As Jornadas de Direito Civil,
promovidas pelo Conselho da Justiça Federal, por intermédio de seu Centro de
Estudos Judiciários, são hoje o mais importante encontro de privatistas do
Direito brasileiro. Desde a primeira edição, em setembro de 2002, ainda sob o
impacto da promulgação do novo Código Civil brasileiro, bem como nas demais
edições ocorridas em intervalos maiores ou menores, nelas se reúnem
professores, membros de carreiras jurídicas de Estado (magistratura, advocacia
pública, Defensoria Pública, Ministério Público), advogados e estudantes de
pós-graduação em um ambiente plural, com o objetivo primordial de analisar e
discutir proposições de enunciados interpretativos ao Código Civil.
O tema sobre o qual mais se
apresentaram propostas de enunciados foi em matéria de guarda, o que se
justifica pelas sucessivas alterações ao Código Civil nesse tópico. Procurou-se
esclarecer as diferenças entre guarda compartilhada e guarda alternada quanto à
divisão do tempo. No mesmo sentido, dois enunciados deixavam bem claro que guarda
compartilhada não dispensa a fixação do regime de visitas, tampouco exime o
genitor do pagamento de pensão alimentícia.
Destacou-se ainda que, em se tratando
de sobre alimentos avoengos, é possível a imposição de medidas diversas da
prisão civil em regime fechado, considerando a peculiaridade da situação de
cobrança de pensão de avós e a necessidade de observância do respeito à
dignidade humana.
Outro enunciado importante cuida dos
efeitos do registro de contrato de convivência no Cartório de Registro de
Imóveis, para que se reconheça a necessidade de autorização do companheiro para
a realização de contratos de fiança, alienação ou gravação de ônus real aos
bens imóveis do casal, salvo se o regime escolhido de bens for o de separação
absoluta, o que conferirá maior segurança jurídica nas transações imobiliárias
e maior proteção à família.
Aprovou-se enunciado que declara ser
possível a averbação do mandado de divórcio, enquanto se discutem aspectos
decorrentes da dissolução do casamento. No mesmo sentido, outro enunciado
esclareceu que é de um ano o prazo para anulação da partilha amigável judicial,
decorrente de dissolução de sociedade conjugal ou de união estável.
A Comissão de Direito de Família e
Sucessões também aprovou enunciado no qual se declara a existência e a validade
do casamento de pessoas do mesmo sexo, com o intuito de harmonizarem-se os
entendimentos jurisprudenciais sobre o tema. Do mesmo modo, aprovou-se
enunciado sobre a possibilidade de pessoas do mesmo sexo registrarem os filhos
gerados por técnicas de reprodução assistida sem a necessidade de ação
judicial, nos termos da regulamentação das corregedorias locais, sendo mais um
passo no tratamento igualitário entre as pessoas.
Em se tratando de Direito das
Sucessões, a comissão analisou a possibilidade de representação nos casos de
comoriência, reconhecendo-se a hipótese em que essa ocorre envolvendo
ascendente e descendente, beneficiando-se os demais descendentes e os filhos
dos irmãos. Por meio de mais um enunciado, deixou-se claro que o regime de bens
no casamento somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com
descendentes do falecido.
Quanto aos testamentos, formulou-se
enunciado sobre testamento hológrafo, para esclarecer que este se torna
ineficaz em caso de convalescença do testador, caso não seja refeito pelas vias
ordinárias em até 90 dias quando podia fazê-lo. Por fim, aprovou-se importante
enunciado que consagra a possibilidade de realização de inventário
extrajudicial no qual se fez testamento, quando todos os herdeiros forem
capazes e concordes com os seus termos, o que proporciona grande economia de
tempo, tal como se obteve com essa prática desde a promulgação da lei do
divórcio e inventário extrajudiciais.
Ao término dos trabalhos da Comissão
de Direito de Família e Sucessões, aprovaram-se 15 enunciados. Foi a Comissão
de Trabalho que mais aprovou enunciados na VII Jornada de Direito Civil. Quando
submetidos à plenária, apenas um enunciado, relativo ao tema da guarda
compartilhada, foi rejeitado pelos membros de todas as comissões reunidos na
tarde do dia 29 de setembro de 2015. Comparativamente às demais comissões, a de
Família e Sucessões foi a que menos teve enunciados rejeitados na votação
plenária. Esse fato reflete o rigor nas votações para aprovação e a intensidade
dos debates internos na comissão.
