terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Enunciados de direito de família e sucessões - Jornada do Conselho da Justiça Federal




As Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Federal, por intermédio de seu Centro de Estudos Judiciários, são hoje o mais importante encontro de privatistas do Direito brasileiro. Desde a primeira edição, em setembro de 2002, ainda sob o impacto da promulgação do novo Código Civil brasileiro, bem como nas demais edições ocorridas em intervalos maiores ou menores, nelas se reúnem professores, membros de carreiras jurídicas de Estado (magistratura, advocacia pública, Defensoria Pública, Ministério Público), advogados e estudantes de pós-graduação em um ambiente plural, com o objetivo primordial de analisar e discutir proposições de enunciados interpretativos ao Código Civil.
O tema sobre o qual mais se apresentaram propostas de enunciados foi em matéria de guarda, o que se justifica pelas sucessivas alterações ao Código Civil nesse tópico. Procurou-se esclarecer as diferenças entre guarda compartilhada e guarda alternada quanto à divisão do tempo. No mesmo sentido, dois enunciados deixavam bem claro que guarda compartilhada não dispensa a fixação do regime de visitas, tampouco exime o genitor do pagamento de pensão alimentícia.
Destacou-se ainda que, em se tratando de sobre alimentos avoengos, é possível a imposição de medidas diversas da prisão civil em regime fechado, considerando a peculiaridade da situação de cobrança de pensão de avós e a necessidade de observância do respeito à dignidade humana.
Outro enunciado importante cuida dos efeitos do registro de contrato de convivência no Cartório de Registro de Imóveis, para que se reconheça a necessidade de autorização do companheiro para a realização de contratos de fiança, alienação ou gravação de ônus real aos bens imóveis do casal, salvo se o regime escolhido de bens for o de separação absoluta, o que conferirá maior segurança jurídica nas transações imobiliárias e maior proteção à família.
Aprovou-se enunciado que declara ser possível a averbação do mandado de divórcio, enquanto se discutem aspectos decorrentes da dissolução do casamento. No mesmo sentido, outro enunciado esclareceu que é de um ano o prazo para anulação da partilha amigável judicial, decorrente de dissolução de sociedade conjugal ou de união estável.
A Comissão de Direito de Família e Sucessões também aprovou enunciado no qual se declara a existência e a validade do casamento de pessoas do mesmo sexo, com o intuito de harmonizarem-se os entendimentos jurisprudenciais sobre o tema. Do mesmo modo, aprovou-se enunciado sobre a possibilidade de pessoas do mesmo sexo registrarem os filhos gerados por técnicas de reprodução assistida sem a necessidade de ação judicial, nos termos da regulamentação das corregedorias locais, sendo mais um passo no tratamento igualitário entre as pessoas.
Em se tratando de Direito das Sucessões, a comissão analisou a possibilidade de representação nos casos de comoriência, reconhecendo-se a hipótese em que essa ocorre envolvendo ascendente e descendente, beneficiando-se os demais descendentes e os filhos dos irmãos. Por meio de mais um enunciado, deixou-se claro que o regime de bens no casamento somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com descendentes do falecido.
Quanto aos testamentos, formulou-se enunciado sobre testamento hológrafo, para esclarecer que este se torna ineficaz em caso de convalescença do testador, caso não seja refeito pelas vias ordinárias em até 90 dias quando podia fazê-lo. Por fim, aprovou-se importante enunciado que consagra a possibilidade de realização de inventário extrajudicial no qual se fez testamento, quando todos os herdeiros forem capazes e concordes com os seus termos, o que proporciona grande economia de tempo, tal como se obteve com essa prática desde a promulgação da lei do divórcio e inventário extrajudiciais.
Ao término dos trabalhos da Comissão de Direito de Família e Sucessões, aprovaram-se 15 enunciados. Foi a Comissão de Trabalho que mais aprovou enunciados na VII Jornada de Direito Civil. Quando submetidos à plenária, apenas um enunciado, relativo ao tema da guarda compartilhada, foi rejeitado pelos membros de todas as comissões reunidos na tarde do dia 29 de setembro de 2015. Comparativamente às demais comissões, a de Família e Sucessões foi a que menos teve enunciados rejeitados na votação plenária. Esse fato reflete o rigor nas votações para aprovação e a intensidade dos debates internos na comissão.  
A seguir, apresentam-se os enunciados aprovados, distribuídos pelo tema específico, com uma pequena nota sobre a votação e o tipo de alteração levada a efeito na redação original:
1. Prisão civil/alimentos avoengos
“Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar) se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.”
Proposta original: aprovada, por maioria (48 votos).

2. Inventário extrajudicial com testamento
“Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (42 votos).

3. Casamento entre pessoas do mesmo sexo
“É existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (40 votos)

4. Expedição de mandado de averbação de divórcio
“Transitada em julgado a decisão concessiva do divórcio, a expedição do mandado de averbação independe do julgamento da ação originária em que persista a discussão dos aspectos decorrentes da dissolução do casamento”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (56 votos).

5. Guarda compartilhada/divisão do tempo
“A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2˚ do art. 1.583, do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (54 votos).

6. Guarda compartilhada/divisão do tempo
A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do artigo 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (50 votos).

7. Direito de visitas na guarda compartilhada
“A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (51 votos).

8. Guarda compartilhada/divisão do tempo
“O tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (39 votos).

9. Guarda compartilhada/alimentos
 “A guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensão alimentícia”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (55 votos).

10. Registro de nascimento
“É possível o registro de nascimento dos filhos de pessoas do mesmo sexo originários de reprodução assistida, diretamente no Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de ação judicial, nos termos da regulamentação da Corregedoria local”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (42 votos).

11. Concorrência do cônjuge supérstite com descendentes
“O regime de bens no casamento somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com descendentes do falecido”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (43 votos).

12. Contrato de convivência
“O registro do contrato de convivência no Livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis implica exigência de autorização do companheiro para realização de contratos de fiança e para a alienação ou a gravação de ônus real aos bens imóveis do casal, salvo se o regime escolhido de bens for o de separação absoluta”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (41 votos).

13. Direito de representação na comoriência
“Nos casos de comoriência entre ascendente e descendente, ou entre irmãos, reconhece-se o direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (43 votos).

14. Testamento hológrafo*
“O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (52 votos).

15. Anulação de partilha
“O prazo para exercer o direito de anular a partilha amigável judicial, decorrente de dissolução de sociedade conjugal ou de união estável, se extingue em 1 (um) ano da data do trânsito em julgado da sentença homologatória, consoante dispõem o artigo 2.027, parágrafo único do Código Civil de 2002 e o artigo 1.029, parágrafo único do Código de Processo Civil (art. 657, parágrafo único, do Novo CPC).”
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (38 votos).

* Testamento hológrafoa. 1. Diz-se de testamento inteiramente escrito pela mão do próprio( www.aulete.com.br/hológrafo).


Coluna produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT), publicada em Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2016).

Eduardo Tomasevicius Filho é Professor Doutor do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP.
Otavio Luiz Rodrigues Junior é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). 



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