Anoiteceu. A luz do
computador brilha no breu da sala, caro leitor. Estava aqui baixando documentos
de ações e recursos, fazendo protocolos e ao mesmo tempo informando e enviando
pelo WhatsApp aos clientes. Não é mesmo formidável no que se transformou a
advocacia em tempo real?
A palavra tem origem
no latim formidabilis, “o que causa medo,
terrível”, e ainda, "pavoroso, diabólico, horrendo, assustador"; portanto,
não há de ser boa coisa. Lembremos ainda de formicida.
Por outro lado, aceso
o abajur e vislumbrada a luz no fim do túnel, há também o significado de
“maravilhoso, excelente, fantástico”.
Deixarei como
maravilhoso, excelente e fantástico não o multitarefa ambulante que se tornou o
advogado, mas a decisão, aliás, a Decisão com “d” maiúsculo do Relator da
apelação que sim, suspendeu a ação em grau de recurso até o julgamento da querela
nullitatis de sentença de usucapião.
Para o leitor leigo
que supõe grego clássico o escrito acima, a tradução: a história é mesmo longa e
intrincada, valerá a pena narrar aqui? Creio que não, aborrecerá muito os
leitores leigos.
Tentei uma sinopse,
mas há tantos detalhes que descambam em questões de direito que desisti.
Sugiro que saltem
para os últimos parágrafos ignorando o latinório jurídico, da mesma forma como
li O Nome da Rosa, de Umberto Eco, saltando o latim de par em par.
Num esforço de
reportagem para quem se atrever:
Em 1962 o pai comprou
a prazo em nome dos filhos menores um lote. Não há contrato escrito, o famoso
compromisso de compra e venda. Há apenas um recibo do sinal constando como
adquirentes Fulano e irmãos menores; as notas promissórias resgatadas e um
recibo de 1967. Fulano de tal falece em 2008. Na Prefeitura Fulano de Tal consta
como titular do imóvel para fins de IPTU.
Em 2016 foi proposta
ação de outorga de escritura por três dos filhos menores a esta altura já aposentados.
Na época da sentença
em 2022 o juiz determinou a juntada de certidão atualizada. O documento
apresentado pelos autores era uma certidão de transcrição da
transmissão, o que demonstra a antiguidade da aquisição do bem pelo
vendedor, muito antes da Lei de Registros Públicos, na verdade em 1935.
Com a atualização da
certidão em 2022 descobriu-se que em 2019 foi averbada sentença de usucapião
quanto ao lote objeto ação judicial em favor de terceiros.
Assim, no curso
da ação de outorga já em fase de sentença houve a informação de fato que
exigiu a propositura de ação declaratória de nulidade da sentença de usucapião;
o que foi feito em dezembro de 2022, e até abril de 2023 não havia ainda,
despacho inicial.
Veio a sentença da primeira ação, improcedente, exigindo matrícula quando a matrícula só foi instituída pela lei posterior ao contrato.
A Lei de Registros
Públicos LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973 regulou o
registro de imóveis na forma como conhecemos hoje; antes dela não havia a
“matrícula”.
No Tribunal o Relator que leu o
processo, a certidão e todas as averbações intimou os apelantes a manifestarem-se
sobre a sentença de usucapião, fato que constitui óbice ao direito alegado.
De fato, representa óbice mas não afasta a
necessidade da ação de outorga para obtenção do título de propriedade. A
necessidade permanece.
Como a ação de usucapião foi proposta no curso da
ação de outorga e ignorada até aquele momento, requereu-se a suspensão da ação
de outorga até o trânsito em julgado da ação anulatória da sentença de
usucapião.
A decisão, sucinta como o pedido, determinou a
suspensão da ação de outorga. Oh, glória.
Observem este belo trecho:
Nesse passo, ... os autores, ora apelantes, ajuizaram a ação anulatória de n°... Certo é que o julgamento de mérito daquela demanda reflete em eventual direito adjudicatório dos autores, ou ainda em prejudicialidade desta demanda. Desta feita, determino a SUSPENSÃO desta ação até o trânsito em julgado da ação anulatória de n°..., com fulcro no art. 313, V, “a” do CPC.
Nesse passo, desta feita,
determino a suspensão, quase um poema.
Formidável, no segundo sentido.
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