A seguir, apresentam-se os enunciados
aprovados, distribuídos pelo tema específico, com uma pequena nota sobre a
votação e o tipo de alteração levada a efeito na redação original:
1. Prisão civil/alimentos avoengos
“Deve o magistrado, em sede de
execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es),
podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu
cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou
prisão domiciliar) se o executado comprovar situações que contraindiquem o
rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade,
como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.”
Proposta original: aprovada, por maioria (48 votos).
2. Inventário extrajudicial com
testamento
“Após registrado judicialmente o
testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus
termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário
extrajudicial”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (42 votos).
3. Casamento entre pessoas do mesmo
sexo
“É existente e válido o casamento
entre pessoas do mesmo sexo”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (40 votos)
4. Expedição de mandado de averbação
de divórcio
“Transitada em julgado a decisão
concessiva do divórcio, a expedição do mandado de averbação independe do
julgamento da ação originária em que persista a discussão dos aspectos
decorrentes da dissolução do casamento”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (56 votos).
5. Guarda compartilhada/divisão do
tempo
“A distribuição do tempo de convívio
na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos
filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2˚ do art.
1.583, do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário,
repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (54 votos).
6. Guarda compartilhada/divisão do
tempo
A divisão, de forma equilibrada, do
tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda
compartilhada pelo § 2° do artigo 1.583 do Código Civil, não deve ser
confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda
alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos
filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que
se encontra na companhia do filho”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (50 votos).
7. Direito de visitas na guarda
compartilhada
“A guarda compartilhada não exclui a
fixação do regime de convivência”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (51 votos).
8. Guarda compartilhada/divisão do
tempo
“O tempo de convívio com os filhos
deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser
entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa
se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da
vida privada de cada um”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (39 votos).
9. Guarda compartilhada/alimentos
“A guarda compartilhada não
implica ausência de pagamento de pensão alimentícia”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (55 votos).
10. Registro de nascimento
“É possível o registro de nascimento
dos filhos de pessoas do mesmo sexo originários de reprodução assistida,
diretamente no Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de
ação judicial, nos termos da regulamentação da Corregedoria local”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (42 votos).
11. Concorrência do cônjuge
supérstite com descendentes
“O regime de bens no casamento
somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com descendentes do
falecido”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (43 votos).
12. Contrato de convivência
“O registro do contrato de
convivência no Livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis implica exigência de
autorização do companheiro para realização de contratos de fiança e para a
alienação ou a gravação de ônus real aos bens imóveis do casal, salvo se o
regime escolhido de bens for o de separação absoluta”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (41 votos).
13. Direito de representação na
comoriência
“Nos casos de comoriência entre
ascendente e descendente, ou entre irmãos, reconhece-se o direito de
representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos”.
Proposta com nova redação: aprovada, por maioria (43 votos).
14. Testamento hológrafo*
“O testamento hológrafo simplificado,
previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias
subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua
confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas
testamentárias ordinárias”.
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (52 votos).
15. Anulação de partilha
“O prazo para exercer o direito de
anular a partilha amigável judicial, decorrente de dissolução de sociedade
conjugal ou de união estável, se extingue em 1 (um) ano da data do trânsito em
julgado da sentença homologatória, consoante dispõem o artigo 2.027, parágrafo
único do Código Civil de 2002 e o artigo 1.029, parágrafo único do Código de
Processo Civil (art. 657, parágrafo único, do Novo CPC).”
Proposta com nova redação: aprovada,
por maioria (38 votos).
* Testamento hológrafo. a. 1. Diz-se de testamento inteiramente escrito pela mão do próprio( www.aulete.com.br/hológrafo).
Coluna produzida pelos membros e convidados
da Rede de Pesquisa de
Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim,
Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT),
publicada em Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2016).
Eduardo Tomasevicius Filho é Professor Doutor
do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP.
Otavio Luiz
Rodrigues Junior é professor doutor
de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e
doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de
Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales
Privatrecht (Hamburgo).