria acontecer? Claro que os partidos continuam com dinheiro. ou esta montanha de dinheiro que passeou por ai... 
Neste momento o ministro Fux quis intervir seriamente sobre a ausência de uma regra expressa. Viu como uma "antevisão do STF do que se passava no backstage desse financiamento", ou o que quer que isso signifique. A intenção do ministro era defender o STF e o fez da seguinte forma: "O Supremo Tribunal pode até... pode ter atirado no que tava acontecendo mas, acertou. Acertou."

Nós aqui de Minas dizemos assim: atirou no que viu, acertou o que não viu. Será isso que quis o ministro dizer? Perguntará o atento leitor: - Por que exatamente este grifo no mento de financiamento? O leitor poderá checar no vídeo como fica evidente neste trecho o sotaque carioca do ministro Fux. Por que a alusão? Insistirá, curioso, o leitor.
Não aprovo sectarismos nem preconceitos, inclusive regionais. Tenho observado a prática reiterada em comentaristas políticos paulistas e cariocas da ridicularização do sotaque mineiro da presidente da STF. Está anotado. Até o momento não observei nenhuma menção ao sotaque do ministro Fux. Cade a isonomia? 

O aparte de Fux não surtiu o menor efeito no ministro Gilmar que continuou:

Quero que indique. O dispositivo que foi violado. Até porque todos os outros aqui não viram. Esta mesma matéria foi suscitada. Eu falei no voto do Pertence em que se disse isso: não há base constitucional, não há parâmetro de controle. A não ser que a gente adote um sistema do tipo direito achado na rua. Essas vertentes muito desenvolvidas lá de Uganda e outros lugares. 
Mas OK, tudo bem. Ah, mas vamos para o paraíso agora porque não vamos ter doações de empresas privadas. (Pausa dramática). Alguém acredita nisso?  Peguem os números do TSE em 2016. Eleições municipais. mas nem é preciso fazer isso! Estamos na pré campanha. Quem está financiando essa gente? Lula com aviãozinho lá em Bagé. Da onde é que tá vindo este dinheiro? Bolsonaro no Brasil todo. Nós discutimos isso esses dias no TSE. Quem está financiando isso? Não começou a campanha eleitoral. Como este sistema está funcionando?
Será que a gente está fingindo? Estamos querendo enganar quem? Mas vamos dar os números: 730 mil doadores, ministra Carmem, presidente. 2016, eleição municipal. modesta. 350 mil sem capacidade financeira. É o maior laranjal da mundo! Nós produzimos isto! E assumamos nossa responsabilidade. E aspetta il baritono
Ao final exorta seus pares:
Portanto, tomemos o cuidado, pelo menos, vamos ler a Constituição e dizer: de fato, eu estou declarando inconstitucional não porque eu gosto, o direito do au acho que".
Eu acho o que... eu acho o que eu quiser. Ache na Constituição. Ah, eu quero mudar isso . Eu tenho vocação para mudança. Muda para o Congresso! Consiga voto! Ah, eu sou iluminado.
Não ficou melhor! O sistema ficou pior! Nós já temos as mãos queimadas. Nossas intervenções no processo eleitoral deram errado.
Pode-se não gostar do ministro, de sua atuação, seus votos, suas viagens internacionais, mas é preciso reconhecer a coragem no mea culpa acima em cadeia nacional.

E é claro que naquela decisão nós fomos embaídos (enganados, induzidos ao erro). A própria OAB. Por algo que...vamos resolver o problema na esfera. É preciso que a gente denuncie isto. Que a gente anteveja este tipo de manobra. Por que não se pode fazer isto com o Supremo Tribunal Federal.
 Ah, agora eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com 2, com 3 ministros. Aí a gente faz um 2 a 1.
Foi neste momento que Gilmar descansou o rosto na mão esquerda e balançou a cabeça negativamente em discordância ao comportamento que narrou. 

Neste momento em que baixou o tom e a guarda, é que o alvo, Ministro Barroso resolveu acusar os petardos recebidos e despejou aquela sequência de epítetos desairosos que fizeram a alegria de internautas pelo resto do dia. E também dos comentaristas políticos. Aqueles que desgostam da presidente entenderam que o bate-boca deveu-se à sua falta de pulso, e novamente, debocharam do sotaque.

O que dizer do bate-boca ministerial na tarde de 21/03? Foi feio, surpreendente, inquietante e desviou e encerrou o concatenado discurso que vinha produzindo o ministro Mendes. O que tivemos hoje no STF é uma amostra, um pouco do que somos.

Antes que se diga, aviso: não faço parte dos admiradores do ministro Gilmar. Foi um interessante exercício reconhecer-lhe razão nos argumentos e talento histriônico, notadamente na imitação de suposto interlocutor.

Pela adequação e propriedade dos gestos com a locução pode-se dizer que o ministro falava do que cria/crê firmemente.

  

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