Traços de humanidade. Na semana passada tive audiência com juiz de humildade a toda prova, algo raro, senão raríssimo. Mas existe e ouvi frases que diria inacreditáveis, se não as houvesse ouvido do próprio. Além da humildade tocante, a paciência do magistrado é digna de nota. A audiência levou horas inteiras de toda uma tarde, e o magistrado da vara de família com toda calma e voz mansa se empenhando no acordo. Ao final, celebrado o acordo, serenamente exortou as partes ao armistício duradouro. A jovem escrevente já havia esgotado sua paciência diante dos debates acalorados, bastava ver seus os olhos levantados para o teto cada vez que o acordo começava a desandar. Fazia um calor infernal, a água pedida e trazida não foi suficiente para todos, o promotor não foi servido, não havia ar condicionado sequer um ventilador. O bebedouro da vara estava quebrado, como se sabe é preciso fazer uma licitação, decerto tomada de preços para o conserto.
Na mesma semana veio a decisão do juiz federal, daquele processo cujo autor estava sem patrocínio de advogado e um pedido aguardava há dez meses por apreciação. Decisão denegando o pedido, já era esperado, não poderia mesmo decidir em processo julgado. Aí está um dos motivos da grita dos advogados contra a dispensa de advogado nos Juizados Especiais. Dá nisso, um processo parado quase um ano (morosidade da máquina) contendo um pedido inadequado. Perda de tempo precioso. Está feito, agora é partir para a corrigenda em nova ação, com advogado.
Para azeitar a máquina também é preciso de advogado. Quem irá repetidas vezes ao cartório, falar com o assessor do juiz, despachar com o juiz, senão o advogado? Chegar até o gabinete de um juiz federal é mais difícil ainda. O batalhão de choque, digo, os funcionários do cartório servem de anteparo aos assessores que guardam o gabinete. Tentei cinco vezes, entre presença e telefonemas, até conseguir. Ao ouvir o pedido de despacho com o juiz o funcionário devolve um olhar de estranheza, algo como tem certeza disso? Ousa perturbar o alto trabalho? A frase ecoa de funcionário em funcionário, ela quer falar com o juiz. Como um pedido raro, quase uma graça. Que parte suportará isso? Só um advogado. Que sabe, ou deveria saber, que não há hierarquia entre as classes e que magistrados são servidores públicos, graduados, mas servidores públicos.
Fui recebida com fidalguia, justiça seja feita, comme il faut, pelo assessor, uma, duas vezes, por telefone e finalmente, após a aguardada decisão. No dia do despacho, preveniu-me sobre as poucas palavras do juiz. Ótimo, então, vou poder falar à vontade. Uma blague, é óbvio, nada de falar demais, ao contrário, clareza e precisão. E fotografias a cores, em mãos. Foi um esforço de reportagem, de fato, foi cansativo e tanto empenho pela parte resultou em nota na sentença, pouco comum, matéria não jurídica.
Diz a parte inicial do dispositivo, "é importante salientar que este julgador não fica indiferente aos dramas humanos (...)". Está anotado e indeferido pelo artigo 264 do CPC (vedada a novação do pedido). Teria sido adequado o indeferimento há dez meses, in limine, pelo mesmo motivo.
Depois de feito é fácil achar defeitos e responsáveis (abandonando o conceito de culpa). Neste caso, podemos culpar, aliás, atribuir responsabilidade à dispensa de advogados para tais ações.
Em pleno feriado (emendado), municipal, em Belo Horizonte, Imaculada Conceição. Somos um povo de muitos feriados e de religiosidade ainda entrelaçada com o Estado.
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